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Carta aos antepassados:

Carta aos antepassados:
Silvia Gomes Costa
ago. 25 - 10 min de leitura
010

Meu nome é Silvia, filha de José e Julia, sou a sexta de dez irmãos.

Queridos antepassados, venho hoje agradecer a oportunidade que me deram, da existência. Começando por meus pais, meu querido pai que não se encontra mais nesse plano há 17 anos. Parece que foi ontem que recebemos a notícia de sua partida, com tanto medo da morte, se foi, sei que foi difícil essa passagem, mas com certeza tinha mérito para ser recebido por espíritos de luz que o conduziriam a um lugar propício ao  seu aperfeiçoamento.

Quero nesse momento pedir para que nos reconciliemos diante da vida, eu de um lado pedindo desculpas pelas vezes que não o compreendi, quanto à omissão de atitudes perante às situações com vizinhos que insistiam em jogar sujeira em nossa casa, o que me irritava muito e esperava uma atitude sua, que nunca houve, tomava sua frente e ia tentar solucionar da minha maneira, hoje vejo que tinha seus motivos para não fazê-los. Penso agora que também não tenha aprovado minhas atitudes, mas não falava nada, só observava. Uma outra coisa que me incomodava era que não tinha um emprego fixo, sendo autônomo, passávamos por privações, a casa com tantos filhos, pensei em mim, mas não sabia o que lhe angustiava, peço lhe perdão por não saber te compreender. Antes de chegar em casa passava nos bares, para que quem sabe se desligar dos problemas e conversar com amigos, tentando quem sabe chegar em casa após amortecedor as dores por meio da bebida. Faltou presença, faltou carinho, faltou atenção.  Hoje vejo me negando aquilo que posso me dar, e não o faço, então penso em como ia me dar o que nem eu me dou.

Peço-lhe perdão por esse meu coração engessado e incompreensivo.

Chegou a vez de minha mãe que está aqui conosco e que sofre com a perda progressiva da memória e que tantos traumas, sofrimentos guarda, está regredindo à fase infantil, a nós ficou a difícil incumbência de descobertas de suas necessidades, não recordar de quase nada nem de quem é, não é um privilégio, um dia de cada vez é o que estamos vivendo. Sua infância difícil no interior da Bahia, vendo seus irmãos morrendo, pedindo ajuda e você apenas uma criança, sofria por ver a morte tão de perto em plena infância. Os motivos eram muitos: falta de recursos financeiros, família numerosa.

Resolveu então vir para São Paulo tentar a vida aqui, com muito esforço e com boa acolhida, trabalhou de doméstica e assim foi dando novo rumo à sua vida. Logo conheceu seu namorado que seria seu marido, também vindo para São Paulo em busca de uma vida melhor, se uniram e construíram a grande família, tiveram dez filhos. A senhora sempre buscando  ajudar no  sustento  dos filhos, arrumava sempre algo para fazer, deixava os filhos mais velhos ainda pequenos nas mãos de Deus. Os intervalos de um filho para o outro variavam entre um a três anos, as duas irmãs mais velhas nasceram no mesmo ano, no intervalo de onze meses, uma em janeiro, outra em dezembro. Tudo isso era muito difícil para senhora que também a partir da segunda filha passou a ter ataques epiléticos. Lembro alguns momentos quando descobria que estava novamente grávida, chorava, ficava desesperada, pensava em abortar, tomar algo, não se pode precisar o que realmente pensava, mas isso era desesperador para nós filhos e filhas também, além de ser mais um, presenciávamos suas aflições.

Hoje talvez possamos compreender e tentar deduzir os compromissos que selamos antes de reencarnar e que quanto cada um é importante na vida do outro, sofremos com sofrimentos uns dos outros.

Imagino quanto foi penoso lidar com todas essas situações e mais, meus avós paternos que não a aceitavam na família. Não dá para mensurar todos esses conflitos com uma pessoa que teve a infância tão cheia de desafios. Com isso, não tinha tempo para nós, fomos criados uns cuidando dos outros, ainda como sexta filha tive a sorte de ser cuidada pelas minhas queridas irmãs que já trabalhavam e nos davam uma vida melhor.  Uma de minhas irmãs me disse a pouco tempo:  “A mãe não queria você, tudo bem que quando você nasceu, ela cuidou direitinho.” Aquilo machucou, mas pensei, e fiquei com a segunda parte da mensagem: “Tudo bem que quando você nasceu, ela cuidou direitinho.”

Sempre pensava dessa maneira: Como ia dar o que não teve? Mas agora ainda mais busco a compreensão disso tudo. Me lembro de uma boneca de plástico que comprou para mim em um natal que fomos ao centro de São Paulo, pedi tanto e você me deu, sou muito grata por isso, apesar de não ser uma criança muito zelosa com meus pertences, cuidei dela com carinho. Meus brinquedos de criança eram as bonequinhas de papel que lembro com muita saudade. Uma outra coisa que me recordo bem era a casa que cuidava quando você saía, quando você chegava queria que tivesse tudo no jeito, pois já havia tido um dia cansativo trabalhando nas casas de outras famílias. A vejo hoje como guerreira que és, apesar da debilidade, luta ainda para entender o que se passa ao seu redor. Peço que me perdoe se não fui uma filha que soubesse compreender suas angústias e saber que você deu o máximo que podia, o melhor de si. Agradeço ao sacrifício que fez para nos  criar com dignidade, austeridade e  fornecendo meios para que fôssemos pessoas dignas.

Muito obrigada MAMÃE!

Meus avós paternos: Francisco e avó Ana, não tive muito contato moravam no interior, partiram para o mundo espiritual quando eu ainda era criança. Mas me lembro quando vinham nos visitar, era difícil para minha mãe acolhê-los devido às precariedades financeiras, mas dava-se um jeito. Eu gostava quando vinham, meu avô, retrato do meu pai, sempre quieto, mas a avó Ana conversava bastante e eu deitava ao lado e ficava escutando as histórias que traziam nas malas, principalmente os causos de interior, adorava. Penso que trago alguns traumas dessa época e não gosto muito de receber pessoas em casa ainda hoje. Agradeço meus avós por terem nos proporcionado momentos felizes, sei que meu pai ficava muito feliz em recebê-los.

Meus avós maternos: Júlio e Felipa, meu avô filho de escravos, minha avó filha de índios. Não é preciso falar muito para saber quão sofrido foi a vida de todos, haja vista o passado histórico de escravidão. Vieram para São Paulo também, assim como toda família, a vida que viviam era muito restrita por conta da seca do nordeste, as plantações secavam, o gado morria, a opção foi buscar outro estado e como parte da família já estava por aqui, também vieram. Meu avô muito bravo, corria atrás dos namorados de minhas irmãs, eu não passei por isso, pois partiram para o mundo espiritual quando eu era criança ainda, meu avô foi primeiro logo depois foi minha avó. Minha avó muito lindinha com aqueles cabelos pretos e lisos que nunca ficaram brancos, sempre boazinha. Todas as cores verdes que via podia ser a mais escura, dizia que gostava muito daquela cor “verde crarinha”. O pé de goiaba que subia para comer goiaba no pé, eram verdes, mas com sabor do pé da árvore da casa da vovó. Nos ajudava bastante, pois apesar de muitos filhos que teve, estes já trabalhavam e a ajudavam o que permitia que ela  nos ajudasse. Trago boas recordações dela, me contam que ela sofria de hanseníase, mas penso que não chegou atingir o grau máximo da doença. Eu há mais de vinte anos sofro com um angustiante problema de pele (psoríase), já busquei a melhora em vários tratamentos, melhora por um tempo, e volto na estaca zero, penso que tem algo a ver com a mesma enfermidade de minha avó e quantos outros antepassados podem ter sofrido com esse mesmo mal, sem os recursos que temos.

Mas como mencionei acima, não dá para mensurar por quanto sofrimentos passaram e não conseguiram digerir, mas enfrentaram na medida do possível. Hoje adulta busco uma resposta para me libertar e amenizar o sofrimento de todos e mostrar-lhes a gratidão por terem passado por tudo e contribuído para que eu estivesse aqui hoje. Sempre penso que se não tivessem me dado essa oportunidade, onde eu estaria? Vieram na frente para amenizar tudo isso.

Meus bisavós, não tenho memórias, mas sou igualmente grata a tudo e todos! Hoje tenho uma linda família, 3 filhos: uma não nascida que dei o nome de Juracy, a Fernanda e o Gustavo, sou grata por eles existirem.

A imagem que postei retrata a seca do nordeste e o motivo pelo qual muitos abandonam a família encorajando os demais em busca de uma vida mais digna. Quantos ainda morrem pela falta de infra-estrutura.

Todo esse cenário me remete à música de Luiz Gonzaga, Asa Branca, coisa linda!

"Quando olhei a terra ardendo; Qual fogueira de São João; Eu perguntei a Deus do céu, ai; Por que tamanha judiação..."

"Que braseiro, que fornaia; Nenhum um pé de plantação; Por falta d'água perdi meu gado; morreu de sede meu alazão..."

"Inté mesmo a asa branca; Bateu asas do sertão; Entonce eu disse, adeus Rosinha; Guarda contigo meu coração..."

"Hoje longe muitas léguas; Numa triste solidão; Espero a chuva cair de novo: Pra mim voltar aí pro meu sertão..."

"Eu te asseguro não chore não, viu; Que eu voltarei, viu; Meu coração..."

  Essa é minha homenagem a todos eles, com muito carinho... 


Silvia

 

 


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