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NARRATIVA DA VIDA DO MEU PAI, MÃE E MINHA

NARRATIVA DA VIDA DO MEU PAI, MÃE E MINHA
Lidiane Teixeira de Carvalho Frenhan
nov. 3 - 7 min de leitura
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Módulo 03: Relacionamentos Conjugais e Relacionamento Pais e Filhos

Ela, viúva com um filho de 2 anos. Ficara viúva no quarto mês de gestação, do seu segundo filho. O primeiro faleceu com 1 ano de idade. Ela, órfã disfuncional de mãe. Tinha mãe, mas era praticamente como se não tivesse. Filha caçula de 7 irmãos, a mais velha falecida, outros tantos, não se sabe quantos no total, abortados.  Ela, fruto de inúmeras tentativas de aborto que não deram certo. “Essa aí- dizia sua mãe- nasceu de ruim, porque tomei até veneno para ver se derrubava, mas é tão ruim, que nasceu!” Para ela apenas as sobras, os restos do que era passado das irmãs mais velhas para ela. Muitas surras, muita crueldade e abusos emocionais por parte da mãe e dos irmãos. O pai? Assistia a tudo sem se manifestar. “Não liga não minha filha!” Era o que dizia quando via a filha sofrendo com os comportamentos agressivos e abusivos da mãe. E lá foi ela, com todo o seu corpo de dor, aos 17 anos para um relacionamento com um pistoleiro de aluguel. Primeiro dia de casamento: uma surra. Alguns tempos depois, fuga. Muita fuga, cada dia num lugar, pois quando ele cometia um assassinato, devia sumir, desaparecer, sem deixar pistas e ela deveria sumir junto, pois se soubessem do seu paradeiro podiam tentar contra a sua vida como forma de vingança. Primeira gestação: uma surra, um chute na barriga e consequência ou não, nasce um filho com problemas e ficou no hospital em coma até um ano de idade, data em que veio à óbito. Divorciar? Fugir? Como? As ameaças eram constantes: se eu te achar eu te mato, se não te achar, mato seu pai e seus irmão homens. Ficou! Veio uma segunda gestação. Quarto mês da gestação viuvou e voltou para casa de seus pais. Do sofrimento no relacionamento como o esposo para o sofrimento, novamente, nas mãos da mãe. Dois anos depois um novo relacionamento. Se conhecerem? Não podia. “Viúva não pode namorar!”... se dizia na época. E lá vai ela para um novo relacionamento sem curar seu corpo de dor, seus emaranhamentos.

Ele ficou órfão de pai no sexto mês de gestação. Sua mãe, viúva por 2 vezes. Do seu pai, nada se sabe, só que era descendente de portugueses com escravos. Viúvo, com 3 filhos, se casou com minha avó, também viúva, também com 3 filhos. Juntos tiveram mais 3 filhos onde ele era o caçula e o qual além de não conhecer o pai, nada sabe sobre ele. Nada, nadinha. Foi criado pela mãe doente, pela meia irmã, mais velha de todos e pelo cunhado, agressivo, cruel, rude, que de bom que fez foi ensinar (ou obrigar) a trabalhar numa serraria, desde criança muito pequena. Falta das coisas? Muita! Faltava o que comer? Muitas vezes. E lá vai ele, com todo o seu corpo de dor, com todos os seus emaranhamentos se envolver com ela.

Casados até hoje, há 46 anos. Juntos, porém não quer dizer que estar juntos é viver em harmonia. Desse misto de campos de dor, de emaranhamentos, surgem mais 4 filhos, 2 nascidos e 2 não nascidos. Eu a caçula, vinda depois de um aborto de gêmeos. Me lembro de uma infância com muitas brigas, discussões, gritos, agressividade tanto da parte de um quanto da parte de outro. Dela me lembro de uma mulher sempre, sempre, nervosa, estressada, gritava muito, nunca brincava junto, não dava carinho, as vezes com manchas roxas pelo corpo porque “tinha batido na parede sem querer”. Dele me lembro de uma pessoa variável em seus comportamentos, que ia de um pai que beijava, abraçava, que levava para passear, fazia cavalinho em suas costas e rolava, brincando junto no chão, para um pai violento, que imponha autoridade através do medo, autoritarismo e agressividade.

Juntos! Na saúde e na doença. Os dois têm muitas, muitas enfermidades mesmo. Ele diabético, hipertenso, asmático, 3 cirurgias na coluna, e outras muitas coisas mais. Ela já retirou o útero, retirou a vesícula, teve trombose no intestino, teve câncer de mama, ansiedade, depressão, fibromialgia, osteoporose, artrose, artrite, diverticulose, e outras tantas doenças e sintomas. Juntos gastam boa parte da renda com médicos, exames e muitos, muitos remédios.

Amor? Felicidade? Sexo? Alegria de viver? Isso não me lembro, nem vejo. Só o que vem a minha mente, e só o que vejo até hoje é minha mãe se referir a ele com os dentes cerrados de raiva, impaciência, agressividade, sempre falando mal e criticando meu pai. E ele, cada dia mais irritante, irritado, impaciente, criticando e falando mal da minha mãe. Não vejo felicidade neles.

É tudo muito recente, o que tenho adquirido de conhecimento sistêmico, mas depois que comecei a aprender tudo o que tenho visto, ouvido e lido, sobre as constelações, trago para minha vida dois ensinamentos:

  • “Agora eu sei” que tudo isso são dores deles, escolhas deles e ao mesmo tempo são emaranhamentos, são corpos de dor que não foram curados. Portanto não cabe a mim julgamentos, condenações, muito menos cobrança. Apenas “eu sinto muito”, “eu sinto muito! ” Mas eles são grandes, eles dão conta, e eu sou pequena. Sou pequena diante deles, sou pequena diante de tudo isso, eu sinto muito, mas deixo com eles o que é deles e levo comigo apenas o que é meu. Peço a benção para fazer um pouquinho diferente deles e mesmo assim continuar pertencendo.
  • “Agora eu sei” que existe uma justa razão para ser como sou, uma pessoa pontuda, impaciente, cheia de dores, doenças e sintomas, lealdades. Uma pessoa que errou muito com meus filhos e esposo, e quem vem cometendo inúmeros erros pela vida afora. Uma pessoa triste, mesmo tendo inúmeros motivos para ser feliz. Porque o sexo para mim é tão difícil. Porque o êxito na profissão ainda não aconteceu. Mas não é porque existe uma justa razão que tenho o direito de continuar agindo dessa forma. Que eu sou responsável, de não só olhar para tudo isso, mas responsável em fazer diferente, em fazer terapia, em fazer constelações, em fazer movimentos sistêmicos que curem tanto o meu corpo de dor, quanto os emaranhamentos, tantos os trazidos de suas vivências, quanto os formados desse relacionamento entre esse homem e essa mulher que são meu pai e minha mãe.

Não digo que isso está curado e resolvido em mim, mas me alegro em saber que existe um caminho, uma jornada para percorrer em busca de fazer diferente. Não para ser melhor que eles, nem maior, apenas um pouquinho diferente, para que possa honrá-los e alegrá-los com minha vida. Agora em mim, vocês podem, agora nós podemos. Como diz Robert Fulghum: "Já sei praticamente tudo o que é necessário para viver com dignidade... claro que viver já são "outros quinhentos"!

 


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