As transmissões ao vivo da Série: "Educação Começa em Casa", com Olinda Guedes, têm sido uma bênção para pais, professores, e demais pessoas que desejam aprender mais sobre como olhar de forma sistêmica para as crianças.
Bem, o que muitos de nós nos esquecemos, é de que também já fomos crianças, e talvez tenhamos sido crianças com uma infância não tanto feliz. Sim, crianças que não tiveram felicidade no seu período de infância, tendem a esquecer mesmo. Afinal, quem gosta de lembrar do sofrimento?
Mas todos temos um lugarzinho escondido no cérebro chamado subconsciente, e que insiste em continuar mandando estímulos, resquícios de memórias para o consciente, normalmente em forma de dores, irritação. E cada vez que nos deparamos com situações de conflito, essas memórias são ativadas e trazem sofrimento, despertam o nosso corpo de dor.
Sou professora, e ao longo dos meus anos de magistério percebi na pele o que acontece com os profissionais da educação. Tanto é que a maioria dos afastamentos nas escolas se dá por conta de síndromes e depressão.
Nossa! Como pode? Sim, pode, pois cada conflito vivido na escola desperta o nosso corpo de dor, traz de volta a nossa infância, a infância dos nossos pais, dos nossos avós. Traz memórias transgeracionais de uma infância totalmente contrariada, onde as crianças não tinham voz nem vez, quiçá carinho, colo, atenção.
Somos um país de muitas diversidades e etnias, e de muitas adversidades também, como o restante da humanidade... Carregamos memórias de muita dificuldade, de privação e escassez de alimentos, de escravidão, de tortura. Lembranças de dor, no mundo sistêmico, vão sempre ecoar enquanto não damos um espaço e um olhar amoroso a elas.
Daí a importância de conhecermos um tanto mais da nossa origem. Quantos professores fazem a pergunta e lançam para os seus alunos: Quem sou eu? Faça um texto de 15, 20 linhas sobre a sua história. Ah, que bom, uma produção textual. Mas será que o professor já fez esse levantamento sobre si mesmo? Será que além da correção dos erros ortográficos, o sofrimento do aluno é lido nas entrelinhas, assim como exigimos em língua portuguesa, sobre as habilidades de ler e interpretar um texto e compreender o que ele tráz?
Todos nós nos queixamos da realidade, das tempestades que a vida apresenta, mas raramente nos perguntamos se também não temos participação nisso tudo.
Quanta briga, quanta revolta, quanta bagunça nesta ou naquela sala de aula! Deus do céu, não aguento mais! Afastamentos: calo nas cordas vocais de tanto gritar, surdez parcial, de tanto ouvir gritos, acuidade visual cada vez mais prejudicada, Síndrome de Burnout, depressão. Burnout? O que é isso? Esgotamento físico e mental provocado pela intensidade da vida profissional. Alguém se identifica?
Sim, estamos lá, professores e alunos, encarcerados por trás dos muros da escola, sem realmente conseguir encontrar uma fresta de sol. Talvez ali estejam sendo liberadas memórias das senzalas, dos campos de concentração, das guerras. Ah, como eu amava as aulas de história! E ainda amo, pois como terapeuta, estudo história até hoje, e me lembro de ter chorado muito, quando meus professores contavam sobre como os negros escravizados eram tratados, como os judeus foram praticamente exterminados nos campos de concentração. E olha só, nas minhas pesquisas descobri um antepassado que trabalhou no Campo de Concentração de Auschwitz, na Polônia. Explicada a minha emoção! Já imaginou quanta coisa aqueles olhos viram? Quanta dor os seus ouvidos ouviram? Quanta culpa, impotência não devia ter habitado o seu coração?
Então, olhar através dos muros da escola é perceber mesmo que esses ambientes que deveriam ser de alegria, estão se transformando num caos.
Ah, mas Fulano nunca vem para a escola! E no mês passado você se afastou do trabalho por 10 dias. Quem bênção! Você é uma pessoa adulta, esclarecida, empregada, talvez tenha plano de saúde. E o seu aluno?
Talvez tenha uma mãe, um pai desconhecido na sua certidão de nascimento, ou já esteja destituído da família, vivendo em uma Casa Lar, a espera de conseguir uma nova família. Quem sabe não tinha o que por nas panelas, ou não veio para a escola porque a sua única peça de roupa tenha sido lavada e não secou por falta de sol, secadora ou fogão à lenha.
Oh... será? Mas por que a equipe pedagógica não comunica essas coisas para o professor?
Ora, quem passa a maior parte do tempo com os alunos? Nós, professores!
Você que é um professor, já experimentou perguntar ao seu aluno como ele está? Como foi o seu final de semana? Se ele está bem de saúde?
Eu costumo perguntar isso todos os dias, e pasmem: as respostas me dão conta exatamente de toda a história deles. E agora que eu sei?
Agora que eu sei, eu posso fazer a diferença! Ah, mas então eu vou sair "constelando" os meus alunos na escola? Claro que não! A constelação é uma ferramenta linda, que deve ser utilizada de maneira consciente, é um método maravilhoso de intervenção terapêutica, mas não apenas isso: um verdadeiro constelador tem atitude diferenciada perante a vida, poderia dizer que tem atitude sistêmica, tem um estilo de vida sistêmico, consciente, com uma compreensão mais ampla da vida. Deste modo, reconhece que cada aluno tem em si toda a memória de sua ancestralidade, tem o destino, perante o qual nós Consteladores, devemos manter sempre humildade e respeito.
No livro "O que traz quem levamos para a escola", a professora Olinda fala sobre isso. Você já leu? E o livro "Você é um de nós", da Mariane Franke Grickch? E o livro "Olhando para a alma das Crianças", de Bert Hellinger? Olha só! Um parágrafo e três lindas obras que podem nos auxiliar nesta empreitada educacional.
É absurda a quantidade de animais perdidos, sujos, doentes, sem dono, sem lar, que aparecem nas escolas. Estão procurando o seu lugar! Querem pertencer!
Ah, então quer dizer que temos que adotar esses bichinhos? Alimentar? Sim, devemos! Mas vai além! Além de cuidar deles, devemos olhar além das aparências.
Você sabia que os bichinhos constelam pra nós? Tanto quanto as crianças? A natureza é tão linda, os sinais são tão evidentes. Os animais ali estão representando todos nós, tanto crianças como professores. Doentes, abandonados, perdidos em sua vida e profissão.
Deus do céu!
Esses dias um aluno pregou um cartaz na janela dizendo: Estamos presos, por favor nos salvem! E quando nos deparamos com uma situação dessas, de raiva, de impotência, o que podemos fazer? Escolher um representante para a raiva, outro para o aluno? Não! Constelação não é mágica! E nesse contexto, não ajuda, é apenas curiosidade, julgamento. É preciso respeitar as constelações.
E o que se faz? Se dá carinho, atenção! O amor cura! Ah, mas isso não é função da escola! E o conteúdo?
Então, você que faz a leitura desse texto deve estar se perguntando, mas eu não consigo, não sei como...
Faz terapia! Pra curar a sua criança interior. E entenda que uma criança que não olha para a escola está com sua cabeça voltada para algo maior que ela, está trabalhando arduamente para o seu sistema familiar. Aí você vai perceber que você também está. E agora que você sabe, vai poder transformar a realidade.
Transformar? Impossível, tem os colegas, tem a direção, tem a sociedade, tem a secretaria de educação... Têm também as desculpas! Não espere os ventos soprarem ao seu favor, pois talvez eles nunca soprem. Esteja disponível!
Como aprendemos com a Olinda: os dispostos servem! Quem se importa, serve! Se eu não posso constelar, o que eu faço? Ame! Esteja ali, tenha estado de presença, ouça, valide o seu aluno! Diga: eu vejo você!
Mas lembre-se: Frases não curam! O que cura é o amor, é o estado de presença! Apenas dizer frases de constelação não vão fazer sentido para uma criança. Às vezes não fazem sentido nem para um adulto. O que faz sentido é o afeto, é o toque, é o que as crianças não encontram em casa. Muitas vezes a escassez de alimento não é tão insuportável quanto a falta de pertencimento, de validação.
Permita-se aprender com as crianças! Não são os muros físicos, são os muros emocionais que necessitam ser derrubados em primeiro lugar, são os muros que nos afastam delas: os preconceito, os julgamentos.
Os professores são os adultos dentro da escola, e adultos não alteram o tom de voz. Assim como gritos e autoritarismos geram grandes confusões, elogios e sorrisos fazem grandes transformações.
Todos os dias eu recebo muitas cartinhas, e lindos certificados de "melhor professora". Ego? Não! Mas uma alegria enorme em mudar aquele estado de tristeza!
Talvez você realmente esteja muito reflexivo com tudo isso, mas eu garanto a você de que dar amor, atenção, vale muito à pena! É acessível e cura. Cura a criança? Pode curar sim, mas cura principalmente a você!
Quando dizemos que precisamos derrubar muros e construir pontes, começamos pelo muro que nos afasta da nossa realidade, principalmente da realidade da escola.
Use a imaginação! É possível ganhar o mundo só em bons pensamentos! Quando ultrapassarmos os muros da escola com a nossa alma, o físico vais ser só mais uma construção, está ali, mas não nos impede de nada.
Enxergar além do aparente, é o que desejo a todos nós! Um grande abraço!