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Carta aos meus antepassados

Carta aos meus antepassados
Vera Lucia Pinheiro Souza
set. 30 - 5 min de leitura
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Olá meus queridos!

Meus queridos, sei que para eu estar aqui atualmente, muitos de vocês tombaram na estrada, outros ceifaram histórias alheias.

Sinto que dores foram transformadas em fortaleza, e que muitos de vocês interpretaram o papel de guerreiros diante do combate da vida, por isso quero afagar seus cabelos como crianças que se inclinam no colo de suas mães. Dizer a vocês que a vida é bela, que eu não quero e não vou desperdiçar todo o movimento de renúncias, afirmações, sacrifícios e benesses que os motivaram e me trouxeram até aqui.

Por isso agradeço a vocês meu povo cigano, meu povo italiano, meu povo português, meu povo africano e meu povo índio, nativos da zona da mata mineira.

Falando em Minas Gerais, oh! Minas Gerais, terra que acolheu os meus, com todo o carinho que pôde e lhe foi possível, uns mais afortunados, outros nem tanto, mas todos infinitamente agraciados por suas montanhas estonteantes.

Sou filha da união do alto e do pé da serra, do escravo e do dono do chicote, do colono e do fazendeiro, do índio e do colonizador, do cigano e do Sr. Coronel. Mas acima de tudo, sou filha da união de costumes, crenças e histórias de pessoas corajosas e destemidas, que fizeram das montanhas das Minas Gerais seu lar.

Não nasci nessas montanhas, porém meu pai sempre fez questão de economizar 1 ano inteiro para em nossas férias nos levar até sua terra natal.

Lá tive a oportunidade de conviver com um avô sábio, austero e estranhamente bem humorado, não sei como ele fazia isso.

Meu avô Materno, vô Zeca, foi meu mestre, ali convivi com um ecologista, um homem da terra, que dizia: “ouvi uma rã no lago, não a matem! Sua carne não alimenta um adulto sequer, mas ela deixa a água limpa”. Acho que isso me “contaminou”.

Que saudade da minha avó materna, vó Sirene, a rezadeira do vilarejo, herdou essa função de sua sogra, minha corajosa bisa, não posso dizer que lembro dos pratos maravilhosos que minha vó fazia, ela era péssima cozinheira rs, mas me lembro das sua bíblia com figuras maravilhosas, e do seu presépio ricamente cuidado e ornamentado. Confesso que as rezas que outrora me causavam cansaço e tédio, hoje me são saudosas. Seu pudesse voltar no tempo teria aproveitado melhor.

A última vez que os vi, foi uma semana antes de sua partida, foi em sonho, mas nossa ligação era grande e sei que foi verdadeiro, ali vocês se despediram, me mostraram onde seriam enterrados e sumiram em um círculo de luz. Uma semana depois os dois foram internados no mesmo dia, minha vó partiu no dia seguinte e meu vô 5 dias depois... ali fechou um ciclo de 64 anos de casamento.

Aos meus avós paternos, Ana e Antônio, também quero render minha homenagem. Vocês não tiveram uma união abençoada, por dogmas e preconceitos, uma filha de fazendeiro não podia casar-se com um colono. Por isso duas vidas tomaram destinos diferentes, você meu avô não foi pai para o meu pai, foi apenas o genitor, aliás meu pai não teve a bênção de ter um pai. Não te conheci como vô, nem como genitor do meu pai, mas sua vida prosseguiu e te agradeço por ter me dado a oportunidade de conhecer meu tio mais amado. Tio Ivair desde que entrou em minha vida, trouxe paz, carinho e respeito.

A você minha vó Ana, tenho algumas poucas lembranças, já que partiu uma semana depois dos meus 3 aninhos, em minha memória ficaram apenas 3 lembranças, pena que duas delas são a senhora no caixão e os 3 montinhos de terra que uma mulher presente no enterro me mandou jogar em sinal de despedida. Porém guardo sua predileção pelo doce de abóbora e a lembrança da sua dificuldade em escovar seus cabelos crespos, que, aliás, os herdei.

A senhora também foi responsável por colocar em minha vida um avô postiço, o vô Bino. Sei que meu pai nunca gostou dele, afinal seu vício pelo jogo a deixou sem herança e morando em uma casinha de pau a pique, e sua morte foi pela doença de chagas. Mas olho para essa parte da minha história com os olhos de uma criança, sem julgamento e sem cobranças e quero que assim continue.

Obrigada meus guerreiros!


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