Era Natal na década de 60. Cinco filhos, frutos da união entre Maria de Jesus e João. Cinco não, tinha a pequena Jussara que deixou tão cedo a família. Minha avó contava que ela tinha lindos cabelos loiros como os do meu avô. Uma linda mistura já que a vovó era cabocla (negra) e o vovô, um polonês dos olhos bem azuis.
A família era perfeita! Filhos bem cuidados, casa, carro, piqueniques aos domingos. Vovô trabalhava no serviço público, amava política. A vovó, cuidava da casa e engomava golas e toalhinhas de crochê como ninguém. Eram as roupas mais brancas que já vi e tão caprichosamente passada. Também, ela era uma das primeiras de uma prole de 26. Saiu de casa aos 8 anos para trabalhar em casa de família. Aprendeu a fazer de tudo, tomava conta de uma casa sem ter tempo para lamentar. Ah, ela trabalhou muito para o nosso Sistema.
Com as decepções políticas e do trabalho, o fracasso chegou na casa deles. Era o grito que ecoava do sofrimento de tantos homens ainda não reconciliados com seus pais e a ausência da mãe. Minha trisavó abandonou no porto na chegada ao Brasil, o marido com os dois filhos homens, levando apenas a menina mais nova. Nunca mais se viram. E o nosso trisavô, caiu no alcoolismo, os filhos também e anos mais tarde, também um dos netos. Vovô mudou da água para o vinho.
Voltando àquele Natal, Maria tinha viajado com os filhos para visitar o pai e quando retornou, não havia mais nada dentro de casa. Apenas meu avô, jogado e embriagado num canto. Tudo havia sumido, até mesmo as roupas das crianças... tudo mesmo. Não tinham nem onde dormir, com o que se cobrir, o que comer. A vovó olhava em volta e reconhecia suas coisas nas casas vizinhas, mas ninguém teve a bondade de devolver. Era Natal e a nossa guerreira reuniu a todos, inclusive o vovô e foi para a casa de uma família que deu hospedagem no paiol. Estava ali formada a manjedoura para o nascimento do menino Jesus. Os pelegos dos cavalos serviram de coberta para os irmãos e a família trouxe presentes e pratos de comida quentinha. A salvação estava ali, bem diante dos olhos daquela mulher tão forte. E ela disse aos seus filhos: "Unidos, até mesmo embaixo da ponte." Era a sua maneira de decretar que dariam a volta por cima. Uma ponte ao futuro que a vovó criou, mesmo sem conhecer PNL. Ali, ela sonhou como faria para começar tudo novamente. E assim o fez!
Não precisaram ir para debaixo da ponte, pois minha avó recomeçou fazendo o que sabia de melhor: cuidar de uma casa. Foi cozinheira de mão cheia, ela e o meu avô. Até que encontrou patrões tão bons, onde com a ajuda deles, criou e casou todos os filhos com direito à festa no melhor clube da cidade. Minha mãe ganhou uma festa linda de casamento! Guardo as fotos com muito carinho.
E o meu avô estava lá! Ela poderia tê-lo deixado, mas soube compreender a ele de uma forma sistêmica, e nunca colocou os filhos contra o pai. Meu avô era muito amado! Tinha sorte e a melhor esposa do mundo.
Vovó programou, com as possibilidades que tinha, o êxito da sua família. Trago comigo os seus sonhos, muitos deles, já realizados. E tantos outros, que ainda estão por se concretizar.