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Cartas pra minha criança interior- Segunda semana

Cartas pra minha criança interior- Segunda semana
Isolene Schmitz
mai. 28 - 11 min de leitura
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Carta 8

Chegou a hora de visitar sua escola. Está na hora de aprender a ler e escrever. Isso foi muito marcante! 

Quando a professora falou que seria obrigada a aprender pra ser alguém na vida, você pensou: “como assim? Meu pai que amo tanto, não sabe ler nem escrever, por isso então ele é nada?” Logo, não gostava de ir à escola.

Ainda hoje aquela escola existe lá. A imagem dela está registrada na memória como num retrato. Por falar em retrato, quantos traumas! Lembro-me o dia em que tiraram uma foto de todos os alunos, mas você não poderia aparecer por não ter uniforme, então você fico tão triste e começou a chorar. Foi quando te colocaram bem lá atrás, no fundo do retrato que só aparecia a pontinha da cabeça. Sentindo-se humilhada, ao contar o acontecimento em casa levou tanta bronca que convenceu-se que seria melhor não aparecer na tal foto! Contaram que isso era perigoso pois não sabia o que poderia se fazer com aquela imagem. “Imagine se colocam na boa de um sapo, quando o sapo morrer você também morre!” Por fim me senti ainda culpada!

Hoje sei que a ignorância foi o que transformou muitos sonhos de infância em sapos. Mas o conhecimento te tirou desse lugar. Depois de quatro ou cinco décadas você já despertou sua majestade e está pronta pra brilhar! Sua escola chama-se Escola Real, um lugar onde todos tem um bom lugar, assim como sua história e suas roupas, uniformes não são mais precisos também, somente camisas com bonitas mensagens são oferecidas pra serem usadas. 


Carta 9

Vamos olhar novamente para a linha do tempo, nos anos 60, 70. Como foi difícil pra você ser obediente e ficar durante quatro anos na escola ouvindo histórias, como da descoberta do Brasil, época em que os bugres eram considerados bichos, sendo que sem sua memória celular, sentia-se um deles! Ou ainda quando contavam que a escravidão havia sido abolida, enquanto você experienciava esforços como dos escravos na sua pele! Carregar balaios cheios de batata, milho e aipim que eram mais pesados que seu próprio peso! Feixes de trato para alimentar os animais que você ia tremendo e gemendo que suas pequenas pernas não conseguiam caminhar. Isso tudo por várias horas por dia. Então era muito difícil aprender o que aquela matéria de história ensinava sobre a escravidão que já não existia.

Hoje na escola Real, aprendo com atitudes congruentes, posso escolher o que estudar, quais livros ler. O que mais aprendo é sobre felicidade e amor. Essas matérias nem se falava naquela época. Ainda sobre os bugres, quero lhe dizer querida criança, que me orgulho em ser descendente de indígenas! Nós merecemos respeito e agora sim, sou livre!


Carta 10

Minha pequena vamos ver mais algumas cenas do seu filme e reescrever dando cores, de volta à escola para aprender outra matéria, agora já é hora de estudar português. Que difícil foi saber o correto “rr, ss, ch, x, sc” etc. Dicionário só a professora tinha. O questionamento que é natural na fase de aprendizagem, era praticamente proibido, se perguntasse logo vinham agressões verbais como burra, cabeça dura, etc. Se rasurasse, ou tentasse apagar e sujasse o caderno, pois era obrigada escrever a caneta em plena alfabetização, havia punição com varas nos dedos! Como dói lembrar que eram as próprias crianças que precisavam trazer as varas, havia uma coleção delas, pra não faltar. Ainda hoje vem lágrimas nos olhos quando penso em tudo isso, por isso não gostava de escrever.

Ainda bem que sempre acreditei em milagres! Hoje podemos escrever e apagar com algumas teclas, sites para pesquisar e saber sobre tudo que quiser. Em minha Escola Real, se eu não quiser escrever, tudo bem, até dormir em sala de aula é permitido, temos cobertores quentinhos e sofás confortáveis. Isso que eu chamo de milagre.


Carta 11

Querida criança, hoje compreendo você e tantas crianças que não gostam de estudar. O que mais ouvia era sobre respeito e disciplina. Mas que tipo de respeito é esse, se nem ir ao banheiro era permitido. Se desobedecer, castigo dentro da sala, nem no recreio poderia sair. E como gostava de ir no recreio ao menos pegar um sol nos pezinhos quase congelados de frio pois nem sapatos tinha. Lanche não havia, somente mesmo pra brincar um pouco.

Em minha escola experiencio o respeito e honra ao ser humano. Somos tratados com amor e dignidade. Os lanches são deliciosos, temos chás, cafés, sucos, frutas, afeto e abraços dos colegas. Nossos pés ficam quentinhos em pantufas e meias. Até podemos escolher quando iremos estudar, sim podemos estudar on line! Que maravilha!


Carta 12

Vamos princesinha, mais um pouco no túnel do tempo, logo chegaremos ao final. É verdade, aqueles quatro anos parecem quem foram uma eternidade! Sei que você lembra do dia que levou uma varada só porque olhou para traz e nem chorar podia pois fechavam sua boca e falavam pra ficar quietinha se não quisesse apanhar mais. Ainda convenciam que era merecimento por desobediência. 

Lembro que faziam piada também com seu nome Isolene, pois costumava rir para lidar com tanto stress como as crianças sabiamente fazem, chamavam-na de “Risolene”. Por rir também baixavam a nota e era humilhada em frente aos demais, fazendo ficar igual a um boneco de pau por 20 minutos olhando pra uma tocha olímpica sem ter a menor ideia do que era aquele fogo.

Hoje quando quero me expressar seja pelo riso ou pelo choro eu me permito, em sala de aula tem lenços e acalanto.

Quanto ao meu nome, minha professora me chama carinhosamente de minha querida, amada e até princesa.

Minha filha já fez poesia para mim tbm com as iniciais do meu nome.

O boletim ficou para traz e nas provas da vida vamos nos saindo muito bem, minha pequena.


Carta 13

Então minha pequena, vamos chegar a mais uma cena que partiu seu coração! Estamos nos aproximando do dia das mães. Nessa data os alunos precisam fazer homenagem às mães. Ir lá na frente, cantar, recitar poesias e no final levar um cartão feito para a suas mamães... nesse dia você ficou parada olhando para quem você poderia entregar aquele cartão, pois sua mamãe à tempos já não estava mais nesse plano. Lentamente você foi em direção à professora para entregar a ela, ao chegar ela olhou para o chão, depois para o lado, fingindo não estar vendo-a e não queria pegar aquela lembrança. A professora era uma mulher solteirona, sem filhos. Enfim pegou o cartão envergonhada, como se fosse uma ofensa ser tratada como mãe.

Este ano escrevo estas cartas para você minha criança, também como uma homenagem à minha professora Olinda. Esta mulher é muito feliz por ter muitos filhos, é mãe de sete filhos por via adotiva e materna também à nós alunos, seu carinho não tem fim! Muitos dos seus empregados e alunos escolhem chamá-la de mamãe, ela nos recebe em sua casa e tem um coração que transborda de amor.

Gratidão por ter conhecido você Olinda.

Agora minha criança, veja o que uma de suas filhas fala de você, como mãe:

Querida mamãe Isolene, obrigada por escolher estar conosco. É muito bom ter uma mãe pra visitar, amar e aprender.

Grata por ser tão amorosa e ter um coração tão dedicado aos aprendizados sobre felicidade, nós todos brindamos dessa conquista! O conhecimento tem um altar sagrado em nosso lar, isso muito me alegra. Nesse lar o erro é permitido, você diz sempre que Deus perdoa, e nós também! É muito bom conviver com pessoas que dão espaço pra sermos humanos, integrais. Por fim, das convicções que tenho, uma das mais lindas é que a Senhora aprendeu a maternar diretamente da mãe divina, a quem tem tanta devoção! Diante de uma infância cheia de vivências com figuras  megeras e ausência da referência de sua mamãe, por Nossa Senhora foi possível tornar-se uma mãe e avó que transborda amor, paciência e benevolência. 

Muitas flores e livros em seu caminho! 

Um upaaaa nosso! Vida longa a mamãe e vovó Isolene.


Carta 14

Enfim criança, agora você tem nove anos, não precisa mais ir para a escola. Mesmo que você quisesse ir seria impossível, pois depois do quarto ano, teria de ir para outra escola que ficava há oito quilômetros de distancia. Não havia qualquer transporte acessível, bicicleta não tinha, ônibus não passava lá. Então mesmo que você se esforçou tanto e teve a melhor nota da escola, agora só restava ir trabalhar na roça de sol a sol. Trabalhar com plantação de fumo, até hora da noite. Lembro aquela vez que precisou aplicar veneno nas plantas, com sua pouca estatura ficou intoxicada, desmaiou, a vida não estava segura! Até pouco tempo não podia sequer sentir cheiro de perfume que sentia fortes dores de cabeça, muito parecidas com aquelas que sentiu naquele ocorrido. 

Você sobreviveu a tantos momentos difíceis sem perder a esperança! Por você ser uma pessoa tão trabalhadora, seu irmão lhe deu um presente, uma viagem de ônibus para a praia na companhia dele, para auxiliar nos cuidados com sua querida sobrinha. Nem conseguia acreditar que iria conhecer o mar, a praia…Na noite que antecipou a viagem nem dormiu, também foi a primeira vez que você passou por uma cidade, encantou-se com tantas luzes acesas, assim conheceu a luz elétrica.

Ao avistar o mar, parecia estar no céu, aquele azul infinito, então lembro-me que o sentimento foi maravilhoso e disse: “quero ficar aqui para sempre”. Minha pequena, a palavra tem poder! Sua fala conduziu a realização desse sonho, hoje nós já usufruímos dessa beleza que é morar no litoral, já fazem 34 anos! Nossa infância feliz chegou com muitos castelos na areia, e banhos de mar, na companhia de seus queridos netos e filhas!

 

 


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