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CURANDO A CRIANÇA INTERIOR

CURANDO A CRIANÇA INTERIOR
Shirley Martins Menezes Svazati
fev. 19 - 9 min de leitura
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Alguns meses antes de minha amada mãezinha falecer, numa sessão de microfisioterapia a terapeuta me disse que minha mãe precisaria fazer uma constelação.

Não tínhamos informações da gravidade do caso mas a terapeuta me disse que estava muito pesado. Foi naquele momento que tive contato com o tema e uma amiga me relatou que uma conhecida estava trabalhando com constelação utilizando bonecos.

Agendei uma consulta e levei minha mãe. Foi muito importante. Tive acesso à histórias de meu sistema e principalmente à visão que minha amada mãe tinha de tudo. Muitas coisas me chamaram atenção, mas uma delas guardo com carinho.

Ela disse que tinha saudades do meu pai, falecido há alguns poucos anos. Saudades do meu pai era algo que talvez eu não esperasse escutar de minha mãe. Eu sabia que ela se sentia culpada por acreditar erroneamente que não soube cuidar dele, mas saudades me surpreendeu.

Minha mãe sempre teve muita dificuldade em demonstrar carinho pelos modos tradicionais e com meu pai era ainda mais difícil porque o afeto conjugal a envergonhava, parecia algo proibido.

Sempre se mostravam como pais, não como casal. Retomar fotos do noivado e casamento dos dois tem me permitido fazer uma outra leitura dos dois. Ver os olhares de um para outro, o afeto dele ao abraçá-la e até mesmo o sorriso ao se olharem mostra que foram um casal um dia.

Um quadro diferente daquele pintado por mim com base no que presenciei durante minha vida. Durante os surtos psicóticos de meu pai, o ciúme absurdo de minha mãe aflorava e nos trazia medo.

Meu Deus como minha mãezinha sofreu, eu sinto tanto, não merecia. Sei que ele também sofria, absurdamente. E pedia de todas as formas para ser aceito e amado por ela. Eles eram vizinhos quando se conheceram.

Talvez tivessem visto naquele encontro a possibilidade de juntos lidarem melhor com os problemas que carregavam de seus sistemas. Ela via que ele era trabalhador, mas desconhecia o vício que já tinha pela bebida, e que seria destaque durante muitos anos de casamento.

Ele não se tornava agressivo, mas inconveniente, e dava aos outros o que não dava para a esposa e para os filhos, atenção. Ela não suportava a situação, xingava, ameaçava abandoná-lo e numa tentativa de acabar com tudo aquilo insistiu para que viéssemos para o interior.

Ela queria paz para todos e conseguiu. Ele parou de beber. Pena que não soube lidar com a nova rotina de tranquilidade e longe do trabalho pesado que tanto amava - ou que talvez que lhe tirava da realidade - foi adoecendo emocionalmente.

Entre o noivado e o casamento de meus pais, minha avó materna faleceu, segundo a leitura de minha mãe, por não saber lidar com o fato de ser excluída da família. Ainda mais depois da morte do filho, que não aguentou ser excluído pela sociedade.

Ele se sentia incapaz, inferior por não se darem emprego, a epilepsia era considerada algo muito complicado naquela época.

Minha mãe, ainda solteira, tentava assumir a responsabilidade por toda família na ausência da mãe, visto que antes de sua morte, era ela que direcionava a todos com sua garra e rigidez.

O fardo pesado não era novidade para minha mãezinha, que por amor à família, desde criança assumia responsabilidades na rotina de grandes dificuldades, período marcado por doenças, fome, brigas, buscas constantes por um trabalho que possibilitasse viver melhor.

Sentia-se inferior e incapaz, desde muito pequenininha, história de sofrimento que teve início com a dor da exclusão de minha avó, que decidiu ir contra a família e casar-se com meu avô, uma pessoa que apesar de rico de amor era pobre de bens materiais.

Cuidar, cuidar e cuidar, seria a principal tarefa de minha mãe por toda a vida.

Para meu paizinho, aparentemente, as coisas pareciam bem.

Sempre muito dedicado ao trabalho, interessado e caprichoso, conseguia levar sua profissão adiante.

Mas além do aparente, a história era outra.

O abandono do pai, que trocou a mãe e as crianças, sendo ele muito novinho, pela vida de farra com outras mulheres, deveria ser algo inconscientemente muito forte para meu paizinho, que se sentia responsável por cuidar da mãe, e dos outros irmãos, sobretudo o irmão homem, mais jovem.

Quanta carga de responsabilidade papai. Eu sinto tanto. Penso que também carregava a memória de orfandade de minha avó paterna, que perdeu a mãe ainda criança. Se fez mãe dos irmãos, até ser obrigada a se casar com alguém que tinha posse material.

Embora tivesse se afastado do mar bem novo, sempre gostou dele. Adorava relembrar as brincadeiras na praia, o desafio de pegar caranguejos no mangue. Era uma pessoa muito reservada e de pouco convívio com a família e com grupos sociais.

Mas uma pessoa muito boa e de empatia. Do seu jeito sempre queria ajudar o outro. Amava sua família. Conforme lembra a psicóloga infantil e da adolescência, Monique Uehara, até aproximadamente os três anos de vida, o bebê e sua mãe vivem um estado de fusão emocional.

Nesse período, a mãe e o bebê vivem uma simbiose, ou seja, o bebê vive os sentimentos da mãe como se fossem seus. O ideal seria que a mãe comunicasse ao seu bebê que aquela emoção é dela e não dele.  Acredito que dificilmente isso acontece, mesmo porque, poucas mães têm consciência desse processo.

Acredito que minha mãe não tinha esse conhecimento na época em que eu e meu irmão éramos crianças. Conhecendo melhor sua história, faço ideia dos sentimentos dela naquela época.

Então me dou conta que a necessidade que tenho de atender as expectativas dos outros para pertencer e ser amada, é algo que trago da minha família de origem.

Até então eu acreditava que advinha apenas do tratamento que minha mãezinha me dava quando eu não fazia as coisas da maneira que ela esperava que eu fizesse, e dava ao meu pai, por causa do vício.

As raízes são mais profundas do que eu imaginava. Que esse dever de cuidar de todos, de controlar tudo, de proteger, foi passado de minha mãe para mim, mas já existia em minha avó materna. 

A novidade foi descobrir que também herdo isso de minha avó paterna. Que esse medo de ser deixada, de ser trocada, na verdade decorre de um fato que pertence à minha avó.

Que o sentir-se inferior e insegura desde menina, é algo que trago de minha mãe, que talvez tenha herdado de meu avô que não era aceito pela família de minha avó. Na concepção de meus bisavôs, ele era menos que ela.

Menininha que mora em meu coração. Quero falar com você, minha querida. Quero tratar das suas dores, dizer que sinto muito por todo sofrimento que carrega tão pequenina e leva tanta carga isso tudo não é seu, minha amada menininha.

Eu entendo que você quer tomar conta de tudo para proteger nossa família, mas levar todas essas coisas com você não vai ajudar. Eu sei da sua vontade de ser aceita da maneira como você é, e você é tão maravilhosa, minha criança tem tanto amor.

Você não precisa ser perfeita minha querida, você é amada do jeitinho que você é, tomando a decisão que você toma para sua vida.

Eu te vejo minha linda e doce menininha eu te amo, e sempre estarei ao seu lado para o que você precisar. Não precisa mais temer. Você pode seguir sua história com alegria, com saúde, com a leveza de uma criança. Minha família amada.

Agradeço a todos vocês.

Entendo que foram e agiram da melhor maneira que podiam diante de cada situação. Sei que todos têm suas crianças com suas dores a serem curadas. Minha criança é um resultado de todas elas e espero que cuidando de minha criança, a de vocês possa ser curada também.

Espero conseguir continuar a ser fiel à minha família de origem, mas me desprendendo da carga daquilo que não é bom. Hoje tenho ciência de que continuar carregando tudo isso, definitivamente não vai resolver para meus antepassados, nem para mim.

Decido andar para frente, levando o que recebi de bom e deixando para traz, o que identifiquei que não é bom, e que não me pertence.

Gratidão meu Deus.

Gratidão Olinda.


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