Quando adolescente eu cresci ouvindo que trabalhar em um emprego garantido era bom, e que o melhor caminho era ser concursado. Que assim haveria garantia de salário e salário bom, que teriamos estabilidade e que ninguém nos mandaria embora (a não ser que você cometesse alguma atitude grave que justificasse isso).
Meu pai era bancário, trabalhava no banco do estado e tinha um rotina de trabalho diária longe de casa. Apesar de trabalhar em um emprego considerado ótimo, ele passava muito tempo fora, se deslocava de ônibus para ir ao trabalho que ficava muito longe da nossa casa.
Ele havia conseguido subir de cargo e estava junto à direção do banco e isso fazia com que ele tivesse pouco tempo com os filhos e esposa durante a semana, e todos nós entendíamos bem, afinal de contas isso era pelo nosso bem estar e conforto.
Eu adorava quando chegava o final do dia, nas épocas de horário de verão, pois ficávamos brincando fora com outras crianças e quando avistávamos meu pai vindo na rua de volta do trabalho, corríamos ao encontro dele e muitas vezes ele trazia uma fatia de bolo, que era servido no lanche da tarde em seu trabalho e ele trazia para casa para dividir conosco. Era muito bom aquele bolo!
Quanta saudade daquelas tardes de sol e do sabor do bolo amarelinho que meu pai trazia, ou do sanduiche que as vezes vinha. (caíram lagrimas enquanto escrevo.)
Quando eu estava com 14 anos, me preparava para viver o tão famoso debutar, com a valsa e os convidados me vendo no vestido lindo que eu usaria. Sonhava desde os 10 anos em chegar finalmente no tão famoso 15 anos! Porém, nesta época o banco em que meu pai trabalhava há 11 anos havia sido vendido para um banco privado, e a tal estabilidade estava ameaçada.
Meu pai foi coagido a participar do Plano de Demissão Voluntária e ficou sem emprego alguns meses depois.
Vivemos momentos novos, com o pai sempre em casa, mas muito preocupado. Conflitos entre ele e minha mãe e minha mãe sempre nervosa!
Eu não entendia porque ela estava a cada dia mais estressada e menos amorosa conosco. Ela vivia uma realidade desafiadora, mantendo a família com apenas o salário dela e nós, filhos, nem imaginávamos as angustias de nossos pais.
Muitos hábitos lá em casa mudaram. Menos calma e tranquilidade vivíamos; sem nos darmos conta, todos nós fomos gradativamente "piorando" em relação à saúde, equilíbrio mental e harmonia na convivência.
Esta situação foi permanecendo dia após dia, fomos assaltados em nossa casa e mais bens nos foram tirados. Realmente estávamos com a vibração baixa e desarmonizados.
Com 17 anos, já beirando o vestibular e sem saber qual carreira escolher e nem o que eu iria viver nos próximos anos, sofria de alergias e muita acne. Autoestima baixa, insegura, sem conseguir expressar minhas dúvidas, me sentia perdida.
Comecei a faculdade, trabalhando de dia em um emprego (o único que me aceitou depois de meses de busca) para ajudar a pagar a faculdade que era á noite. Muitas vezes eu dormia nas aulas, pois o cansaço era demais. Tinha um namorado que era muito afetuoso, porém, ciumento, mas que me dava o amparo que eu precisava.
Me apeguei demais a ele.
No decorrer do curso percebi que havia feito uma escolha sem consciência mas não deveria desistir sem terminar. Fiz o curso até o final mas não exerci a carreira. Me formei aos 21 anos.
Consegui entrar em um concurso público um ano antes de terminar a faculdade, com 20 anos de idade e trabalhava então em uma atividade administrativa que nada tinha a ver comigo, mas me dava o salário e a tal estabilidade e assim permaneci anos neste emprego.
No terceiro para o quarto ano neste emprego concursado, comecei a me dar conta de que eu estava sem alegria na profissão e que meus dias eram perdidos enquanto eu trabalhava. Continuei no emprego mas, aos poucos, comecei a refletir sobre o que eu sentia e como poderia aproveitar melhor meu tempo e ser feliz também enquanto trabalhava, já que iria levar muitos anos até eu me aposentar (estava apenas com 24 anos!).
Nesta época eu tinha muitas alergias, afastamentos por motivo de saúde e insatisfações com as chefias e me sentia sem condições de pensar com calma e buscar uma nova profissão, na qual eu não sentisse como se estivesse "desperdiçando meu tempo de vida".
Foi em uma conversa despretensiosa com minha mãe em que falei para ela do meu desejo de estudar medicina, mas que eu levaria muitos anos para entrar em uma universidade publica para cursar e muitos anos até finalizar a formação.
Muito empenho e muito tempo me custaria.
Eu não sabia o que fazer ainda, mas sabia que permanecer no meu trabalho administrativo teria que ser só por mais um tempo, já que minha alegria neste emprego era limitada a pequenos momentos e meus sintomas de saúde ficavam mais evidentes, dando certeza que tinham ligação com o meu emprego.
Foi então que minha minha mãe me sugeriu conhecer mais sobre massagem, já que com frequência eu passava pomada e remédios no corpo dela para ajudar nas dores reumáticas que ela tinha.
Ela disse que eu levava jeito para cuidar.
Não levei muito a sério o que ela disse, mas o universo conspira, e ele me deu um sinal mais visível: no meu trabalho na semana seguinte, saí para levar o malote até outra unidade e então, lá neste local, vi um cartaz falando sobre um curso rápido e gratuito, a noite, de massagista.
Era um programa do governo federal que ofertava formação rápida e gratuita. Me inscrevi por curiosidade, afinal, estaria fazendo algo mais útil nos meus dias do que só trabalhar, comer e dormir. Iria aprender algo novo.
Iniciei o curso, gostei muito e minha professora me incentivou a prestar o vestibular dali a 2 meses e fazer a formação técnica em Massoterapia. Eu que estava a muito tempo fora da escola julguei que seria difícil passar em um vestibular federal para este curso técnico, mesmo assim tentei a sorte.
E não é que deu certo?
Hoje, formada há 7 anos, passo meus dias com mais alegria, em uma profissão que me completa e que realmente realizo por amor. Há 3 anos pedi exoneração do concurso e criei coragem para arriscar.
Gosto de cuidar, de ajudar, e de ver as pessoas mudando para melhor com meu trabalho. Converso sobre a vida com meus pacientes e não há nenhum dia sequer que sinto como se eu perdesse tempo.
Meu tempo é muito bem aproveitado.
Sou feliz e cada vez mais completa. Ainda tenho planos e sonhos a realizar, mas a caminhada já foi iniciada. Tive coragem de sair da "estabilidade" para viver de verdade.
Sem arrependimentos, apesar de haver também nesta carreira momentos de altos e baixos, sigo e vou amadurecendo, me realizando, pois escolhi viver a vida e não apenas passar por ela.