Querida criança… como o teu olhar é triste… como ficas encolhidinha no canto, tentando passar despercebida para que ninguém te admoeste pela tua incompetência, pelos teus comportamentos ou infantilidades! Os trajes de gorgorina florida, um tanto fora da tua medida… foram herdados de outras crianças ou comprados de um tamanho que desse a possibilidade de os usares por mais tempo! Nem os teus olhinhos azuis ou as tuas tranças loirinhas conseguem esconder o teu ar de despeito e de mágoa pela falta de atenção e de carinho a que foste votada! O teu sorriso não emite sonoridade nem demonstra alegria… limita-se a um esgar da fisionomia que mais parece querer dizer: ama-me… acarinha-me, estou aqui e tornas-me invisível pela indiferença!
Certamente já te contaram que foste muito desejada e amada ao longo de anos, antes de seres concebida e de teres nascido, pelo desejo de teus progenitores em serem pais, sem o conseguirem. Chegaste ao mundo num berço de amor construído por aqueles que há muito ansiavam a tua vinda. Nos primeiros anos da tua existência, dois ou três, desfrutaste de atenções, carinho e foste o orgulho de teus pais. Mas… tudo mudou quando a tua mãe “partiu” vitimada por uma doença incurável para a época… O teu pai fez por ti o que lhe foi possível incluindo dar-te uma madrasta com a convicção de que seria a melhor maneira de cresceres feliz, em ambiente familiar! Puro engano… pois nem tu nem ele foram agraciados pela felicidade e ele acabou desistindo da vida de forma trágica.
Aqui, criança, começou uma nova etapa da tua existência dolorosa. Só no mundo, institucionalizada, uma adolescência e juventude amorfa, triste num desejo constante de vir a ser adotada! Não aconteceu… os anos avançaram e, como passo seguinte, um casamento onde as necessidades de amor não são satisfeitas, onde a atenção e carinho aguardam para acontecer…
Mas tu, minha criança linda, permaneces em mim! Com frequência olvidei as tuas necessidades de proteção e amor… a vida, muitas vezes com desafios muito complexos, com prioridade de atenção a filhos e netos que parecem ter herdado um pouco das tuas debilidades, tornaram-te ausente na minha vida por longos períodos. Mas prometo-te, com convicção e veemência, doravante, olhar por ti com toda a atenção e o amor que mereces, quero manter-te em permanência na minha vida, proteger-te e defender-te, colocar-te no cofre forte do meu coração onde nada nem ninguém te poderá molestar! Quero que o interregno entre a recepção que gloriosamente tiveste por parte de teus pais e o momento atual de nossas vidas seja anulado, eclipsado pelo nosso reencontro! Amo-te, minha criança interior!