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AH!... ME CURA DE SER GRANDE!

AH!... ME CURA DE SER GRANDE!
OLINDA GUEDES
set. 27 - 9 min de leitura
020

AH!... ME CURA DE SER GRANDE!

 

Olinda R. P. Guedes

Engana-se quem diz:

- A infância é um período maravilhoso da vida.

- Ah!...  Quem dera voltar a ser criança!

- Oh, que gracinha!

Inocente... nem sabe o quão difícil é a vida.

Uma criança sofre. Naturalmente a infância é um tempo difícil.

Nos primeiros tempos, ainda em vida intrauterina, simplesmente é surpreendida com sons terríveis. Elas se espantam, se encolhem.

Se o susto é muito grande, as perninhas se encolhem e se fecham… Então a tristeza dos pais: não sabem se o quarto será rosa ou azul.  Nem nasceu e já está ameaçada de separação - um quartinho lindo e enfeitado a espera!

O tempo de vida intrauterina é perturbado pelas ideias de um capitalismo predatório, que vitimiza os pais.  Eles, querendo dar o melhor, não hesitam: novamente aqueles sons terríveis para sacudir a criança.

- Não, digo, apenas uma ultrassonografia para saber preparar o enxoval direitinho. Também para poder chamar de um nome...

Lá se vai a inocência: menino, a avó materna queria tanto! A mãe, aborrecida com as intervenções, já avisou: visitas só após os 15 dias.  Ela queria tanto uma menininha!... Secretamente, já enfeitava de lacinhos nos cabelos e tinha sapatilhas para o balé. Não tem dúvidas: não nasceu para ter empatia com a própria mãe.

 

O pai? Ah... ele está tão ocupado com o trabalho, a carreira que vai muito bem, obrigado, por nada! Não pode perder nenhuma oportunidade.

- Vai ter um filho?

- Sim.

- E vai se ausentar exatamente na época da negociação. 

- Não, não!...

- Estou falando de você, cara!  Parabéns!!

- Óh! Hmmm... hmm... obrigado! 

- De nada.

 

De qual criança a vida é fácil?

Entendo. Com você nada disso aconteceu. Teve um pré-natal diferente, tudo mais bacana, não pesquisou se era menino ou menina. Amou seu filho simplesmente como pessoa, como ser humano, aproveitou esse tempo único da vida que se pode ser simplesmente pessoa, sem outros rótulos sociais. Ultrassonografia? Só aquela sofisticada, para saber se era perfeito, se estava tudo bem com o bebê.

Entendo!...

Por que fazer você já sabe. Por que não fazer, vou mencionar uma aliada: Drª. Sarah Buckley, médica australiana, referência mundial em gravidez, parto, família e criação, é uma delas. Autora do livro Gentle Birth, Gentle Mothering (Nascimento Suave, Maternidade Gentil), a obstetra diz que quando engravidou, pesquisou muito sobre as necessidades e possíveis efeitos do ultrassom gestacional e não se convenceu de realizá-los. “Nada do que eu tenha lido me fez mudar de ideia”, defende Sarah, que teve quatro filhos e nenhum acompanhamento ultrassonográfico.

Bem, sigamos na direção da busca da tal infância incrível.

Nascimento: puxa, estica, lava, separa. Tanta pressa. Cordão umbilical pulsando, corte rápido, clampear. Assim, vai... Mamãe ansiosa, ambiente estranho. Cadê o lar?

Estava tão abrigado no útero. Apertadinho, seguro. Agora, de um jeito muito profissional é tomado. Pega de cá, vira de lá. Limpa, veste, enrola. Ai, que dor!  

Não!... Isso é mito. A criança é toda flexível.

Nasceu?

Cólicas, muito calor, muito frio, qual roupa, qual fralda. Vacinas! Febre, mal estar.

Cresceu?

Outro quarto, mama sozinho, não pode se sujar, mexer nas coisas, precisa aprender a se virar, disciplina, rigor.

Escolarização?

Vontade de brincar, correr, cantar e pular. O professor? Não! Ele já cresceu. Quer saber de muito movimento, não. Senta, escreve, raciocina... Senta, menino! Já falei: hora de brincar é depois!

A medicina é presente na infância, mais que tudo. Nós, pais, queremos proporcionar o melhor aos nossos filhos. Lá se vai: criança encaminhada para atendimento psicopedagógico, neurológico, psiquiátrico, psicológico...

Por quê? É feliz, se movimenta bastante, energia vital ótima. Prefere pular, correr a ficar sentada feito um adulto sedentário.

Mas se a criança não sentar agora, ela nunca mais será dominada. Não conseguirá ficar 12 horas concentrada diante de uma máquina.

Então a escola encaminhou com uma hipótese: hiperativa.

Voltou com um medicamento.

O ambiente? Ah, não importa. Queremos proporcionar tudo para elas. Somos bacanas. Cada uma tem seu computador, seu quarto, suas coisas.

Mas elas querem se misturar, querem ficar juntinhas. Faz parte da natureza dos mamíferos andar em bando, gostar de viver junto.  Desde aos cavalos, gatos, cachorros, baleias.

Mas nós não somos eles!

Oh… desculpa! Entendi!...

Estou farta de ver adultos desqualificando a lida, a vida desafiante que as crianças têm. Um tanto porque não é fácil ser criança, não.  Ter um corpo crescendo a cada dia, mudanças precisam de amparo, compreensão e empatia. Outro tanto, porque nós, adultos, criamos contextos adversos e mesmo assim subestimamos os sentimentos, necessidades, enfim, a realidade delas.

Quem considera que tudo do melhor para nossos filhos são coisas, está bem enganado. Crianças desejam explorar o mundo, conhecer o mundo, construir suas coisas, descobrir, inventar.  Tudo pronto é uma violação desta necessidade criativa.

Nossos filhos precisam sim, de tempo, de dedicação, de interação.

Eu poderia falar em escuta ativa, amor exigente, criação com apego, mas prefiro mesmo é perguntar a você:

- Se voltasse a ser criança, de que precisaria, de verdade?

Um pouco de empatia e boa vontade fará de você melhor pai, melhor mãe. Fará de cada um de nós, pais e mães suficientes. É disso que nossos filhos precisam.

Quando uma criança percebe o ambiente seguro e a compreensão para com tudo aquilo que traz consigo, então ela pode, naturalmente, aprender.

Quando estamos junto de uma criança, não estamos apenas diante de uma pessoa com poucos aniversários, estamos com alguém cuja vida futura depende, em grande parte, de nossa relação com ela.

Generosidade e compaixão se aprendem pelo exercício prático da atenção e do cuidado. Atender significa dedicar atenção cuidadosa.

 

A criança, por exemplo, se agita, ou fica nervosa, chora, aparentemente sem explicação. Todavia, ela pode estar sentindo, percebendo algo que não vai bem, talvez com seu pai, sua mãe, ou um irmão.

Adoecemos não somente por causas orgânicas, mas também devido às emoções. Ambientes conflituosos, agressivos, adoecem.

“Querida criança, eu confio que você será cuidadosa e prudente. Confio também que você sempre vai fazer escolhas seguras! Eu confio nisso.” Crianças que convivem com boas palavras, num ambiente onde a comunicação flui, crescem com recursos para ser pacíficas e assertivas em todos os contextos.

Muitos bloqueios emocionais se dissipam perante uma linguagem assertiva. A palavra cura, recupera a paz, a auto estima, a autoconfiança.

Janusz Korczak , no livro “Como amar uma criança”,  escrito entre 1914 e 1915, pág. 67,  diz:

“Não basta amá-las, é preciso respeitá-las, compreendê-las a partir do seu referencial e não em nome de um futuro hipotético que elas não compreendem ainda.” E prossegue: "Faço um apelo à magna charta libertatis, ou seja, a carta magna dos direitos da criança:

1. O direito da criança de viver sua vida de hoje;

2. O direito da criança a ser o que ela é;

3. O direito de expressar suas ideias;

4. O respeito pela ignorância;

5. O respeito pela busca do saber;

6. O respeito pelas lágrimas;

7. O respeito pelo transtorno do crescimento. ”

 

Eu escreveria um livro inteiro sobre isso. Por ora, encerro este capítulo e desejo que, finalmente, você, adulto que me lê, possa sim, ter uma infância feliz, com empatia, reconhecimento, validação, compaixão, companheirismo e criatividade.

Só assim poderemos ser aliados, para que nossos filhos tenham também, desde cedo, a vida mais feliz possível.

 

"Meu Deus, me dê cinco anos.
Me dá a mão, me cura de ser grande!"

Adélia Prado

 

 

Proibida a reprodução total ou parcial sem mencionar autoria e fonte.


[1] Bacharel em Psicologia, Especialista em Análise Transacional, Florais de Bach, Renascimento, Programação Neurolinguística e Constelações Sistêmicas Familiares. Educadora, escritora, terapeuta de vanguarda, palestrante. Primeira autora brasileira sobre Constelações Sistêmicas, com os livros: “O que traz quem levamos para a escola? Reflexões sobre a Pedagogia Sistêmica” (2012), e “Além do Aparente – um livro sobre Constelações Familiares” (2015). Inspiradas no pensamento sistêmico, suas obras contribuem para a educação, gestão, liderança e desenvolvimento humano. Conduz, no Instituto Anauê-Teiño, a Escola de Saberes Úteis: uma iniciativa cujo objetivo é trocar saberes das diversas ciências com o propósito de uma vida mais feliz, próspera e saudável.

 


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