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QUANDO SOMOS SURPREENDIDOS PELA MORTE

QUANDO SOMOS SURPREENDIDOS PELA MORTE
Miriam Vilela
jan. 13 - 7 min de leitura
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Um olhar amoroso para os dramas do cotidiano

Ao vivenciar uma situação inesperada, quando fui ao velório de um conhecido de minha filha, fui surpreendida pela solicitação da família, se deveriam ou não contar ao filho que seu pai havia falecido. A mãe não concordava e havia dito a ele que o pai estava viajando. Diante dessa solicitação minha sugestão foi a de que falassem a verdade, pois de outra maneira ele ficaria esperando o retorno desse pai numa angustia interminável e no futuro enfrentaria dificuldades ainda maiores por não lhe ser permitido viver essa situação de perda tão significativa na sua vida. A mãe acatou minha sugestão e fomos até sua casa. A criança estava dormindo com sua avó, pois queriam poupá-la de vivenciar esses momentos tão dolorosos para todos. Ao ser acordado, veio até a sala onde o esperávamos e me chamou a atenção o fato dele ser uma criança já bem crescida para sua idade, veio até nós carregado pela mãe e demonstrou estar surpreso com a presença de tantas pessoas, olhava para todos como que esperando uma explicação.  Eu lhe disse que estava ali para lhe contar uma coisa, se ele queria saber o que era. Acenou com a cabeça afirmativamente e então comecei a lhe contar que seu papai ficou doente como já havia acontecido outras vezes, mas desta vez a doença foi mais grave e ele não voltaria para casa, estaria em outro lugar, no céu, e de lá continuaria a cuidar dele.  

Ele morreu, eu falei já com a voz embargada pela emoção, mas você pode conversar com ele em seus pensamentos, pois vocês continuarão sempre ligados pelo Amor, mesmo que já não possam mais brincar juntos. Você pode rezar por ele e lhe dizer que sente saudades quando isso acontecer.  Neste momento o seu olhar se transformou e senti na profundeza de meu SER que ele havia compreendido que algo muito grave tinha acontecido, seu olhar agora revelava tristeza e dor, mesmo sem a noção das implicações que essa perda poderia gerar em sua vida. Terminei afirmando que quando perdemos alguém querido é natural ficarmos tristes e ele poderia fazer o que sentisse vontade, inclusive chorar se assim desejasse.

Foi então que se encostou em sua mãe e chorou de uma maneira tão intensa que eu pude sentir o quanto essa dor tomava todo o seu SER.  Foi acolhido por ela que reunindo todas as suas forças conseguiu verbalizar que estaria ali com ele e que juntos iriam superar isso. Situação essa reforçada pelos avós que também se encontravam abalados pela dura realidade.

A avó então me disse: Não estávamos preparados para essa perda.

E eu argumentei que por mais que possamos encarar a morte como uma etapa natural da vida nem sempre nos encontramos preparados para ela e por isso nos surpreendemos diante da mesma e das dificuldades em se adaptar à nova realidade.

Como é difícil, pensei: só ela sabe a intensidade dessa dor, e nesse momento o significado da perda ressoou de maneira ainda mais profunda em mim, ao constatar a realidade de muitas pessoas, que mal conseguem dar conta da vida o que dirá da morte. Se deparam com a necessidade de se adaptar a uma nova realidade, de fazer mudanças bruscas, de serem forçados a enfrentar os medos que por muitos anos foram camuflados ou driblados por pequenas atitudes para que não viessem à tona.  Vivem intensamente nesse momento o desapego, embora pouco tenham exercitado esse sentimento. Sentem a vida desmoronar em poucos minutos e ficam à mercê de alguém que os socorra e os ampare em sua dor. Ainda despreparados para a vida, estão à procura de segurança, a procura de si mesmo em suas possibilidades de serem felizes.

Quão grande é a dor de alguém que ainda não se apropriou da vida, ser chamada a encarar a morte dessa maneira, sem aviso, sem tempo de se preparar e sem nenhum sinal de alerta, assim ela se apresenta e só lhes resta curvar-se diante dela.

E são nesses mesmos momentos que todos somos amparados pela força do Amor, mesmo que surpreendidos de maneira abrupta pela perda, algo em nós se apresenta em nome da continuidade da vida. E diante dessa mãe mais uma vez pude constatar essa verdade, pois foi com determinação que acatou a sugestão de contar ao filho a verdade que ela mesma custava a encarar, oportunizando ao mesmo entrar em contanto com a dura realidade da perda de seu pai.  Mesmo, sem ter consciência dessa situação ela confiou na capacidade de seu filho e lhe presenteou com a grande oportunidade de apropriar-se de sua história ainda que com episódios tão doloridos, que lhe permitirão elaborar a perda de maneira real, não fantasiosa e a conviver com os grandes desafios da vida.

Sim, essa criança necessitará ser amparada e se possível conviver com alguém que exerça a função paterna para que tenha um referencial que o impulsione a ir para a vida e ainda que a dor e a saudade façam parte desse contexto poderão ser ressignificadas em gratidão e principalmente aceitação. 

Compreendemos, portanto de maneira ainda mais ampla e profunda o valor da existência como oportunidade de expressão de nosso SER, descobrimos que novas possibilidades sempre existirão, sendo necessário ampliar nosso olhar, para além do conhecido, confiar mais em si, buscar outras alternativas até então desconhecidas no nosso dia a dia, nos engajando na grande aventura de experienciar a vida em toda a sua grandeza, fazendo dela o caminho em busca da realização e do crescimento pessoal. E dessa forma sentindo-nos mais completos estaremos mais preparados a enfrentar as vicissitudes que se apresentam de maneira inesperada.

Assim se faz a nossa história, de episódios escritos pela vida, que por vezes ainda nos surpreendem por não sermos conscientes do verdadeiro sentido de nossa existência.

Desejo fé e coragem para todos que se encontram nessa busca, de SER quem realmente somos.

Miram Barros Franco Vilela

Psicóloga, Psicopedagoga e Consteladora Familiar

 

 


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