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Cristianismo e Constelações Sistêmicas: Ponto de Encontro I

Cristianismo e Constelações Sistêmicas: Ponto de Encontro I
Larry Carlos
set. 18 - 10 min de leitura
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É possível compreender as Constelações Familiares segundo Bert Hellinger dentro do contexto cristão-católico? Em outras palavras: um católico pode fazer constelações familiares? Esta foi a pergunta feita por uma senhora em um encontro desses que a vida nos proporciona. A preocupação consistia na verdade se não era pecado fazer Constelações Familiares para uma católica praticante. Esta indagação mereceu uma bela conversa de compreensão sobre alguns aspectos do catolicismo que não se contradizem com a teoria de Bert Hellinger.

Vamos partir do conceito cristão alicerçado na fraternidade universal pregada por Jesus, e para isso é preciso contextualizar a pregação de Jesus dentro da sua realidade histórica. Jesus nasceu no seio do Judaísmo que se fundamenta na promessa abraâmica da formação de um Povo guiado pelo Deus-Javé. Este povo, filhos de Abraão, pactua uma aliança de comprometimento em seguir as leis reveladas no Sinai e em troca Javé abençoa todas as gerações futuras, todos os descendentes como descreve o livro do Êxodo 6,7: “Eu vos tomarei por meu povo e serei vosso Deus”.

Chama a atenção em toda história do Povo de Deus a formação de uma identidade bem como a transferência desta identidade às gerações futuras, os descendentes. Esta identidade transferida de geração em geração, tem sua importância nas várias árvores genealógicas descritas na Sagrada Escritura, como por exemplo no início do Evangelho de Mateus 1,1-17 onde lemos a genealogia de Jesus. A gênese e o desenvolvimento do Povo de Deus irão evoluir em meio a fidelidades e infidelidades ao seu Deus. Em busca do entendimento sobre realidades humanas e cotidianas apareceram questionamentos relacionados a origem de todo ser criado e vivente, sobre o bem e o mal existente no coração do homem, a justiça divina e assim por diante. Sobre o sofrimento temos um dos mais belos diálogos entre o homem, Deus e o Diabo no livro de Jó.

O questionamento pelas origens de todas as coisas evoluirá para uma cosmovisão própria na tentativa de unificar tudo que parecia estar desconectado em um único princípio, uma unicidade, um só Deus. Este desejo de unicidade também é trabalhado na Filosofia Grega, desde os pré-socráticos como Tales de Mileto até a teoria psicanalítica de Jung sobre a unicidade.

Diante da realidade dos vários exílios pelos quais passaram este Povo de Deus, o Messianismo desponta na espera de um rei enviado deste mesmo Criador que redimirá todo o povo restaurando a ordem e a justiça e produzindo a paz duradoura. Outro conceito também despontará com o decorrer do tempo, o da continuidade da vida além morte. Mais tarde teremos no credo católico a profissão de fé na comunhão dos santos.

Até aqui vale salientar a figura de um povo, a identidade perpassada de geração em geração, a compreensão da necessidade de uma ordem que se estabeleça para o surgimento da paz e da harmonia. Estes conceitos estão presentes também na teoria de Hellinger como Pertencimento, Ordem, Lealdade, Compensação, Família e Descendência, Exclusão.

O nosso sistema familiar ou, simplesmente, o nosso sistema, é composto pela família atual, pela família de origem, pela pátria atual, pela pátria de nossos antepassados e por todos aqueles que, sem eles, a vida não teria sido possível [...]. Todos pertencem, os bons e os maus. (GUEDES, 2015, p. 49)

Jesus vem deste contexto messiânico da espera de restabelecer a ordem e a justiça e para a inclusão dos excluídos do sistema. Sua Boa-Nova é baseada fundamentalmente na inclusão dos excluídos, no perdão mútuo e no amor, conforme descreve Lucas:

O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar a remissão aos presos e aos cegos a recuperação da vista, para restituir a liberdade aos oprimidos e para proclamar um ano de graça do Senhor. (Lc 4, 18-19)

Com Jesus leis e costumes da tradição judaica são reinterpretados também na concepção de pertencimento, de família: quem é minha mãe e meus irmãos? Quem fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, irmã e mãe (Mc 3,33-34).

Jesus amplia o conceito familiar e o coloca sobre a mira do grande projeto de Reino de Deus onde as leis se resumem em amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo (Mc 12, 34-40). Ainda mais abrangente será o critério da conquista do Vida, da Harmonia e Felicidade Eterna. No evangelho de Mateus estes critérios de juízo demonstram como a ação individual pode trazer a benção ou a maldição, o bem ou o mal, o pertencimento ou a exclusão e como as ações se estendem por todo o campo familiar. Vale observar que o Julgamento Final, descrito no capítulo 25 do Evangelho de Mateus, também é uma grande Constelação, pois o Juiz, juntamente com todos os anjos, se sentará na presença das nações:

Quando o Filho do homem vier em sua glória, com todos os anjos, assentar-se-á em seu trono na glória celestial.
Todas as nações serão reunidas diante dele,
"Então o Rei dirá aos que estiverem à sua direita: ‘Venham, benditos de meu Pai! Recebam como herança o Reino que lhes foi preparado desde a criação do mundo.
Pois eu tive fome, e vocês me deram de comer; tive sede, e vocês me deram de beber; fui estrangeiro, e vocês me acolheram;
necessitei de roupas, e vocês me vestiram; estive enfermo, e vocês cuidaram de mim; estive preso, e vocês me visitaram.
Então os justos lhe responderão: ‘Senhor, quando te vimos com fome e te demos de comer, ou com sede e te demos de beber?
Quando te vimos como estrangeiro e te acolhemos, ou necessitado de roupas e te vestimos?
Quando te vimos enfermo ou preso e fomos te visitar? ’
"O Rei responderá: ‘Digo-lhes a verdade: o que vocês fizeram a algum dos meus menores irmãos, a mim o fizeram’...

A ética e o restabelecimento da ordem incorporam o aqui e o agora, o ontem e o amanhã. Como se o emaranhado de ontem se manifestasse no hoje sendo critério para a construção do amanhã. A família cristã é redimensionada para todos aqueles os quais se colocam na dinâmica da vida para todos (Jo, 10,10), se constrói na comum-união dos crentes a partir dos fundamentos explícitos e proclamados no Sermão da Montanha: Felizes são vocês... (Mt 5, 1-12). Uma nova ordem se estabelece para a inclusão e o pertencimento na grande família cristã.

Esta portanto, avança para a compreensão que, tanto no cristianismo como nas constelações sistêmicas, a família é um campo de troca de energias e cujos fundamentos são os valores que quando violados geram a exclusão. Da família nuclear às mais diversas formas de famílias hoje existentes, a vinculação e a violação dos valores geram a desarmonia manifestada em sintomas que devem ser tratados. Doenças e demônios foram realidade enfrentadas por Jesus também no encontro misericordioso de amor e perdão no qual restabelecia a saúde e harmonia. Um dos mais belos resumos sobre a vida de Jesus está descrito em Atos dos Apóstolos: Jesus passou fazendo o bem e curando os doentes (At 10, 38).

Talvez passe desapercebido a narrativa evangélica na qual Jesus provavelmente ensinou aos seus seguidores a prática do perdão em forma de constelação no texto de Mateus 18, 15-17a.

Se teu irmão pecar, vai corrigi-lo a sós. Se ele te ouvir, ganhaste o teu irmão. Se ele não te ouvir, porém, toma contigo mais uma ou duas pessoas, para que toda questão seja decidida pela palavra de duas ou três testemunhas. Caso não lhe der ouvidos dize-o à Igreja (Mt 18, 15-17a)

Isto é muito próximo da forma como as tribos Zulus resolviam seus conflitos e que inspirou Bert Hellinger a desenvolver a prática das Constelações Sistêmicas conhecidas nos dias atuais. Hellinger observou que quando alguém da tribo adoecia se invocava um antepassado que tivesse o mesmo mal e, ao tratar o antepassado, o indivíduo melhorava. Hellinger, posteriormente, desenvolveu três pressupostos para sua teoria das constelações:

  1. A existência de um campo familiar de memórias antepassadas, ou seja, todos temos contatos inconscientes com acontecimentos passados e que geram tendências futuras que podem exercer influência no grupo. Hellinger concluirá que não eram contatos com os antepassados, mas com memórias antepassadas que quando ativadas corretamente ativam uma possibilidade de resolução;
  2. A obediência deste campo familiar a uma hierarquia que deve ser respeitada e cuja ruptura gera desarmonia no campo do sistema familiar;
  3. O pertencimento, ou seja, todos os membros pertencem àquele grupo.

Nota-se que no texto de Mateus sobre o perdão, o tema é colocado individualmente e, posteriormente em grupo (igreja) para que todo o sistema seja partícipe da inclusão ou da exclusão como opção livre do indivíduo na busca de resolução do emaranhamento - pecado.

Não há, portanto, contradições em um cristão ou católico participar das Constelações Familiares. Fazemos parte de um sistema que se manifesta evolutivamente na compreensão do Ser Humano e que vai muito além da nossa individualidade. Somos muitos em um só. Suspiramos por reconhecimento como ser único na criação, por pertencimento a uma ordem que nos restabeleça equilíbrio e harmonia. Aspiramos conhecimento do sentido último das coisas e de nós mesmos. Cristianismo e Constelações Familiares são movimentos do espírito que nos abrem caminho rumo a um mundo desconhecido e que se deixa desbravar quando se deixa a energia fluir. Não obstante os emaranhados nos sentimos então maravilhados e encantados!

 

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFRICAS

 

GUEDES, Olinda, Além do Aparente – Uma leitura sobre constelações familiares. Curitiba, Appris , 2015.

Bíblia Sagrada -  Edição Pastoral, 66ª Ed., São Paulo, Paulus, 2008.


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