Muito além do semimorto paradigma mecanicista, anacrônico vigente, a referência mais dramática, de vanguarda filosófica, (caminhando para) científica que Bert Hellinger (16/12/1925 – 19/09/2019) formulou, ou - como prefiro chamar – codificou, e, generosamente, compartilhou, pode estar se constituindo, paulatinamente, em um novo patamar epistemológico.
Ao deduzir, no ambiente fenomenológico, onde se dão os relacionamentos, no qual sempre atuou, dele extraindo a vigência de leis incorruptíveis da Vida, Bert, provavelmente, tenha dado um passo a mais nos postulados filosóficos universais. Desta feita, sem o peso de arcaicas concepções de conotações dogmático-religiosas. Ao conceber e ao codificar o que alcunhou por Constelações Sistêmicas Familiares, Hellinger remeteu-nos a hipóteses, convincentes, no que diz respeito ao espaço e tempo percorrido e vivido por nossos ancestrais, nos quais estaríamos inter relacionados. Suas deduções nos trouxeram a possibilidade de ampliarmos nossa cosmovisão a respeito dos vínculos - emaranhamento e entrelaçamento – que nos conectam com toda nossa ancestralidade. Nada do que fizeram foi em vão. Nada foi perdido. Eles vivem em nosso espaço-tempo. Eles sobrevivem em nós, e, conosco mantém vínculos inquebrantáveis; capazes de exercer significativa influência sobre nossa existência, nossos rumos e decisões, aqui e agora, e, vida a fora. Esses vínculos jamais foram quebrados (nem nunca serão) pela ruptura da morte, veio nos anunciar Bert Hellinger. Sua formulação remete-nos a nossa gênese morfogenética e ao reconhecimento de que somos parte de um Sistema, que nos conjuga, nos remonta e nos remete à riqueza existencial e ancestral de todos nós. Esse Sistema - atemporal e alo espacial - é quem nos permite a concepção de que temos, sim, um lugar específico, no concerto da vida, a ocupar. Sua formulação correlaciona-nos a uma ordem vigente, oriunda de uma hierarquia preexistente e sobrevivente a esse nosso único e insofismável ecossistema parental.
Sim! Desse único lugar de pertencimento - desfrutado em sua plenitude – nos tornamos aptos a usufruir da vida que vale a pena ser vivida. Sim! Há uma Hierarquia em todos os sistemas a ser reconhecida, obedecida e respeitada, e, ela deve ser honrada. Sim! Por Hellinger, agora, podemos entender a concepção de igualdade; de que vítimas e algozes submetem-se as mesmas leis do equilíbrio vigente. Assim, o caos nada mais seria do que um estágio de compensação e reequilíbrio, obviamente passageiro, precedente a Ordem que a tudo e a todos preside. Sob esse novo olhar paradigmático, não haverá lugar para julgamento, ofensa, castigo, vingança, nem acaso. O que nos encontra, no decorrer da vida, são os resgates dos desequilíbrios cometidos, por um de nós, nesse ambiente sistêmico de informações vinculantes, circulantes e transgeracionais. Essa, a genialidade de Bert Hellinger: todos compartilham de um único e próprio campo morfogenético do seu próprio e singular Sistema Familiar, ao qual não se pode deixar de pertencer.
Após suas postulações e de seu generoso compartilhamento com o mundo, podemos nos olhar e nos entendermos melhor como indivíduos. Temos, sim (!) uma origem, que nos encadeia e nos responsabiliza uns com os outros, muito aquém e muito além do tempo contado e do espaço medido. Somos filhos, netos e bisnetos de muitos outros filhos, netos e bisnetos; conectados a uma cadeia sem fim de nossa clã sistêmica.
Somos a vitória, ou o fracasso dos milhares que nos antecederam na jornada da vida. Trazemos suas dores, suas lutas, suas derrotas, suas vitórias, inscritas nessa bolha que compartilhamos. Bert não só reconhece esse lugar, como nos propõe ser possível a reconciliação com esse passado que lateja em nós. Porque, a partir desse encontro e com esses entes que se perdem no tempo que já passou, é necessário que tudo dê certo para os que, agora, virão adiante.
Incontestável será deduzir que a exclusão de qualquer que seja a individualidade entrelaçada nessa corrente; qualquer descumprimento referente às leis que regem os Sistemas exigirá a devida compensação, de forma que a Ordem seja restabelecida. Não somos sós, somos plurais e essa pluralidade existencial exige respeito e reconhecimento no intrincado inter-relacionamento da vida, encadeada que é com o que já aconteceu, para que o novo possa prevalecer.
Valeu, Bert, sua jornada não foi em vão. Enquanto sua vida, por aqui, se foi, sob seu olhar diligente, também, sua luz nos conduzirá ao reconhecimento da possibilidade de melhor entendermos os resgates e compensações que nos levarão a tomada da próxima decisão e do próximo passo. Estamos todos em situação de cura e reconciliação sistêmica, para um novo patamar existencial. Gratidão.
Maria Angela (Dias, Serra, Campagnac, Pimenta, Mirra, Coelho) Mirault
Professora doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC de São Paulo; terapeuta sistêmica familiar e de práticas integrativas e complementares à saúde.