Saber Sistêmico - Comunidade da Constelação Familiar Sistêmica
Saber Sistêmico - Comunidade da Constelação Familiar Sistêmica
Você procura por
  • em Publicações
  • em Grupos
  • em Usuários
VOLTAR

CONSCIÊNCIA NEGRA: POR UM DIREITO DE PERTENCER...

CONSCIÊNCIA NEGRA: POR UM DIREITO DE PERTENCER...
Paula Azevedo
nov. 26 - 8 min de leitura
020

O fato de celebrarmos em nosso país no dia 20 de novembro o dia nacional da consciência negra é algo que causa desconforto em muitas pessoas, que argumentam: “Mas somos todos iguais!”, “Não existe consciência negra, branca ou amarela, apenas uma consciência humana”!

O que é consciência?

Segundo o dicionário: Substantivo feminino. 1. Sentimento ou conhecimento que permite ao ser humano vivenciar, experimentar ou compreender aspectos ou a totalidade de seu mundo interior; 2. Sentido ou percepção que o ser humano possui do que é moralmente certo ou errado em atos e motivos individuais. Entre outros significados, me bastam estes dois.

Bert Hellinger considera a consciência como um órgão de percepção, que serve como instrumento de vinculação ao grupo que é importante para a minha sobrevivência, isto é, a família. Hellinger declara que cada grupo possui um tipo de consciência e que ao nos vincularmos aos diferentes grupos sabemos exatamente o que necessitamos fazer para pertencer. Por meio da consciência, podemos perceber de imediato se fazemos parte ou não, se nossas ações põem em risco nosso pertencimento à família, ao grupo profissional, ao grupo religioso, ou simplesmente aos colegas na mesa de um bar ou no salão de cabeleireiro...

A consciência pessoal e os sentimentos provenientes desta consciência são determinados pelo grupo, pela família. A consciência moral, a consciência dos grupos se coloca acima dos outros principalmente quando ameaçada, ela exclui com boa consciência, isto é, reconhece que uns tem direito de pertencer e outros não. Discrimina e segrega com tranquilidade e paz no coração. Nega ao outro o direito de estar no mesmo nível que ele, e está relacionada a uma vontade de extermínio.

Bert observou a existência de uma consciência arcaica, que como o nome já diz, é uma consciência mais antiga que a consciência moral. Esta consciência está a serviço da vida e não tolera exclusões. Para ela, todos pertencem. É esta consciência que se manifesta no trabalho com as Constelações Familiares.

A consciência moral exige que as pessoas sejam excluídas, ao passo que por exigência da consciência arcaica, ninguém pode ser excluído. A moral não tem poder para definir o que ou quem pode ser incluído ou excluído.

O que no Brasil chamamos de consciência humana, exclui a consciência negra. Há uma inclusão no plano discursivo, mas esta consciência na prática não tem um bom lugar na alma dos brasileiros, o que se torna visível por meio dos fenômenos sociais, isto é, na sub-representação de pessoas deste grupo em vários espaços, tais como política, cargos de gerência, esportes de elite, da Literatura, da Moda, da Teledramaturgia, do Jornalismo, da área acadêmica, da Medicina, do Judiciário e na sobre-representação deste grupo no sistema carcerário, em cargos subalternos, no comércio, entre outros com menor prestígio social, e também como mostram várias pesquisas do campo da Educação, é o grupo racial que é mais excluído da escola.

O que vejo é uma disputa de consciências, em que um grupo, ou uma cultura se coloca acima de outra, ou de outras que são diferentes da sua, e que por isso, tende a se defende por meio de aparatos estatais e privados tal qual mídia, Educação, repressão policial e é movido por um desejo de extermínio, tal como numa guerra.

Hellinger afirma que a luta das consciências custou sangue e lágrimas aos povos deste planeta, eu digo que esta guerra ainda nos custa muito aqui no Brasil, pois todos os dias pessoas negras são brutalmente assassinadas, exterminadas, excluídas, tal qual o menino Miguel, e o caso mais recente do João Alberto Silveira Freitas.

Percebo que estamos todos a serviço desta consciência, os que matam, assim como os que morrem, penso que perceber o que nos move por trás de cada evento, pode nos libertar destes destinos trágicos.

Se quisermos um bom futuro, devemos ampliar nossa consciência, ultrapassando a consciência moral e perceber que exclusões enfraquecem ambos os lados, já que estamos todos vinculados, todos fazemos parte.

Reiterar que vidas negras importam é um grito necessário porque nesta disputa são essas vidas que correm perigo diário. Na consciência que atua em nosso país, vidas negras não são vistas como vidas de igual valor. Nossas mortes clamam para serem vistas e acolhidas, mas ainda não geram dor e indignação naqueles que precisam admitir sua parte neste movimento de exclusão.

Quanto à população negra, esta não deve se deixar congelar pelo trauma da escravidão...

Muitos ainda manifestam em seus corpos e em suas histórias a dor de seus, de nossos ancestrais que foram arrancados de seus lares, de sua pátria e que foram trazidos à força para um lugar que não era o seu, a fim de viverem e morrerem numa condição desumanizadora como a escravidão...

Na ação que me cabe enquanto pessoa, eu olho para a força destes ancestrais, para a sua capacidade de reconstruir laços em terras estrangeiras, de resistir, para a capacidade de saber o momento de usar a voz e de falar, e saber o momento de calar e apenas observar.

Para habilidade aproveitar as oportunidades e fazer bons negócios, no potencial de contar suas histórias e de sobreviver ou florescer diante de qualquer contexto ou situação.

Para a capacidade de ser criativo com poucos recursos... Eu olho para tudo isso e reconheço que a vida não chegaria até mim sem esta força. Eu olho esta história de frente, eu a acolho do jeito que aconteceu, com os sequestros, com os estupros, com as famílias separadas, com as mortes violentas...

Vejo muitos irmãos negros vibrando na dor de nossos ancestrais, vinculados às histórias de privação de liberdade, privação material e de impossibilidade de desenvolvimento pleno de seus potenciais... Vejo-os ainda na luta pela sobrevivência em lealdade à dor e ao sofrimento contido em nossa história.

Nestes também atua a consciência moral, pois entendem por meio do amor infantil que pertencer significa emaranhar, assumir dores e histórias que não são suas, destinos que não são seus... Muitos ainda não sabem como se vincular aos nossos ancestrais apenas pelo amor.

Ao perceber como estamos vinculados às histórias e destinos dos nossos antepassados, podemos pertencer a partir de outro vínculo que não é a dor...

Olinda Guedes, minha professora, costuma afirmar que histórias trágicas nas quais há muita dor, são as que contêm muita força... Então eu olho para meus ancestrais e os ouço dizer: Sigam! Não façam com que nossa vida, com todos os sacrifícios os quais nos submetemos por você (inclusive a morte) tenham sido em vão. Com a nossa força construam novos ideais, novas perspectivas e um novo futuro!

Esta terra vos pertence, façam algo bom com ela, frutifiquem.

Honrar de verdade nossos ancestrais significa suportar a má consciência sendo bem sucedidos, ocupando espaços privilegiados, alcançando a fama, prosperidade financeira, a intelectualidade...  

Lamento profundamente pelo fato do Brasil escolher permanecer como um povo fraco, fragmentado, incluindo apenas a linhagem europeia e excluindo as linhagens africana e indígena. Tratando-as como menores e não como iguais, subjugando-as, excluindo-as.

Me arrisco a afirmar que seríamos um povo feliz se incluíssemos a força dos povos africanos e indígenas em vez de tentar apaga-las ou exterminá-las. Toda esta força está à disposição do Brasil, já é nossa, não precisamos roubar ou usurpar de ninguém, ela nos pertence, nos basta enquanto nação toma-la...

Há uma consciência que deseja a reconciliação, nela não existem vítimas ou perpetradores... Esta consciência quer juntar o que está separado, quer curar o que está inútil e quebrado. Ela está a serviço da vida.

Você quer se juntar a este movimento?

 

Referência:

HELLINGER, Bert. Um lugar para os excluídos: conversas sobre os caminhos de uma vida. 5ª ed. Divinópolis: Atman, 2018.


Denunciar publicação
    020

    Indicados para você


    Saber Sistêmico - Comunidade da Constelação Familiar Sistêmica

    Verifique as políticas de Privacidade e Termos de uso

    A Squid é uma empresa LWSA.
    Todos os direitos reservados.