Acima de um passado que está enraizado na dor
Eu me levanto
Eu sou um oceano negro, vasto e irrequieto
Indo e vindo contra as marés, eu me levanto
Deixando para trás noites de terror e medo
Eu me levanto
Em uma madrugada que é maravilhosamente clara
Eu me levanto
Trazendo os dons que meus ancestrais deram
Eu sou o sonho e as esperanças dos escravizados
Eu me levanto
Eu me levanto
Eu me levanto!
(Maya Angelou)
É dito que quando Bert Hellinger, organizador da Constelação Familiar escreveu seu primeiro livro, Anne Ancelin, psicoterapeuta focada na trans-geracionalidade e terapia familiar, não quis escrever o prefácio do livro dele sob a denúncia de que Hellinger não teria dado os devidos créditos às terapias e aos terapeutas dos quais ele se utilizou para escrever.
Sabe-se que Hellinger se inspirou profundamente na vida do povo Zulu para criar sua terapia. Aliás, creio que se ele não tivesse sido enviado à África e tivesse convivido com esse povo por 16 anos, talvez a Constelação Familiar não existisse hoje.
Os zulus são africanos, pessoas pretas, que tiveram parte de seus valores e sua cultura reverenciados depois que foram ditos pela boca de um homem branco europeu.
É isso! Não tem como dizer de outra forma.
Eu gostaria de elucidar que embora lugar de fala seja uma discussão necessária, essa conversa não é sobre criar um sentimento deles contra nós, é apenas uma reflexão de verdades pouco pensadas e ditas.
Observe as 3 leis básicas da Constelação, que são:
Lei do Equilíbrio: Equilíbrio entre dar e receber, completamente violada pela escravidão... ;
Lei da Hierarquia: todos devem respeitar o lugar que cada um ocupa, não decidir o lugar que o outro tem que ocupar para que somente pessoas “autorizadas” tenham privilégios;
Lei do Pertencimento: todos têm o direito de pertencer. Isso significa que participação e aceitação devem ser garantidas a todos.
Segundo Hellinger, baseado nos valores zulus, essas 3 leis são naturais, todas as relações as obedecem, e quando há algum conflito ou algo que impede a realização de qualquer uma dessas leis, há uma pressão do sistema para que se restabeleça a ordem.
Por exemplo, pela lei do pertencimento, se excluirmos, não aceitando ou impedindo a participação de alguém, “anomalias” serão geradas na nossa vida e na vida de todos pertencentes ao sistema, até que a ordem se restabeleça.
Percebeu até onde o buraco vai?
Quando homens pretos e mulheres pretas foram trazidos para o Brasil para ser escravizados, eram obrigados a dar voltas em torno de uma árvore chamada ‘árvore do esquecimento’ (uma árvore provavelmente frondosa, lembrando baobás, símbolo da Constelação, afinal).
O objetivo era que se esquecessem de quem eram, abandonassem suas histórias e identidades, para que despedaçados, pudessem aceitar as condições da nova vida.
A história escolar da minha época não me contou sobre isso, disse-me apenas que eu descendia de escravos, como se aquelas pessoas tivessem nascido assim.
Da mesma forma, é difícil perceber o reconhecimento pelo uso da força, capacidade, valores, cultura... da cultura africana para construção de tantas coisas maravilhosas no nosso país e no mundo: como a Constelação, por exemplo.
Nesse mês, dia 20, comemora-se o dia da Consciência Negra, e eu espero que não seja só um dia para o povo preto voltar à árvore e dar voltas no sentido contrário, mas que seja uma oportunidade de expansão de consciência para que percebamos quanto temos sido negligentes sobre aceitar e permitir participação efetiva e bem vinda do povo preto no nosso país.
Quem procura a Constelação Familiar mas ainda não entendeu a relevância que a saúde dos sistemas tem para nossa própria saúde, ainda não compreendeu verdadeiramente o que significa essa terapia.