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A Simbologia sob o incêndio do Museu Nacional

A Simbologia sob o incêndio do Museu Nacional
Denize Terezinha Teis
set. 10 - 6 min de leitura
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Eu costumo dizer que um dos melhores conhecimentos a que eu pude ter acesso foi o das constelações sistêmicas. Esse conhecimento equivale a usar uns óculos com uma lente nova para poder olhar para a vida e para o mundo de uma forma menos ingênua e com mais amor.

Quando ocorreu o incêndio no Museu Nacional, que fica no Rio de Janeiro, no dia 02 de setembro de 2018, refleti sobre o que esse evento poderia querer “dizer” para os brasileiros, sob as lentes das constelações sistêmicas. Em poucas horas, o fogo consumiu registros sagrados da nossa história.

Pensei no sentido metafórico do acontecimento e concluí que a queima do Museu se constituiu em um verdadeiro retrato do momento político e social que vivemos no momento. Além da acentuada rivalidade entre grupos políticos visivelmente identificados, sobretudo, nas redes sociais, hoje vivemos um momento de negação de nossa história: há quem duvide que os índios foram explorados e exterminados como constam nos livros e que seu trágico destino deve-se muito mais a sua “indolência”; há quem acredite que a escravização africana decorreu da cumplicidade dos próprios escravizados e que, por isso, não podemos ser responsáveis, enquanto nação, pelo abandono (com visíveis reflexos atuais) a que os negros foram submetidos após a abolição; há até mesmo quem acredite que o preconceito contra determinados grupos sociais não passa de vitimismo... Assim como a queima do Museu, percebo a insistência pela destruição de fatos reais e dolorosos da nossa história.

Enquanto eu refletia sobre isso, tive acesso a um texto escrito por Mariana Oliveira. Ela analisa o incêndio do Museu a partir da perspectiva da “síndrome de aniversário” que consiste em fazer coincidir na mesma data acontecimentos como mortes, doenças, acidentes, nascimentos ou outros eventos significativos. No texto, Mariana afirma que há 196 anos, na mesma data do incêndio do Museu, ou seja, no dia 2 setembro de 1822, Maria Leopoldina, esposa de Pedro I, assinava o decreto da Independência do Brasil. O momento histórico vivido pelo Brasil, na época, era conflituoso, com tensões internas, revoluções, com um Brasil próximo a uma guerra civil. Hoje, nessa data, e em 2018, vivemos um clima social e político semelhante ao de 1822.

A síndrome do aniversário traz a tona questões que precisam ser olhadas. O incêndio apagou vários registros históricos que serão dificilmente ou nunca recuperados. De modo semelhante, o inconsciente familiar, em uma terapia genealógica, é difícil de acessar... e tudo o que está oculto é perpetuado porque não pode ser olhado, elaborado.

Mariana, ao desenvolver suas reflexões, pergunta se temos orgulho de nossa história ou carregamos os estigmas de “povo preguiçoso e fracassado”. Quando se tem vergonha de sua história ou de seu país, não se quer olhar para eles. O desprezo pela nossa história nos fará repetir os erros e perpetuar a ignorância. E não é exatamente isso que percebemos quando pessoas, mesmo submetidas à escolarização negam a história do índio, do negro e dos grupos minoritários (ou majoritários) no Brasil?

Mariana Oliveira provoca: “Será que se conhecêssemos melhor a nossa história não ressignificaríamos esse estigma? Será que é esse nosso medo? Será que nosso medo é de perder essa identidade de povo malandro, ignorante, passivo, fracassado, preguiçoso e covarde? Se não formos isso seremos o que?” Nos estudos sobre identidade isso é explicado. Temos medo de perder nossa identidade e nos agarramos a ela sem muitas vezes nos darmos conta disso, pois por mais negativa que seja, somos definidos por ela e a partir dela nos identificamos com os nossos pares. Nas constelações chamamos isso de “boa consciência”.

Eu vivi uma experiência cultural que me permitiu entender o quão forte é uma identidade cultural... Morei na Bahia por um ano e essa foi a época da minha vida em que mais tomei chimarrão. Tomava chimarrão desesperadamente com a única marca de erva mate que tinha na cidade e que nem boa era. Era estranho porque tomar o chimarrão significa provar para mim e para os demais que eu não pertencia àquele grupo, que eu era do sul. O chimarrão era o símbolo que identificada o meu lugar cultural.

Mas voltando à nossa discussão, para que nossa dor seja curada, precisamos encarar a nossa história, por mais dolorosa que seja. Enxergá-la de frente e, num processo simbiótico, consumi-la e nos deixarmos ser consumidos por ela. A ferida precisa ser curada...

Uma dor precisa ser enxergada para que a vida flua. Como fazer isso, na atualidade? Podemos construir novos museus para que lembremos a nossa história. Na Alemanha, por exemplo, há diferentes museus que os lembram dos horrores do holocausto. Podemos, no Brasil, construirmos museus que nos recordem da dizimação dos índios, da escravização africana, dos horrores da ditadura militar. Esses três episódios são dolorosos e ao lado de outros se constituem na base do nosso presente. Enquanto não olharmos para nossa história, corremos o risco de repetir os fatos trágicos do passado: a negação do direito indígena à terra e a sua dignidade, o aumento do preconceito contra o negro, pedidos de retorno da ditadura militar.

Por isso, concordo com Mariana Oliveira “Acontece que mesmo que essa ferida seja muito doída para ser olhada, a solução "NÃO É APAGAR A HISTÓRIA E SIM RESSIGNIFICÁ-LA”. Espero que possamos, como nação, ressignificar a nossa história e tomá-la como foi, do mesmo modo que fazemos isso com os nossos pais, durante os movimentos sistêmicos. Não existe futuro se não estivermos disponíveis para o nosso passado.


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