Vamos começar com um conceito, só para variar:
"Possuir o perfil multitarefa é ser capaz de fazer várias atividades ao mesmo tempo mas sem perder a qualidade durante o processo".
Agora, vamos ao motivo do conceito. Um dia desses eu vi uma propaganda que fazia, a meu ver, uma clara apologia ao perfil multitarefa. Em um primeiro momento, isso pode parecer super legal. Afinal, quem não gostaria de fazer bem feito um bilhão de coisas ao mesmo tempo, com uma perfeição incrível. Juro que eu adoraria.
O mundo caminha a passos largos, já a um bom tempo, em direção ao faça mais, produza mais, seja mais independente. Preciso deixar claro que um de meus sonhos de consumo é ser independente, mas de tudo aquilo que me impeça de ser eu mesma. E se tem uma coisa que eu não sou é multitarefa. Por uma série de razões, pessoais, de personalidade e, até mesmo, de idealismo.
Voltando à propaganda e sua apologia: era um rapaz que tinha se tornado micro-empreendedor frente à crise, e que fazia absolutamente tudo em seu negócio solo. Certamente, o perfil ideal para os dias de hoje. Essa ideia vende mais que água no Verão.
Mas, será que precisaria mesmo ser assim? Você poderia dizer que estou puxando a brasa para minha sardinha, porque afinal não tenho tal perfil e que deveria me esforçar um pouco mais para galgar esse mesmo sucesso. Eu responderia: - SIM!! Estou mesmo puxando a brasa para minha sardinha, mas não só isso.
Eu acredito que existam, sim, muitas pessoas com esse perfil. E não vejo nenhum problema nisso, desde que lhes seja natural. Tenho amigos que, segundo os próprios, só funcionam sob pressão. Claro que não é o meu caso, sob pressão eu empaco mais que mula.
Mas, o verdadeiro motivo de eu estar refletindo sobre esse tema é que o que chamamos de globalização vem tornando o ser natural uma coisa cada vez mais impossível. O fato é que estamos servindo ao Sr. Dinheiro e não o contrário. Aí você pode dizer: - Faz tempo, qual a novidade?
Nenhuma, e esse é o problema!!! Se torna, cada vez mais, normal um desgaste emocional maior, um desperdício de talentos, um excesso de esgotamento físico e outras áreas da vida, extremamente importantes, sendo deixadas para trás, como família, lazer, cultura, o viver a vida. Isso sempre foi assim, mas não deveria ser uma promessa de vida mais fácil e tranquila a medida que o mundo evolui? Com tantas tecnologias "facilitando" nossa existência?
É claro que pode parecer que estou falando bobagem, afinal a vida é uma sobrevivência, onde valores internos, como amor, cultura e prazer não são de primeira necessidade, quando as economias mundiais afundam como banheiras velhas em um mar revolto e, exatamente, por causa disso. A infelicidade não ajuda a economia.
A inversão de valores nos fez escravos da matéria, e infelizmente isso virou o normal. Toda a essência da vida e do humano foi sendo moldada por uma cultura materialista onde quem pode mais, além de chorar menos, ainda ri da "desvantagem" alheia.
O que mais me chamou a atenção na propaganda, que era um "case" de sucesso, com glamour e motivos para comemorar, é que passa uma ideia feita para iludir e emgabelar desaviados de plantão, com o intuito de reforçar a ideia de que só ganham os empreendedores, os pioneiros e os vencedores. E aqueles que vencem sozinhos.
Não estou com isso, querendo dizer que o ser monotarefa esteja fadado ao fracasso, estou querendo dizer que as pessoas estão sendo, sutilmente, incentivadas a colocar em primeiro lugar suas necessidades individuais, esquecendo que podemos dividir com outros não apenas nossos proventos, mais nossos talentos, parcerias, delegando tarefas que não podemos ou não queremos realizar (porque ninguém é obrigado, a não ser acredite).
Milhares de pessoas estão sem profissão, sem oportunidades e perspectivas apenas porque o mundo dispensa aquilo que não dá lucro, aquilo que não "resolve" a dor do cliente, dor essa criada apenas para ser mais um nicho lucrativo.
Isso é apenas um desabafo, não tenho a pretensão de transformar nada e nem ninguém, estou apenas puxando a brasa para minha sardinha, por acreditar que mais importante que "sobreviver no luxo", prefiro impedir que minha vida vire um "lixo".