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Estrada de espinhos e pedras

Estrada de espinhos e pedras
Marisane dos santos
nov. 17 - 7 min de leitura
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Vinte anos atrás, se alguém me perguntasse como era minha vida, com certeza eu diria que o meu caminho foi um longo percurso descalço entre espinhos.

Eu não saberia relatar algo de bom na minha vida, sequer conseguiria encontrar luz no meu caminho, todos os dias eram escuros e tristes. Longas noites de choro escondido...

A única certeza que tinha era o quanto queria morrer e poder parar de sentir tanta dor na alma, mas queria morrer sem precisar tirar a minha vida. Afinal, que vida eu tinha? Apesar de sobreviver a cada dia, vivia sozinha com os meus pensamentos e tristezas, tentava ser a filha perfeita, certinha, trabalhadora, estudiosa, fazia de tudo para ser vista. Mas ninguém me olhava.

Culpei o meu pai internamente por não ser afetuoso comigo. Mal sabia eu que ninguém pode dar o que não tem.

Passei a minha infância ouvindo como a minha irmã era bonita. Não sentia ciúmes, ficava feliz. Eu ser feia era uma proteção, assim ninguém me olhava e eu corria menos risco. Isso não funcionou muito bem.

Durante a minha adolescência eu vivi como uma beata, muito certinha. Lembro que certa vez tirei 9,8 em uma prova e chorei durante uma semana. Eu queria terminar o ensino médio e depois morrer pois não encontrava sentido na vida. Eu sentia pavor de homem e queria distancia deles.

Sei que varias vezes consegui fugir de tentativas de abusos, nunca compreendia porque eles me perseguiam tanto pois eu sequer olhava para eles durante a adolescência.

Passado o ensino médio, minha vida precisava de rumo. Fui a São Paulo trabalhar e finalmente comecei a ver alegria na vida pois as minhas infância e adolescência foram marcadas pelo estado de quase morte do meu pai e do sofrimento da minha mãe.

Parei os estudos.

Consegui trabalho e estava me virando muito bem, namorando... até que terminei o namoro e um mês depois descobri que estava grávida. A primeira atitude foi avisar o pai da criança e me afastar dele pois tinha pavor de casamentos. Nunca conheci um casal feliz e todas as mulheres da família eram submissas.

Com cinco meses de gravidez voltei para a casa da minha mãe porque ela se preocupava muito comigo e eu não sabia dizer não a ela. No primeiro ultrassom descobri que eram gêmeos. A família ficou feliz mas o povo comentava que eu trouxe dois filhos para o meu pai sustentar.

Eu sempre tive dois empregos e não gastava nada, sustentei os meus filhos por um período, depois o pai deles veio do Maranhão (foi cuidar do irmão) e começou a mandar dinheiro para os pequenos.

Eu queria provar que podia me virar sozinha, guardava o dinheiro na poupança e trabalhava para sustentar os filhos. Logo após o nascimento deles tive uma  forte depressão, não conseguia me apegar às crianças e nem ficar morando na casa dos meus pais.

Não suportava aquele lugar, tentei ir embora... mas voltei e comecei a trabalhar.

Certa vez conheci uma pessoa que tentou me ajudar, saímos para conversar à noitinha mas só voltei no outro dia porque o ônibus não passou. Quando cheguei até a polícia estava me procurando. Fiquei muito chateada pois a pessoa foi um anjo que apareceu na minha vida e saiu sujo na história, como se tivesse feito alguma coisa. Justo o único em que consegui confiar e que me ajudou muito.

Mudei de empregos e iniciei a faculdade de pedagogia. Me virava pagando aluguel, faculdade, sustentando os filhos, o dinheiro continuava na poupança.

Terminando a faculdade e iniciei uma pós-graduação, comprei um terreno com o dinheiro da pensão, entrei no programa Minha casa, Minha vida, e construí uma casa de dois pisos. Meus pais nunca me apoiaram para estudar e construir a casa porque achavam que eu não iria conseguir. Eu precisava provar o contrário.

Trabalhei muito!

Durante a faculdade o meu pai quase morreu e eu precisei ficar mais de 40 dias cuidando dele em Florianópolis.  A minha mãe sofreu um acidente doméstico, durante uma queda um galho de pessegueiro atravessou o olho, até o cérebro. Fiquei 30 horas ao lado dela, que estava entre a vida e a morte. Ela perdeu a visão do olho e tem sequelas.

Perdi um ex-namorado devido a um acidente, estávamos prestes a reatar o nosso namoro. Precisei de muitos anos para superar isso. O meu filho João quebrou a perna duas vezes em menos de 3 anos e entrou em depressão. Sofria de convulsões noturnas com paradas cardiorrespiratórias... Intervenções sensoriais curaram ele anos depois.

Durante um ano eu trabalhei em um restaurante e na sala de aula. Trabalhei adoidada. Juntei dinheiro e parei. Depois iniciei trabalho voluntário nos bombeiros e atualmente no centro espírita, onde ajudaram o meu filho.

Meu filho Carlos Eduardo quase morreu aos 11 anos devido a apêndice saturada. Depois de recuperado, voltou para casa em casa e teve infecção generalizada e falência dos órgãos e quase morreu mais uma vez.

Eu passei o tempo todo ao lado dele sem derramar lágrimas, inclusive quando o médico me sacudiu dizendo que ele estava morrendo. Eu provavelmente estava em estado de choque, isso deve ter durado um mês. Não sei de onde veio a minha força para passar por tudo aquilo.

Um ano depois eu estava fazendo a mesma cirurgia e no ano seguinte o irmão dele também (teve infecção superficial na pele mas não precisou refazer a cirurgia e tirar parte do intestino, que é o que aconteceu ao irmão).

Com o passar do anos sempre acontecia algo. Levei meus pequenos a uma consulta dermatológica e descobri que eu estava com câncer de pele. Isso fez toda a diferença na minha vida, foi uma grande oportunidade para a minha transformação pessoal.

Iniciei a minha busca espiritual, comecei a fazer terapia, a me curar, voltei a estudar, iniciei o mestrado (só falta a apresentação na banca), fiz dezenas de cursos na área de terapia, comecei a escrever um livro, estou me adaptando a um relacionamento conjugal...

Estou no segundo curso de Constelações Sistêmicas e a cada dia me curo mais, aprendo mais.

O que aprendi na vida foi que apesar de todos os emaranhamentos que temos, não devemos não nos vitimizar. Precisamos erguer a cabeça, acreditar, buscar ajuda, tentar mudar a vibração, aprender com as dificuldades, superar os desafios, mudar o rumo da nossa história.

Precisamos nos reciclar todos os dias.

Anchieta, 10.11.2020


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