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Como fazer uma Justiça Sistêmica?

Como fazer uma Justiça Sistêmica?
MILENA PATRICIA DA SILVA
out. 29 - 8 min de leitura
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Compartilho aqui um pouco da minha experiência com a Justiça Sistêmica enquanto mãe, pesquisadora, advogada sistêmica, terapeuta e mediadora.

Recentemente, participei de uma mediação que me trouxe vários aprendizados.

Nós, do direito, aprendermos desde o primeiro dia que pisamos na faculdade que o advogado é o primeiro juiz da causa. Pois bem, é mesmo!

Eu diria isso e muito mais. Os advogados e todos os operadores do direito, do alto de suas arrogâncias pensam que suas teses são a melhores, portanto as certas. Por outro lado tem o juiz, que também do alto de todo poder instituído tem o condão de analisar e verificar as provas contidas nos autos.

Aqui começa minha reflexão....

Pessoas são números e papéis?

Pessoas são histórias repetidas que deve se aplicar alguns institutos de forma estritamente igual a todos os casos?

Caso o leitor não saiba ainda, existem inúmeras sentenças padrão! É Padrão?? Sim, padrão! Sabe, aquele "modelão" Ctrl C Ctrl V? Esse mesmo!

Pois bem, ainda temos que lidar com isso, em pleno século XXI, onde as pessoas são diferentes e precisam ser amparadas de acordo com suas complexidades.

Sabe, o que me deixa feliz é que já existem juízes que pensam diferente, que pensam que as pessoas precisam ser olhadas, vistas, reconhecidas nas suas necessidades. Que já praticam um olhar sistêmico para operacionalizar a justiça.

Além de sentenças modelão, existem advogados que acreditam que vão até o judiciário para ganhar ou perder, conseguir a guarda, prender ou soltar. Como se isso fosse um troféu! Isso dá um nó na garganta! 

O caso que me chamou atenção essa semana, na minha atuação como mediadora, foi o de uma mãe, que residia em outro estado. O pai, por sua vez estava residindo com as duas crianças a 4 anos já. A disputa era a guarda dos filhos. Em meio a uma audiência de "conciliação" tumultuada, com acusações, advogado alterado, gritando, mediador com pasta na frente das partes litigantes para apaziguar, até que por fim, decidiu-se separá-los de sala pra conseguir um diálogo com cada um deles.

A mãe, chorou, disse: eu só quero a guarda dos meus filhos, só isso!

O pai, que já está a 4 anos com os filhos não concorda.

A advogada do pai, em conversa comigo, soltou a seguinte pérola: "Ela (a mãe), conheceu um cara pela internet e saiu de casa fugida! Largou as duas crianças!" Arregalou seus olhos verdes, bonitos, e continuou... "É! Ela disse que precisava de um tempo e "fugiu" com outro cara, ela já tinha esse cara, sabe? E o fim do relacionamento surgiu por conta de infidelidade conjugal. Esse foi o motivo!"

Eu, olhei, escutei, e disse: hummm, essas coisas são complicadas não é?

Confesso que diante de tantas informações eu não sabia se eu deveria entregar meu cartão de terapeuta para ela ou se eu deveria explicar algumas coisas; de qualquer forma isso me trouxe várias reflexões a cerca do que é ser sistêmico e levar isso para a justiça.

Fazer uma justiça sistêmica é olhar para cada ser humano com todas as suas singularidades e complexidades. É exercitar, todo o tempo o "Eu vejo você". É compreender que independente da opção pelo fim do casamento ou de uma traição ou do "cara" da internet aquela mãe ama da mesma forma seus filhos. Independentemente de qualquer coisa o amor de mãe é algo tão elementar, ninguém no mundo é capaz de substituir isso! Nem mesmo o pai. Por mais que um pai seja o melhor pai do mundo, o vínculo entre a mãe e o filho é diferente, é maior. É cordão umbilical, é nascimento, é gestação, é colo, é peito. Que me perdoem os pais, mas isso é biológico! A fêmea quando pari fica ali cuidando, o macho não.

No caso daquela mulher, ela precisou deixar os filhos com o pai. Quanto aos motivos, confesso que não sei. Entretanto, aquela audiência poderia ter tido um resultado diferente se houvesse tido possibilidades de aquela mulher poder chorar suas dores. Quantos abandonos será que ela sofreu? O que será que aconteceu com ela?

Por outro lado, a advogada disse: "nós não sabemos de que forma ela vive! Se ela trabalha ou não, de que forma é essa vida dela."

Agir de forma sistêmica seria talvez pedir a mãe que apresentasse o comprovante de residência, a carteira de trabalho, perguntar cordialmente em quais condições ela vive? Qual seria sua renda?

Ao contrário disso, a advogada afirmou bem séria: "essa mulher está louca? É uma descompensada?" Foi nesse momento que ela discursou sobre a traição e o cara da internet. Ainda, ironicamente disse: "ahh, vou ali comprar um cigarro e nunca mais volto e agora quer a guarda. Tá louca!"

Fazer uma justiça sistêmica talvez fosse colocar todos em um exercício de empatia, de inversão de papéis, de escuta ativa em que todos poderiam abrir o coração e contar sua versão sobre os fatos. Ou melhor, expor seus sentimentos, suas dores. Seria exercitar o não julgamento.

Lembrando que em uma separação conjugal cada um dos cônjuges são responsáveis por 50%. Atribuir um peso maior ao que é devido a cada um é agir de maneira mecanicista. E agir de maneira mecanicista não cabe em uma disputa de guarda, nem em uma separação, nem em caso de traições. Um casamento não termina do dia para a noite. As responsabilidades devem ser atribuída a ambos.

Recentemente uma amiga, que está num processo de separação me disse: "ah, me sinto culpada! Porque eu não insisti mais, porque quando percebi que não estava legal eu não tentei uma mudança!? Eu sou mais culpada!"

Eu respondi: porque ele também não buscou melhorias, diálogos, mudanças?

Ela disse: "Ele sempre esteve acostumado que eu é quem fazia o um movimento de melhoria. Quando havia algo errado sempre fui eu quem fazia algo para melhorar!"

Eu disse: Por isso acabou! E sabe, você pare de carregar o peso maior que lhe é devido. Você sabe qual é sua parcela pelo fim do relacionamento? 50%! Nada mais, nada menos! Você tem sua parcela sim! Ela é 50%!

Ela me disse: sabe que agora não me sinto mais tão culpada...realmente a minha parcela é só 50%.

Ser sistêmico é atribuir o peso que é devido

É compreender que quando advogamos para alguém, podemos criar uma cultura de guerra ou de paz naquela família. Provavelmente, aquela advogada ainda que com "boa" intenção em conciliar, está criando uma cultura de guerra no coração do pai, que por consequência fará o mesmo na cabecinha dos filhos.

Fazer uma justiça sistêmica é conseguir com que as partes de um processo compreendam que quando alguém ganha do outro lado alguém perde. Isso é memória de escassez, de guerra! Uma justiça sistêmica é aquela em que ambos cedem para então ambos ganharem, dos dois lados existirá ganho. Talvez não tudo que o eu e o outro gostaríamos, mas ambos saímos da memória de escassez, passamos para a energia da abundância.

É compreender que o que levou aquele casal ao judiciário não foi a guarda dos filhos. Esse é só o motim, é só a ponta do iceberg. Além do aparente existe aquela dor do pai de perder a mulher, chancelada pela advogada dele, que contribui para que ele continue na dimensão do julgamento. Do outro lado, tem a dor da mãe de não ser compreendida nas suas necessidades e crises existenciais, o arrependimento...entre tantos outros sentimentos.

Lembre-se sempre, encontramos aliados para nos ajudar a atirar a pedra, alguns podem contribuir para que continuemos sendo menos, podem nos deixar na dimensão do julgamento, do medo. Porém, podemos escolher quem serão nossos aliados.

Podemos ser instrumentos de cura ou de adoecimento. Que tipo de instrumento queremos ser no exercício da nossa profissão?

 

 

 

 

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