Querido Carlos Gonzalez,
Eu já era sua fã, mas depois que li seu livro, Besame Mucho, estou na fila para pegar minha carteirinha.
Um livro delicioso de ler, que trata de um assunto tão delicado. Uma verdadeira obra prima.
Eu ri, chorei, indaguei, morri de raiva e fiz muitas reflexōes.
Eu fui uma dessas crianças que foram criadas igual mandava o figurino, ou melhor, mandava o livro. Na época esse tipo de criação era chique, e nascida em berço de ouro, como dizem, eu segui a risca.
O dinheiro não faltava, mas o amor passava longe. Não posso ser tão injusta assim, eu fui muito amada pelas minhas babás que babavam muito em mim. Eu era uma criança perfeita para ser um bebê Johnson com lindos olhos azuis e cabelos ruivos, mas esse beleza não amoleceu o coração dos meus pais.
Sim, eu chorei várias vezes sem poder ter algum ser humano por perto. Eu dormia sozinha no meu quarto decorado pelos melhores decoradores.
Eu tinha roupas importadas e tomava os leites mais caros da Nestlé. Claro que não fui amamentada, nem pude aproveitar a cama dos meus pais, é provável que eu nunca tenha ido ao quarto deles.
Eu passei meu primeiro ano de vida dentro de casa, nem as festas eu ia. Minha primeira festa foi de fato, a minha festa de um ano, onde eu fui presenteada com um gole de coca cola, porque era chique.
Meus avós e meus tios, doidos para me curtirem por ser a primeira neta e sobrinha, não podiam. Como assim bagunçar uma rotina a altura de Hitler? Tudo tinha horário e tudo era organizado, aí de quem tentasse me dar um beijo entre a mamadeira e o banho.
Tanta organização e hoje eu sou totalmente desorganizada na minha bagunça. Detesto rotina e tenho a maior dificuldade de fazer a mesma coisa todos os dias, mesmo que fora da rotina.
Claro, tenho rotina, mas é a mais tranquila possível. Meus filhos tem liberdade dentro de um sistema. Eu os abraço e beijo o tempo todo, fiz cama compartilhada até eles me deixarem, porque sim, foram eles que decidiram ter o próprio quarto e montamos com muito amor!
Ao ler o livro eu pude, mais uma vez, de uma outra forma, entender um pouco mais de quem sou eu e porque sou quem sou. Eu tinha reações, na verdade ainda tenho algumas, que são diretamente relacionadas com meu primeiro ano de vida.
Por muito tempo tive dificuldade de intimidade com pessoas, dificuldade de acreditar em mim e te pedir aquilo que eu queria. Para que? Não vou ganhar mesmo e além do mais, ninguém tem obrigação de fazer nada por mim.
Pois eu descobrir que posso ter intimidade, que eu acredito em mim e que as pessoas podem e devem fazer algo por mim, quando eu peço e também quando elas querem. E eu aceito.
O tal engole o choro, me respeita, pára com pirraça, foram frases que escutei várias vezes por muitos anos. Eu não podia chorar e se eu tentasse explicar, usando palavras ao invés de lágrimas, era falta de respeito.
O jeito era realmente calar e aceitar. Então eu cresci aceitando o mundo como era, aceitando o que me restava e aceitando que tinha que aceitar toda e qualquer migalha que chegasse no meu caminho.
Importante explicar que nunca fui vitima ou me achei a coitadinha. Era uma forma de me portar diante o mundo e não uma forma de ser.
Quando eu criei a coragem para me olhar, sim, tem que ter muita coragem, afinal isso nunca foi me permitido, eu passei a me aceitar.
Nesse processo eu aceitei também aqueles que me criaram assim, porque mesmo com todos esses erros grotescos, eles me fizeram quem eu sou hoje, e hoje eu me amo, assim do jeitinho que sou, como a pessoa que me tornei.
Isso foi tão poderoso para mim que meus filhos tem uma mãe totalmente diferente da mãe que eu tive.
Meus filhos podem falar dos sentimentos, eles podem e devem chorar, porque o choro deles é uma oportunidade de crescimento deles e meu.
Meus filhos tem liberdade de escolha, mesmo que controlada de certa forma. Meus filhos tem vez comigo, podem pedir comida que querem comer e as que não querem.
Podem pedir lápis, livro ou qualquer outra coisa quando vamos a alguma loja. Se eu puder e o dinheiro der, eu dou. Eles são importantes, eles tem importância. Eu esto com eles e sou por eles.
Estou longe de ser uma mãe perfeita, mas descobri que sou a mãe perfeita para meus filhos e somente eles. Com eles, vou me curando, me aceitando e assim curando eles.
Nada disso aconteceu naturalmente ou foi um passe de mágica. Foi trabalho duro, difícil, foi praticamente um ato de coragem.
Claro que eles terão outros traumas e meu objetivo não é elimina-los mas sim mostrar a eles que podemos acolher todos. Que eles serão inteiros com os pontos positivos e os negativos e que tudo bem.
Dr Carlos, muito da mãe que sou hoje devo a você que como um anjo me salvou de mim mesma e me permitiu ser a mãe instintiva que eu queria ser.
Não sei porque não tinha lido esse seu livro ainda, talvez assim quis o Universo, porque lê-lo agora teve um peso todo especial e tocou mais fundo do que imaginava.
O Universo me trouxe a Olinda e ela me trouxe a você novamente. Só tenho a agradecer. Como pode melhorar?
Um grande abraço de uma fã incondicional,
Bianca Portela