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Missão de benzedeira em tempo de rede social

Missão de benzedeira em tempo de rede social
Maria Teresa L. Figueira Leite
out. 22 - 6 min de leitura
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Elas são jovens, fiéis às lembranças das avós e bisavós, e dão a bênção virtual ou presencial.

No Facebook, são quase 17 mil seguidores. No Instagram, mais de 7 mil. No WhatsApp, um plantão tira-dúvidas. Semanalmente, verdadeiros mutirões de benzedores — chamados de “ambulatórios” — coletam nomes de interessados em benzimento. Tudo de forma voluntária. E online.

Criado há quatro anos, o projeto Florescer Bento é uma das iniciativas que querem resgatar a cultura do benzimento, antiga tradição brasileira, resultado do sincretismo de fé católica, rituais indígenas e religiões africanas. É bom esquecer, no entanto, aquele estereótipo das velhinhas em trajes puídos em casebres escuros com dizeres sussurrantes.

Na era das redes sociais, as benzedeiras (a maioria é mulher) são jovens, antenadas e conectadas. Pâmela Souza, a idealizadora do Florescer Bento, tem 26 anos. Tomou contato com o benzimento em 2016. “Me deu um chilique e decidi ir a uma vivência do tema. Desmarquei tudo e fui.” Ela era aluna de Direito e trabalhava como assistente de um juiz. Sonhava seguir a magistratura. Encantou-se pelo tema, descobriu que em sua família essas raízes estavam presentes – avós, bisavós e tataravós eram benzedeiras.

Mudou sua vida, criou uma escola de formação e vive da difusão dos princípios do benzimento – o benzimento, em si, jamais pode ser cobrado. “Meu objetivo é resgatar a arte ancestral do benzimento a curto prazo. A longo prazo, que a tradição familiar seja retomada”, diz. Ela já capacitou 1,6 mil benzedeiros.

Uma dessas benzedeiras da nova geração é a jornalista e terapeuta de hipnose clínica Isabela Barros, de 42 anos. Quando ela deparou com o anúncio, no Facebook, de um curso de formação, reavivou as memórias da avó paterna que vivia em Arapiraca, no interior das Alagoas, e benzia os netos e as pessoas próximas. “Nem entendia o que ela falava, mas me sentia protegida”, recorda.

Após o curso, realizado no fim do ano passado, Isabela diz que encontrou um lado seu “muito bonito, forte, que nem sabia que existia”. “O benzimento é livre. No meu jeito de benzer eu chamo muito santo, essa é a coisa mais católica que eu tenho. Tenho um altarzinho aqui em casa, cheio de santo.” Ela benze diariamente os filhos, Joaquim e Maria Teresa, respectivamente com 6 e 3 anos, e quem mais pedir. Nos planos para o ano que vem está ampliar esse círculo.

“Quero participar dos mutirões de benzimento, a distância e presenciais.” Pioneira desse movimento de reinvenção do benzimento, a bióloga e terapeuta holística Jacqueline Naylah, de 37 anos, teve o estalo com a morte da avó, há oito anos. “Eu me perguntei naquele momento onde estavam as benzedeiras. Esse foi Estalo. Bênção online : “Deus entende nossas necessidades. Se a benzedeira não consegue chegar, eu estou no Facebook, no Instagram. Minha avó recebia em casa, eu posso atender de forma remota.”

Jacqueline Naylah BIÓLOGA E BENZEDEIRA a última mulher que benzeu? Quem iria perpetuar o legado de minha avó?” Naylah começou a pesquisar e, aos poucos, a reproduzir o que a avó fazia. “Comecei a anotar as lembranças dela benzendo, das benzedeiras que vi na infância, o benzimento tem um rito em comum em todas.” Ela publicou Diário de Uma Benzedeira e Eu Te Benzo: O Legado de Minhas Ancestrais. “Muitos dizem que sou a benzedeira da nova era, conectada com as redes sociais”, acrescenta. “Deus entende nossas necessidades.

Se a benzedeira não consegue chegar, eu estou no Facebook, no Instagram. Minha avó recebia em casa, eu posso atender de forma remota.” Coordenador do curso de História no Mackenzie, o teólogo e historiador Sérgio Ribeiro Santos pondera que o sincretismo religioso está na origem da cultura do benzimento.

“O catolicismo chegou aqui com os jesuítas e encontrou-se com a herança indígena, o pajé e os curandeiros. Depois vieram os escravos com suas religiosidades africanas. Tudo isso criou um catolicismo popular em que o benzimento está presente”, explica. Para ele, o risco de extinção dos benzedores populares pode ser explicado por fatores como a urbanização, a racionalização da religiosidade e o acesso maior à Medicina.

A convivência da Igreja Católica com essa tradição costuma ser amistosa. “A rigor, a Igreja não condena os benzimentos. De certa forma até incentiva, como uma forma de oração de uma pessoa para outra”, analisa o vaticanista Filipe Domingues, doutor pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. “O que a Igreja não reconhece é a validade sacramental dessas bênçãos.”

As “bênçãos de leigos” não significam que a pessoa esteja abençoando, mas sim “pedindo a bênção de Deus”. O sociólogo e biólogo Francisco Borba Neto, do Núcleo Fé e Cultura da PUC de São Paulo, ressalta que o gesto da bênção “é uma prática comum no catolicismo”.

O problema “é a pretensão de uma ação ‘mágica’ da bênção”. E, diferentemente de ritos afros e indígenas, a Igreja não admite o entorpecimento dos sentidos por parte de quem abençoa – com bebidas alcoólicas ou alucinógenos.

Para a benzedeira Jacqueline Naylah, seus gestos são ecumênicos. “Sou de todas as religiões e ao mesmo tempo de nenhuma delas”, define. “Esta é uma visão muito presente na cultura do benzimento: a maior parte das benzedeiras antigas tinha um altarzinho com Menino Jesus, Oxum, Buda, Jesus Cristo… Lá em cima todos se entendem.”

 

Fonte: O Estado de S. Paulo18 de outubro de 2020 Edson Veiga DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO

 

 


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