A manhã azulada, no terreno do vizinho, exibia suas laranjas. Os pássaros se escoravam nos fios de luz e cantavam. O orvalho, sentado na minha calçada, esperava o sol para partir. Cada manhã tem suas peculiaridades.
Consultei a lista de habilitados para adoção em busca de alguém que quisesse adotar uma criança. Liguei para o casal, primeiro da lista. Os telefones, que constavam no cadastro, não atenderam. Fiz busca nas redes sociais. Enviei mensagem e o telefone para contato: precisava conversar com eles.
Algum tempo depois, a mulher ligou. Atendi:
- Bom dia!
Expliquei a respeito da criança.
- Óóóói! - Respondeu a mulher.
Falei alguns detalhes do caso.
- Óóóói! - Disse ela, quase acariciando a criança imaginária (Nem tão imaginária assim!).
- Meu Deus! - Acrescentou a mais nova mãe.
O diálogo praticamente se encerrou ali. Crônica curta e rápida para adotar. Não presenciei o silêncio seguinte do outro lado. A impressão que eu tive foi de que a mulher afagou a manhã ensolarada. Um por um esgotaram-se os segredos. Acabou a espera. Cada adoção é singular, única, diferente e exclusiva.
- Vou cancelar minha agenda. O meu marido cancelará a sua.
Quando um filho chega, a prioridade muda as agendas. É como se um pássaro de bico colorido e torto, muito raro, único e exclusivo, cantasse na ponta da península. Isso não tem preço. Essa é a prioridade absoluta que os filhos merecem, venham de onde vier.
Logo mais, o ipê do vizinho fará flores para a primavera e os plátanos, que podem chegar a dois mil anos, farão folhas. Vejo-os da minha janela. Algumas laranjas estão caídas na grama. Logo mais...
Fico a imaginar o casal admirando, pela primeira vez, na ponta da península de uma Casa Lar, aquele filho único:
- Óóóói!!! - Os dedos escorregam pelas bochechas fofas.
- Meu Deus!
Esse dia ficará guardado para sempre. As memórias não se apagarão tão cedo. Todas essas coisas têm raízes.
Texto de Mario Romano Maggioni