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CARTA AOS ANTEPASSADOS

CARTA AOS ANTEPASSADOS
Thaís Angelica Castanho
fev. 1 - 6 min de leitura
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Demorei para começar a escrever esta carta, confesso que sempre que pensava em começar e automaticamente sentia vontade de fazer outra coisa e procrastinava, criando desculpas, sensação de sobrecarga e estresse.

O que escrever sobre meus antepassados?

Esta tarefa me parecia estranha e dolorosa e ao mesmo tempo que procrastinava, sentia-me culpada em não fazer, ou seja, queria escrever logo e parar de pensar.

Começarei fazendo uma reflexão sobre como os meus antepassados viveram e construíram suas vidas, suas crenças, comportamento social e como eram suas relações, como ganhavam seu sustento, como vivenciavam e viam a política, como era definido o papel do homem e o da mulher, como educavam as crianças, enfim quais os tipos de vida que tinham e experimentaram com seus desejos, suas emoções, traumas e decisões.

Percebi como a vida de meus antepassados foi difícil. Guerras, escravidão, abusos sexuais, pobreza, crianças criadas como adultos mirins, abusos psicológicos, morais, patrimoniais e abusos físicos.

Fui puxando o fio e comecei a lembrar de cada um dos meus antepassados, das estórias contadas por meus avós, dos quais morro de saudade.

Resolvi, de forma cronológica, organizar meus antepassados e descrever como cada um passou pela minha vida.

Darei início pelos meus avós paternos. Santino ficou órfão de mãe aos sete anos, sendo criado pelos parentes. Quando jovem, serviu ao exército e contava que era muito namorador e gostava de uma mulata. Frequentava bailes e tinha muitas histórias engraçadas disso. Casou com minha avó por medo de morrer na guerra, fato este interpretado por uma cartomante da época.

Meu avô casou-se e teve dois filhos. Como pai era uma pessoa com crenças muito enraizadas em sua cultura, tornando-se muito severo com os namorados da minha tia, que até hoje permanece solteira. Não tenho lembranças de seu comportamento como marido, porém lembro muito como avô.

Me ensinava várias brincadeiras, assistíamos televisão juntos. Tenho mais lembranças felizes com meu avô do que com meu pai. Isso foi percebido pelo meu marido, quando eu relatava minhas brincadeiras de criança.

Minha vozinha Geny, a qual não tive a oportunidade de me despedir, morreu aos 97 anos devido ao Alzheimer. Ela sempre dizia: “A gente nunca é feliz por completo, a vida dá uma coisa e tira outra", ou "dinheiro só com muito trabalho". Parecia uma pessoa conformada com a vida. Sempre foi carinhosa, uma vó que deixou saudade.

Meu avô materno conviveu pouco comigo, meu pai não era muito simpático com a família da minha mãe. As visitas eram breves e pouco constantes. Segredo de família não compartilhado com as crianças. Quando criança eu tinha um pouco de medo do meu avô, alimentado pela minha tia, irmã do meu pai.

Quando adulta o conheci melhor e ficamos muito amigos. Ele dizia que eu era a neta preferida, para tristeza dos meus primos. Meu avô era descendente de africano, minha tataravó foi escrava e por ser muito bonita casou com o dono da casa, deixando muitas terras para seus descendentes. Porém, as terras foram trocadas por bebida, deixando a família sem nada. Minha avó sempre lembrava desta história, com tristeza.

Minha avó materna era descendente de poloneses, a mãe dela veio escondida em uma mala, fugindo da guerra. Meu biso também era polonês. Contam os mais velhos que meu biso era dotado de grande inteligência e falava várias línguas, porém não teve oportunidade de frequentar a escola, aprendendo quase tudo sozinho. Infelizmente não tive a oportunidade de conhece-lo, morreu antes do meu nascimento.

Meu pai era uma pessoa muito inteligente no aspecto cognitivo, também muito trabalhador, porém no aspecto emocional era de difícil convivência, machista, conservador, controlador, centralizador, autoritário. Meu pai não enxergava uma criança com pensamento de criança. Para ele, educar era fazer que a obediência viesse em primeiro lugar. Falas do meu pai: "Criança tem que obedecer os adultos", "criança não tem vontade", "criança é bonitinha enquanto é criança, depois vira cavalão".

Tive uma mãe submissa ao marido e quando morava com meus pais morria de medo dele. Sou a primeira filha e a única mulher, tenho mais dois irmãos, um com um ano e meio de diferença e outro com sete anos a menos que eu. Minha mãe era mais flexível do que meu pai, porém por ser uma pessoa insegura em muitas situações, não tomava partido. Como quando na sua separação com meu pai, deixou que os filhos levassem a culpa pela separação, deixando para os filhos a culpa dos problemas domésticos com meu pai.

Acredito que suas crenças sobre família eram tão tradicionais que realmente ela pensava que tínhamos culpa mesmo, e que meu pai tinha razão.

Hoje, entendo o quanto a cultura que estamos inseridos influência o comportamento das pessoas, seja em que tempo for. O comportamento vai melhorando de geração em geração, mas deixa sequelas profundas em seus ancestrais. Meus antepassados agiam de acordo com que achavam moralmente certo para cada época, tentando pertencer ao seu momento, buscando a melhor maneira de agir.

Queridos antepassados, fazendo esta reflexão percebo que tenho muito a agradecer.

Vocês buscaram viver da melhor forma que podiam dentro do entendimento de cada um em sua época, dando me a oportunidade de trocar de paradigma e evoluir em meu pensamento. Hoje, quando olho para trás e lembro das histórias, compreendo o comportamento que cada um teve, baseado em seu conhecimento, na política, na moral, e conceitos que cada um aprendeu durante sua existência.

Agradeço e admiro os senhores e senhoras por tudo o que passaram.


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