- Gente, nasceu a minha filha!
Foi esse o grito que eu ouvi. Liguei, ao chegar ao fórum, para dizer que havia uma menina apta para adoção.
A mulher gritou:
- Gente, nasceu a minha filha!
Desnecessariamente expliquei o caso. Percebi que a mulher desabrochava para dentro naquela sexta-feira de manhã.
- Podemos ir agora ver ela?
Esse tipo de pergunta é o afeto tocado numa flauta.
- Podem. - Respondi.
Ao terminar a ligação, não desliguei o telefone. Voltei a escutar o grito do além:
- Gente, nasceu a milha filha! - Desliguei. O grito fez eco.
À primeira hora da tarde, recebi o casal. Disseram que, de imediato, foram à Casa Lar, mas a filha estava na escola infantil. Na Casa Lar, mostraram uma foto linda dela. Vieram conversar comigo antes de ter a filha.
Perguntei:
- Vocês querem adotar a menina?
Os dois se olharam. Às vezes, as perguntas são inúteis.
- Podemos levar ela para casa hoje?
A outra dimensão do grito tem a espessura do amor. Assim nascem os filhos. Nestas horas, todos somos pais.
Expliquei:
- Vocês devem fazer o pedido de adoção. Será feito um termo de guarda para fins de adoção. Vocês combinam com a Casa Lar o desligamento da vossa filha.
A Segunda Vara Cível de Farroupilha, naquela hora, encheu-se de estrelas. Era uma água a inundar desertos. Colhi, entre os processos azuis do gabinete, uma rosa vermelha ínfima e a entreguei àqueles pais.
Essas palavras inominadas carregam o cisco da biografia. A filha está conosco. Quando uma filha nasce, lembro do poeta John Donne:
“Quem não lança um olhar ao sol no entardecer?
Quem fecha seus olhos ao cometa que cai?
Quem não ouve um sino quando toca?
Quem pode desouvir a música deste sino que leva para fora deste mundo?
Nenhum homem é uma ilha inteira em si mesmo (...).
Quando uma filha nasce, todo o universo fica engrandecido, como se fosse um promontório, ou a casa de um dos teus amigos, ou a tua própria.
“Nenhuma pessoa é uma ilha ...”
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