"Estou pensando em adotar. Confidencia a moça, já mulher".
Então, diz cheia de agonia no olhar: Tenho medo! Será que dou conta?
Logo lembrei: Filhos devem causar brilho nos olhos. Medo nos olhos deve ser outra coisa.
Perguntei sobre sua vida: Pertence a uma família de muitos irmãos, mas sempre sentiu-se muito só.
Queria tanto um marido, um cachorro, um papagaio, um carro, viajar e ter um filho. Nesta ordem.
O cachorro morreu faz um tempo, ficou com medo de ter outro e sofrer muito.
O papagaio nunca veio porque descobriu que o bicho não respeita muito o óleo de peroba na movelaria linda da casa.
O carro? Prefere uber, é mais em conta.
Viajou? Bem que gostaria, mas o trabalho a consome.
O marido achou uma sem graça e caiu fora. Tinham terminado de quitar o apartamento bonitinho, lindinho que compraram. Três quartos. Pequeno, mas três quartos.
Agora quer ter o filho. Entendi. Pensei... e ainda estou pensando.
Havia um conto que minha avó dizia: "No pouco se revela o muito".
Neste caso, aqui se revela muito.
Ainda bem que chamaram o seu vôo. Fui salva pelo tempo.
Alguém que ainda não é filho, não pode ser pai. Essa é a ordem."
Olinda Guedes
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