Felicidade... é uma questão de estratégia.
Interessantes memórias surgem aqui e agora, sobre as minhas profissões, desde os 13 anos, quando comecei à trabalhar como secretária em um escritório imobiliário.
Conforme já descrito em outros textos, minha infância foi abreviada por conta da perda do meu pai quando eu tinha dez anos, e a nossa vida, da noite para o dia, mudou muito!
Mesmo antes de começar a ingressar no mercado de trabalho eu já articulava como podia... financeiramente, emocionalmente... acreditava ser minha a responsabilidade de prover. Claro que isto não era elaborado desta forma na cabecinha de menina de dez anos.
Minha ideia de mercado de trabalho ainda era muito restrita e eu ia “investindo” como podia. Recordo que assim que pude, fiz um curso de datilografia e foi muito útil!
Meus sonhos me conduziam sempre ao ajudar às pessoas, sobretudo a minha mãe. Ainda presenciava grandes angustias e tristezas na alma daquela pequena, grande mulher, admirável criatura! Aí começava a minha relação com tempo, dinheiro, muitas fichas caindo.
A função de secretária começava a me desafiar profundamente! Nesta época, com 13 anos, ficava para trás a minha adolescência e nem pensava mais na infância perdida... Me sentia uma mocinha muito responsável.
Logo viria o baque!
Um belo dia, sumiu da gaveta do meu chefe um cheque.
Este cheque era para pagar a folha de funcionários e era minha responsabilidade guarda-lo. O meu chefe, que me assediava, olhou para mim com ar de quem iria me estrangular, afirmando que o “cheque havia sumido” e que eu deveria achar.
Não sei descrever em palavras o que senti neste dia! Vergonha, medo, raiva, desespero, tudo ao mesmo tempo! Eu não poderia imaginar a minha mãe sabendo disto! Ela já tinha problemas demais e era comigo, ali, resolver, ou...
A tarde começava a virar o maior dos pesadelos e humilhações da minha existência de menina. Me recordo e sinto do chefe me pegar pelos cabelos (eu tinha cabelos negros e longos), literalmente me arrastando pelas ruas, no Bairro Bom Fim em Porto Alegre/RS, repetindo:
"Darás conta disto frente ao gerente do Banco, confessando que roubastes o cheque dos funcionários e por isto, eu não vou poder pagá-los hoje."
Ele me arrastou até o Banco Sul América. Minhas lágrimas corriam, meu corpo tremia, e tudo me levava a crer que eu seria amordaçada, presa, algo do gênero. Entramos no banco e todos os olhares se voltaram a mim e à ele.
Ele sentou-se em frente ao gerente e disse: Trouxe esta “guria aqui” para que ela confesse onde meteu o cheque dos funcionários e para que sejam testemunha disto. Naquele momento vi o gerente do banco como um aliado, pois ele dizia:
"Senhor, pare, é só uma menina, não há necessidade de fazer isso, nós daremos um jeito para que tudo se resolva e a folha de pagamento seja honrada na conta da sua empresa."
As pessoas me olhavam e cochichavam... Eu não tinha condições de nada além de dizer: "Não fui eu!"
Aquilo durou uma eternidade! Retornamos ao escritório, com ele agarrado aos meus cabelos. Lá todos me olhavam sem dizer nada, ninguém intercedia! Ele me disse: "Trate de achar o cheque, caso contrário, estarás na rua e reportarei à polícia!"
Eu fui de cabeça baixa, com meu coração quase saindo pela boca, remexer nas gavetas para procurar o cheque. “Deus” me ajudou, a mãe divina e todos os anjos!
Estava na parte do fundo da gaveta dele, preso entre outros papéis. Agarrei-o firme em minhas mãos trêmulas e disse: "Achei." Daquele dia em diante, só vinha à cabeça o seguinte:
"Dinheiro é ruim! Levou o meu pai e agora me coloca nesta situação."
Eu entreguei o cheque à ele e disse: "Nunca mais volto aqui!" Perdia o emprego, mas minha dignidade estava presente e minha gratidão aos Céus! O desfecho disto rendeu muito! Mais tarde, quando minha mãe chegou do trabalho, eu já estava em casa, despedida, sem sequer um pedido de desculpas!
Este foi o meu primeiro contato com dinheiro, trabalho, tempo... tempo que eu queria esquecer.
Por longos anos eu nunca contei à minha mãe sobre o ocorrido. Somente quando completei 18 anos. Ela nunca me questionou ter sido demitida. Apenas dizia: "Não tem problema, logo terás outros empregos..."
Eu a via sempre mais absorvida por seu trabalho e preocupações em colocar comida na mesa e sustentar à nós três.
Hoje, aos 58 anos e muitas vivências, entendo que todos passamos por muitas questões na vida e que os desafios, sejam de que ordem sejam, nos fortalecem. Temos a opção de nos colocarmos como vítimas ou aprendermos, sendo melhores à cada novo amanhecer.
Entendo também que dentro do nosso sistema familiar existem muitas memórias relacionadas ao que me ocorreu. Hoje sou agradecida por tudo que aprendi e aprendo, sendo quem eu sou.
Não tenho mais esta relação “ruim” com o dinheiro, nem atribuo à esta energia, a morte do nosso papai, mas também não tenho lá grandes ambições materiais. Entendo a abundância da vida,pelo viés do ser, tendo... e não ter para ser.
Não classifico as pessoas por suas “posições” sociais ou posses. Acredito que todos, aos olhos deste grande Pai e grande Mãe, somos merecedores(as) e viemos aqui para sermos felizes e gerarmos benefícios dentro dos nossos propósitos de vida.
Meu propósito está claro e à cada novo dia busco aperfeiçoar-me mais, como humana. Lido com a desumanidade com outras leituras. Sobretudo, buscando não julgar, pois quem julga, um dia, será julgado(a).
Entrego, confio, aceito, dentro do que me tocar. Gratidão aos meus pais que sempre me ensinaram valores dos quais não abro mão.
Liana Utinguassu