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ERA UMA VEZ UMA ESCOLA... OU SERÁ?

ERA UMA VEZ UMA ESCOLA... OU SERÁ?
Angela Helena Bona Josefi
ago. 3 - 13 min de leitura
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Sonho com uma escola real, uma escola em que os alunos são felizes porque gostam de estar ali, e ali aprendem tantas coisas! Aprendem, inclusive, a gostar mais das suas casas, das suas famílias, das suas histórias. Crianças gostam de histórias. Poderia dizer que todas gostam, mas nem todas gostam de todas as histórias. Há histórias imaginárias, maravilhosas, e há histórias reais, nem todas maravilhosas. E há histórias de vida e histórias de escola, reais. E quando as histórias de vida são vistas na escola, a história da vida na escola se torna melhor, mais viva, mais promissora. Será real essa escola?

Já vi crianças gostando de aprender, em casa, com graça, porque a cada tentativa havia uma nova descoberta, e a cada descoberta havia alguém vibrando com elas: um pai, uma mãe, uma avó... a cada palavra mal pronunciada, uma nova conquista; a cada novo passo – seguido de um tombo – um aplauso; a cada rabisco, o elogio a uma obra de arte; a cada palavra escrita, quase correta, um olhar brilhando... e já vi essas mesmas crianças, na escola, percebendo que essas descobertas prazerosas, ali, não eram consideradas como aprendizagens, e que aprender na escola era algo muito chato e complicado, porque se resumia a repetir, copiar, memorizar – às vezes sem entender – e muitas vezes, sem graça nenhuma. Já vi crianças perdendo a graça de aprender a ler e escrever. Como uma criança poderia perder a graça dessa conquista?

Também vi crianças não gostando de aprender em casa porque a cada tentativa e erro, um castigo, para acertar melhor da próxima vez, mas a próxima vez vinha pior porque o medo vinha junto... e vi muitas crianças não gostando de aprender nem em casa e nem na escola, pelo mesmo motivo.

Felizmente, já vi crianças gostando de aprender tanto em casa quanto na escola, felizes! Sim, a escola em que os alunos são felizes, pode ser real. Real, quando os professores se importam com os alunos e com seus pais. E “quem se importa, serve” (GUEDES, 2020), e por servir, dispõe-se a aprender sempre mais: ensina e aprende enquanto ensina (FREIRE, 1997). Aprende sobre como os seus alunos aprendem, sobre as suas histórias de vida, sobre os aprenderes das suas famílias, sobre suas alegrias e dores, e sobre como ensinar melhor esses alunos reais. Inclui e se deixa incluir. Ah, essa escola era, é, será uma escola de gente feliz! Uma escola onde os conteúdos e os métodos de ensino são tão importantes quanto são importantes os sujeitos que lhe dão vida: os alunos, os pais, os professores... a comunidade, com tudo o que trazem, com tudo o que lhes é importante.

Marianne Franke (2005, p. 12), professora alemã, precursora mundial da Pedagogia Sistêmica, baseada na Teoria das Constelações Familiares Sistêmicas, de Bert Hellinger (1925 – 2019), fala de como começou a refletir sobre a educação escolar, iluminada por essa teoria. Ela conta a sua experiência em uma escola que, embora não apresentasse “nenhuma diferença com relação às escolas convencionais em sua didática de ensino e nos métodos de cada matéria, transpirava em sua concepção básica uma força viva que permitia aos professores usar sua intuição e estimulava os alunos a aprenderem a viver suas próprias vidas”. Refere-se a uma escola alemã em que lecionou em meados dos anos 70, cujo diretor, seu pai, era músico e dava à escola uma espécie de alma que vibrava pela arte. Havia um projeto voltado para a arte, e, embora as aulas nas diferentes matérias curriculares continuavam sendo o foco, todos tinham um entusiasmo para trabalhar concentrados em matérias como matemática, alemão ou inglês porque precisavam ensaiar uma peça musical ou teatral. E as matérias eram ensinadas em consonância com esse projeto. Ela fala também de outras escolas que não tinham essa alma viva, em que também trabalhou, e por vezes se desesperava por sentir-se sozinha na tarefa de criar um bom espírito de trabalho coletivo em suas classes.

Gostar de aprender é natural. Perder o prazer por aprender não é natural, é uma imposição. Quando quem ensina tem um peso em relação a ensinar ou em relação ao seu processo de aprender, esse peso repercute sobre quem está sob a sua ação pedagógica. Então, quem quiser se dispor a ensinar, precisa primeiro rever a sua história de aprendiz, e curar-se dos pesos que isto lhe trouxe, se for o caso. Mas não é só isso. É preciso que a escola inteira seja libertada daquilo que é pesado e sombrio, de todas as coisas que não têm sentido e se fazem por fazer. É preciso que ela se transforme em um espaço que tem lugar para a alegria e o prazer pela vida, lugar para tudo o que trazem aqueles que ali chegam. É preciso que todos sintam que fazem parte e se sintam bem ali.

Há muito se fala em defesa da democratização da escola, porém, percebe-se que ela ainda está longe de acontecer de fato. Os discursos de governantes e educadores enfatizam o acesso à educação sistematizada como direito de todos. No entanto, ainda se vê, na realidade, o que já dizia Moll (1997, p. 12) sobre a lógica que permeia toda a história brasileira: uma lógica da centralização do poder e do saber nas mãos de poucos. Essa lógica, segundo a autora, expressa-se não só pela exclusão da escola, mas também pela exclusão na escola. Ela explica que a exclusão da escola "atinge a todos que a ela não têm acesso pela falta de vagas, gerada, via de regra, pela inexistência de políticas públicas adequadas às demandas sociais" na Educação Escolar. Já a exclusão no interior da escola "está ligada à “baixa produtividade” nas suas tarefas de ensino-aprendizagem e concretiza-se nos mecanismos de seletividade intraescolar denominados de reprovação, repetência e “deserção” ou “evasão” escolar". (MOLL, 1997, p. 34).

Posso dizer que na atualidade a exclusão ocorre principalmente na escola, já que o problema do acesso a ela, pelo menos aparentemente, está perto de ser superado, uma vez que pela legislação brasileira, o acesso à Educação Básica é obrigatório, ou seja, é direito de todos. Mas não basta ao aluno ser matriculado e frequentar a escola. É necessária a garantia da sua permanência, com sucesso, o que significa que é preciso superar a cultura da seletividade, e isto requer desde a reorganização do seu espaço, no sentido de que as vagas ofertadas sejam reais, evitando a superlotação das salas de aula, até a reorganização das práticas pedagógicas.

Há uma “lógica da exclusão” que, segundo a mesma autora referida acima, mostra que o papel da escola no contexto social aparece como o de ratificar o que está “socialmente determinado” e separar o que já se diferencia pela posição econômica que cada um ocupa. Se, historicamente, o processo de educação escolar no Brasil é marcado pela discriminação das camadas populares que veem descartados o seu saber e a sua cultura, se há um saber elitizado, representado por um currículo escolar que reflete os interesses das classes dominantes e incorpora pressupostos ligados às práticas e expectativas dessas classes, há que se refletir sobre como a alfabetização pode deixar de ser um processo historicamente pensado e organizado em consonância com ideologias e políticas sociais que não consideram as pessoas e suas histórias reais, e, para isso, há que se pensar em formas de superação da cultura do fracasso dos alunos que não se enquadram nos padrões dessa organização escolar.  Então, é claro que a escola precisa se curar. Curar-se do peso dos estigmas que carrega, do peso dos currículos engessados e inflexíveis, que não abrem espaço para a arte, para a filosofia, para a sabedoria dos diferentes povos e diferentes culturas.

Sonho com o tempo em que a escola excludente que ainda existe fique apenas nas lembranças do “era uma vez uma escola...”. Sonho com o tempo em que a escola simplesmente inclui, compreende, respeita e faz progredir, cada um como é, com tudo o que traz; uma escola onde se brinca, se canta e encanta, e se ensina e aprende de um jeito alegre, com amor, onde a avaliação não classifica mas valida e promove avanços, onde todos os saberes pertencem e são importantes.

A escola do sonho de Marianne Franke (2005), de princípio sistêmico- construtivista, tem como principal objetivo um remodelamento da realidade. Ela observou como os conhecimentos da teoria de Hellinger se aplicam nas relações escolares. Percebeu-se, como professora, abrindo-se às famílias dos seus alunos, permitindo-lhes entrarem em suas salas de aula, de maneira aparentemente invisível mas permanente. Via seus alunos como representantes de suas famílias, comprometidos de modo profundo com as suas dinâmicas. Ela estimulou os alunos a imaginarem seus pais, seus avós ou seus tios atrás de si, conforme sentiam quem lhes poderia ajudar, dando-lhes força e coragem para realizarem as tarefas, e observou que os resultados na aprendizagem melhoraram significativamente (FRANKE, 2005, p. 16). Certamente, para fazer esse exercício de aplicação dos princípios da Constelação Familiar, ela viu em seus alunos, todos os que vinham com eles, sem julgamentos.

Imagino o quanto ela passou a compreender melhor cada um deles com seus comportamentos, dificuldades, possibilidades, o quanto ela passou a agir como alguém que via “além do aparente” (GUEDES, 2015), tudo o que movia esses alunos, e como os ajudou, e como eles amaram aprender porque amaram essa professora que os via e incluía.

Penso que nem sempre as crianças se sentem seguras ao imaginarem seus pais atrás de si. Se os seus pais trazem o peso de não terem recebido amor, não conseguem dar amor; se trazem memórias de abuso e violência, e não estão curados, podem agir de forma similar com seus filhos, e lhes causar medo e insegurança. Penso que os pais precisam ser ajudados a compreender e perdoar os seus pais, para conseguirem pedir perdão aos seus filhos e recuperarem o vínculo do amor. Penso que também há professores que precisam perdoar alguns dos que foram seus professores, para ganharem a força de pedir perdão aos seus alunos, caso tenham vivido e causado histórias de sofrimento nessa relação.

Professores emocionalmente saudáveis, jamais desencorajam os seus alunos, muito menos os diminuem quanto às suas possibilidades de sucesso, pelo contrário, festejam com eles qualquer avanço, celebram todas as tentativas, impulsionando-os a seguir, sentem-se livres para perceber o possível e o necessário a cada pessoa, a cada realidade. As crianças que contam com esses professores, quando precisam aprender a ler e escrever, certamente veem que suas tentativas são valorizadas, que suas hipóteses sobre o que a escrita representa e sobre como ela funciona, são vistas e reconhecidas como importantes, desde os seus primeiros rabiscos. O modo como essas crianças se expressam nas brincadeiras, nos desenhos, nas diversas formas de representação, não passa despercebida, pelo contrário, é vista e acolhida como parte do processo de aprender e de pertencer.

Em escolas assim, com professores assim, com alunos cujas famílias vêm junto, não há fracasso, não há exclusão. Há diferentes formas de sucesso, porque há um sentimento que prospera: o amor, e porque quem ama se importa, e “quem se importa, serve!” (GUEDES, 2020). Penso que quem serve, sempre ensina.

Era uma vez uma escola que não servia...

Há uma escola que serve? Sim, ela é real!

 

Referências:

FRANKE, Marianne. Você é um de nós. Patos de Minas: ATMAN, 2005.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à pratica educativa. 9 ed. São Paulo: Paz e Terra, 1997.

GUEDES, Olinda. Além do Aparente. Curitiba: Appris, 2015.

_______ . Um dia alguém me perguntou por que ajudo tanto. Online. Disponível em: https://www.facebook.com/olindaguedesfanpage/photos/a.518107381647717/1962153863909721/?type=3&comment_id=1962284290563345. Acesso em 31/07/2020

MOLL, Jaqueline. Alfabetização possível: reinventando o ensinar e o aprender. Porto Alegre: Mediação, 1997.


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