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Pensando sobre o Meu Dia das Mães

Pensando sobre o Meu Dia das Mães
Paula Azevedo
mai. 11 - 8 min de leitura
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Hoje é domingo, 10 de maio de 2020. Há 02 dias, Hakim, meu primeiro filho, completou 07 anos e por causa deste evento muitos sentimentos chegaram com força em meu coração.

Hakim é meu primeiro filho, mas não ó único. Depois dele houveram mais 02 filhos amados que permaneceram pouco tempo conosco e não puderam nascer. Eles também fazem parte da nossa família e estão eternizados em nossa história, em nossos corações e no meu corpo em forma de tatuagem.

Quanto minha experiência com o Hakim, posso afirmar com toda certeza que sou uma mãe orgulhosa e feliz, mas minha inauguração no mundo materno foi bastante difícil. Circunstâncias difíceis de eminente risco de morte envolveram meu parto, roubaram a alegria e leveza que eu imaginava que deveriam estar presentes naquele momento. Eu já ouvi uma vez que deveria esquecer esta página difícil da minha vida e da história do meu filho, mas não tem como falar do milagre que ele é, sem falar dos horrores, sim eu disse horrores e das dores pelas quais eu e meu marido passamos.

Passado primeiro desafio de assistir o Hakim lutar pela sua vida e vencer, percebi que a primeira tarefa como mãe estava para além de amamentar, trocar fraldas e banhar... Havia um bichinho a quem caberia à mamãe humanizar... Mas Paula, nós já não nascemos humanos? Na minha perspectiva não. Humanizar um ser humano pode parecer à primeira vista um processo fácil, mas eu te digo que é uma tarefa árdua, cansativa, entretanto compensadora. É o pai, a mãe, os avôs, as avós que dão humanidade às nossas crias, ensinando-lhes a ser empáticos, disponíveis, a identificar e nomear os sentimentos, permitindo sua expressão corporal e artística, educando os sentidos, ensinando a acolher e a respeitar as diferenças, a dar voz ao que não tem voz, dando visibilidade ao que é invisível. Só se pode humanizar outro alguém quando me reconheço como humano, como humana. Ser humana neste tempo, não é fácil, somos desumanizados o tempo todo, ou quando somos separados em dois grupos de uma mesma espécie em que uns podem e tem direitos de ser humanos e outros não...

Uma outra responsabilidade que me cabe como mãe são as dores, delícias e angústias de se criar uma criança preta, um menino preto, destaco menino preto porque o gênero faz muita diferença na trajetória e no destino que uma pessoa pode ter neste contexto. Todos os dias, sem exceção falo para o Hakim que ele é lindo... Ele é lindo, mas carrega um “estigma” que é a pele preta... Eu digo que é um estigma para os outros, não para nós... E o ensino a se autorreferenciar, diferentes são os outros. Como diferente não estou tratando como melhor ou pior, nem hierarquizando, mas tratando a todos com igual valor... Se ele se vê lindo como é, pode reconhecer a beleza de outras crianças negras, identificando as similaridades e pode reconhecer a beleza das crianças não negras, sem querer ser igual a elas para ser aceito, amado ou estimado.

Hakim carrega no rosto uma marca de nascença, para nós é um charme, uma graça, para muitos desperta curiosidade, nós o ensinamos a amar sua manchinha, pois ela o  destaca dentre os demais, mas de vez em quando aparece alguém que pergunta quando e como vamos tirar “aquilo da cara” dele.

Hakim tinha apenas 04 anos quando me perguntou se a polícia também matava gente branca. É duro quando temos que explicar para ele que os que possuem nossa cor são a maioria na prisão, são os que mais passam fome, os que possuem os empregos menos atrativos, os que possuem as casas menos confortáveis, que são os mais pobres e que isso não tem nada a ver com mérito como dizem por aí... Ele sabe que somos pobres e que não temos uma vida confortável, mas mesmo com o pouco que temos, ainda assim somos privilegiados porque temos casa, boa comida, transporte próprio, educação e direito e ir e vir. E por falar em direito de ir e vir, o garoto está crescendo e o coração de mãe apertando a cada ano... Entendedores, entenderão...

Hakim é um menino, que um dia se tornará um homem. E por aqui homem chora, homem cuida da casa, homem gosta de cozinhar, homem cuida de crianças. Por aqui, mundo masculino não significa somente azul, mas também é rosa, amarelo, verde e vermelho, que segundo o Hakim é sua cor preferida. Ele gosta de brincar lutinha, de carrinho, mas adora correr, pular, se movimentar, de brincar de boneca com as primas e com a vizinha, com esta também gosta de colorir, confeccionar cartões e ficou encantado quando uma menina na escola desafiou os meninos a batalhar beyblade na hora do recreio. A garota subverteu a ordem e ele ficou de queixo caído...

Hakim é sensível, emotivo e é lindo ver isso... Ele não é chorão, mas chora quando sente dor, tem chorado de saudade... Criar um menino que respeita o que sente é um desafio, me sinto uma ilha, cercada de ideias tais como: “homem não chora”, “isso é de menina”, “meninos são durões, machões”... Hakim já sabe que os gays existem e que eles merecem respeito!

Dito tudo isso, hoje compreendo que meu maior desafio na maternidade é revisitar minha própria infância, na infância do meu filho... Revisitar as sensações, emoções, os sabores, os saberes, mas também as dores e traumas. Ao nos tornamos pais e mães  é nos permitido sermos crianças de novo, mas a aproximação da infância por meio do filho pode ser conflituosa se não fizemos as pazes com nosso passado. Por isso, a relação com o filho criança pode ser a oportunidade para trazer nitidez, clareza à nossa consciência e paz ao nosso coração.

Felizes são aqueles que tiveram uma infância feliz e sem traumas, mas a maioria dos adultos tem algum nó ou alguma queixa do passado, digo isso porque a infância real não é nada romântica, pelo contrário, é uma fase permeada de violência, isso mesmo VIOLÊNCIA, que muitas vezes não percebemos porque a naturalizamos. Naturalizamos a palmada, as chineladas, os jogos de manipulação, a opressão, as palavras depreciativas, os xingamentos, os gritos, os rótulos que selarão os destinos.

E acredite quem reproduz a violência sofrida na relação com os filhos não são aqueles que os odeiam, pelo contrário, são aqueles que os amam e os querem bem, que se sacrificam por eles e são capazes de lhes dar a vida mais uma vez, mas que carregam uma puta dor dentro de si, muitos nem sabem o que dói e onde dói... Porém para que se quebre o ciclo da violência, esta dor precisa ser vista, identificada e apaziguada.

Ser uma mãe melhor está longe de ser consumida pela culpa que me é imposta pela sociedade de ser perfeita, nem dar ouvido às minhas loucas exigências internas, mas está em me reconciliar com minha infância, sem negar nada do que se passou. Incluir tudo: cada desconforto, cada dor, as privações, os vazios, os nãos, os sins, permitir que cresça o que ficou atrofiado, assim meu filho fica leve e agradece...


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