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O TEXTO DE UMA VIDA INTEIRA

O TEXTO DE UMA VIDA INTEIRA
Andre Coneglian
nov. 26 - 7 min de leitura
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Como pode um texto ser de uma vida inteira?

Não cabe a vida inteira numa folha de papel, em mil palavras ou em dez mil palavras ou cem mil, seja quantas forem. A vida real, de todas as horas, minutos, segundos que se tornam dias, meses, anos, décadas. Pois é o que somos, seres mortais, um amontado de décadas.

Duas datas na lápide!

Mas, o intervalo entre elas, ah, é sobre isso que escrevo. A vida! A vida real. A vida real não cabe no papel, seja num romance, numa novela, numa peça de teatro, num roteiro de filme. Ainda que autobiográfico, não cabe, o papel não comporta. Por isso, entre outras maravilhas do texto escrito, amo o poema “Biografia”, de Cecília Meireles.

Sem preocupação com regras e estilo, escrever para mim primeiro, na tentativa de ser compreensível depois.

Entretanto, o fato e a consciência da vida real não caber no papel, não é impeditivo para escrever. É preciso escrever. Escrever, escrever, escrever!

Por necessidade, como é o meu caso, escrevo. Já escrevi muito mais em anos passados do que escrevo hoje. Sem preocupação com regras e estilo, escrever para mim primeiro, na tentativa de ser compreensível depois. Folhas e mais folhas do que chamei de diário, devocionais, orações escritas, percepções dos dias.

Escrever!

Escrevi tanto, tanto, que criei um calo nos dedos da mão direita, pois coube a mim ser destro, ainda que desejei ser canhoto ou um ser completo: ambidestro (canhodestro!)Escrevi sobre isso num dos meus trabalhos favoritos, redigido para uma disciplina da universidade. Escrever para mim sempre foi um imperativo, escrevi assim. Da minha família – pai, mãe e irmãos, sem pestanejar, sou o que mais escrevi.

Mil vezes mais.

Porém, há outros sujeitos que já morreram inclusive, mais jovens e, que escreveram dez mil vezes mais que eu. Há aqueles que continuam escrevendo e escrevendo, por muitos motivos: pessoais, políticos, religiosos, financeiros. O importante é escrever!

Falar e falar bem também é uma arte.

Escrevi num dos grupos de rede social que participo que precisamos nos apropriar do poder da palavra. Da palavra falada: ouvir aos outros, pensar, refletir, ponderar e também falar. Falar e falar bem também é uma arte. Apropriar-nos da palavra escrita: ler, ler, ler, ler muito, todo tempo, tudo que quiser e puder ler. Também escrever, escrever, escrever e escrever.

Antes de escrever no grupo, disse o mesmo para uma turma de jovens do Ensino Médio, alunos de uma grande amiga-irmã, que me convidou para falar com eles sobre o meu amor por Cecília Meireles – pois ensinava a eles um determinado período da poesia brasileira e alguns poetas, entre eles Cecília. Tenho esperança de que minhas palavras tenham surtido efeito. Ao menos, que sejam sementinhas que no devido tempo, florescerão.

É oxigênio para mim!

Vencida a timidez de pelo menos duas décadas de vida, na universidade, preparando-me para ser professor, seminários, estágios, regências. Vida acadêmica, mestrado e doutorado, entre um e outro tornei-me professor. Falei muito sobre muitos temas: Educação, Educação Especial, Educação de Surdos e tenho lido, escrito e falado sobre muitos outros novos assuntos.

É oxigênio para mim!

O texto de uma vida inteira! Estará no bilhete do suicida? Numa carta de amor? No testamento de um moribundo? O texto de uma vida inteira está na soma de todos os escritos que uma pessoa escreveu em vida? Talvez, pois meus escritos dos meus idos 19 anos não sou eu. Aqueles escritos registram uma pequeníssima parcela do autor que fui naquela época.

É a tentativa da ilusão de uma possível eternidade...

Não importa! O importante é escrever. Escrever, escrever, escrever. Um dia, quando a data derradeira chegar, a segunda data da lápide estiver determinada, pois a morte é pragmática, o texto de uma vida inteira, da minha vida, alguém se interesse em reunir, tudo o que escrevi e buscar um sentido, interpretações, o que eu estava vivendo na época, o que eu queria dizer com este e aquele trecho... Será petulância acreditar que alguém se interessaria por minhas palavras? É a tentativa da ilusão de uma possível eternidade, como desejou Anne Frank, escreveu no seu diário, escondida no sótão.

Lá nos idos de 2003 escrevi um “poema” intitulado “Perdoe-me se eu morrer”. “Perdoe-me se eu morrer ao amanhecer”, “Perdoe-me se eu morrer ao entardecer”, “Perdoe-me se eu morrer ao anoitecer”, “Perdoe-me se eu, simplesmente, morrer” são as frases iniciais das quatro estrofes do poema.

Escrever é terapêutico.

Tenho manuscritos, tenho textos digitados, perdidos nos meus computadores antigos, no Google Drive, em folhas avulsas, tenho dois blogs, um que continuo “alimentando” e outro que agora é um museu virtual, reunindo trechos daquele que será o meu texto de uma vida inteira.

Tenho necessidade de escrever sobre tantos assuntos: vida e morte são uma constante, mas também escrevo sobre leituras que me marcaram, sobre fatos corriqueiros que ganham importância – ao menos para mim, por isso escrevo sobre eles. Escrevi sobre uma mala que viajou 11 dias! Escrevi sobre a dominação das formigas!

...somos nossos primeiros leitores.

Escrever é terapêutico. Sim. É um exercício catártico! Aconselho: escrevam. Foi assim que escrevi o meu primeiro livro “Cartas do Menino do Quarto para o Mundo”, nesse ano de 2020: um processo terapêutico sobre o processo de identificação da superdotação já adulto.

Como disse a querida Professora Stela Muller, quando eu estava na universidade: mesmo que escrevemos para não mostrar para ninguém, escrevemos para nós mesmos, somos nossos primeiros leitores. Ao lermos o que escrevemos é como aquela sensação do seu espírito fora do corpo, você está vendo a si próprio.

Escreva para mim!

Portanto, escreva!

E quando tiver coragem, compartilhe o que escreve. Primeiro com os amigos mais próximos, depois com as pessoas que vão se aproximando e, de repente, terá amigos que primeiro conheceram seus escritos.

Por fim, as pessoas do futuro saberão da sua existência, porque teve coragem de escrever. Assim como conheço Clarice, Cecília, Albert, Doyle, Drummond, Veríssimo pai, Veríssimo filho (vivo), Bandeira, o Manuel e o Pedro (vivo). Tantos outros e não tão famosos, mas que leio, e aprendo, e cresço, pois tiveram coragem de escrever.

Escrevam! Para vocês mesmos, para aquela determinada pessoa, para todo mundo. Escreva para mim.

 

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