Era uma noite muito fria, e não sei se todo mundo sabe, mas quando é inverno nas regiões comumente quentes, as pessoas não costumam investir em agasalhos para usar tão poucas vezes. Em minha família com seis filhos e mais agregados, meus pais não pensavam diferente. Quando a noite era muito fria, a maneira mais fácil de esquentar era juntar todos ou a grande maioria, na mesma cama. E assim, papai e mamãe acolhiam as crianças menores na cama com eles, para aproveitar melhor as poucas cobertas.
E foi numa dessas noites, que acordei e ouvi a conversa entre os meus pais, quando eles recordavam o início do relacionamento, dos tempos de namoro, dos desafios que enfrentaram para permanecerem juntos, chegar ao casamento e depois mudar de uma cidade para outra, enfrentando três dias de “pau de arara”, numa viagem sofrida para quem levava três crianças pequenas.
No dia seguinte, achei uma maneira sutil de contar para a mamãe que eu havia ouvido a conversa, perguntando a ela o porquê ela não havia se casado com o outro pretendente, que segundo ela, era um “negão muito rico”, e em vez disso optou pelo papai, que era um rapaz pobre. Ela me olhou sorrindo e só disse que não gostaria que eu nascesse uma “negrinha”.
Naquela noite, pude compreender do alto dos meus seis ou sete anos, um infinito de causas e motivos que mantém um relacionamento conjugal.
Ali nascia um “projeto de terapeuta”, pois percebi, pela primeira vez, que eu era capaz de ouvir, compreender e sentir o que o outro sentia enquanto falava.
Em algum momento da adolescência me vi “orientando” uma colega sobre menstruação, pois a mãe dela ainda não havia falado com ela sobre o assunto. E pela juventude afora as conversas entre amigas e amigos eram constantes, e chamava a atenção o fato de que a maioria desses amigos tinham mais idade que eu, algumas inclusive eram casadas e/ou já tinham filhos.
Na hora da opção profissional, nunca tive dúvida, desde os cinco anos de idade eu sabia que a minha vida tinha dois caminhos que se entrecruzavam tornando-se uma ampla estrada. Eu sempre soube que eu nasci para ser professora e irmã (Religiosa Consagrada). E nessa caminhada, atendi, ouvi, aconselhei muitas crianças, adolescentes, jovens e adultos. De maneira muito especial, mulheres casadas com algum tipo de sofrimento no casamento.
Quando me fizeram diretora de escola, a minha sala foi apelidada de “purgatório” pelos professores e funcionários, como uma referência às longas conversas que ali aconteciam com os diversos seguimentos da escola, principalmente quando alguém chegava, pela primeira vez, para juntar-se ao grupo.
Mesmo assim, nunca pensei em cursar psicologia, pois até então acreditava que esse era o único caminho para a terapia. Por isso nunca havia pensado em ser terapeuta. Até que conheci as Constelações Familiares que depois aprendi a chamar de constelações sistêmicas e mais tarde, incluí-la no bojo de outras ferramentas terapêuticas que ouvi Olinda Guedes chamar de intervenções sensoriais e passei a estudar o que a já citada autora chama de “saberes sistêmicos”.
A partir daí, descortina-se um mundo de conhecimentos completamente novo para alguém com quase sessenta anos de idade. Sentia que precisava correr contra o tempo, havia muito a aprender, queria conhecer a Pedagogia Sistêmica, as diversas formas da constelação, desde a familiar, a organizacional, as realizadas em grupo, individual e até online. As trabalhadas com pessoas, com bonecos, com cavalos, e até na água. Tudo isso foi me encantando de uma tal forma, que o guarda-roupa foi transformado em estante abarrotadas de livros que nem sempre consegui ler, e o celular não tinha mais a função primordial de falar, mas sim de ver e ouvir aquela que chegou a ser chamada pela minha sobrinha de “a mulher de sempre”, para referir-se ao quanto eu seguia a “mestra”.
Com ela aprendi as primeiras noções sobre Programação Neurolinguística, Constelação com bonecos, Constelação na água, Massagem Reparentalizadora Sistêmica, técnicas de Renascimento e ainda retomei o valor terapêutico de duas práticas que eu já conhecia em outras circunstâncias, a Meditação e a Escuta Amorosa.
É verdade que tudo isso aconteceu muito rápido, e admito isso e, reverencio com muita honra os consteladores e demais terapeutas que vem trabalhando profissionalmente há muitos anos. Mas a vida foi me levando por esses caminhos de tal forma que eu só tive certeza que é isso que quero fazer enquanto eu viver neste planeta, quando ao viajar para o curso de Massagem Reparentalizadora, em Curitiba, deixei uma agenda com dez clientes na lista de espera. Eu nem sabia direito o que e como seria isso, mas as pessoas já sabiam que, de alguma forma, seriam beneficiadas. Quando voltei, a lista tinha crescido para dezessete. E eu amei todos eles, com o coração, com a alma e com as mãos.
Depois disso veio a mentoria “terapeutas de sucesso”, numa bela parceria entre Olinda Guedes e Jonas Kass, e com ele os desafios de gravar vídeos, criar grupos e expor o trabalho no mundo digital. O meu primeiro grupo “quero saber mais” com a finalidade de divulgar os saberes sistêmicos, deu origem ao segundo grupo, o chamado “Oficina de Emagrecimento”, de onde vem algumas clientes ou para onde as clientes vão depois dos primeiros atendimentos. O meu terceiro grupo nasceu, como eu, num parto difícil, com muita resistência, pois trata-se do chamado “TDR polo Campo Grande”, que tem como objetivo proporcionar informações acerca das lives, realizadas por Olinda Guedes, sobre relacionamento conjugal. Ali somos uma comunidade para estudarmos a questão do relacionamento, do ponto de vista sistêmico.
Neste momento em que vou conciliando, durante o dia, os trabalhos de gestora de uma escola pública e à noite os atendimentos terapêuticos, vou aprendendo que “quando a vida não vai para adiante, então, vá para trás. É lá que estão o êxito, a alegria, a saúde”. (Guedes, Olinda 2015. P.194). E vou percebendo que é a busca dessa tríade, êxito, alegria e saúde, que levam as pessoas aos terapeutas, e para facilitar o meu aprendizado e quem sabe auxiliar o aprendizado de outros, passo a registrar aqui, com todo respeito, anonimato, honra e reverência a história de cada atendimento.
Os próximos textos estão sendo gerados, aguardem.