Sempre olhei com estranheza casas que não têm quarto da bagunça, que mantêm permanentemente as coisas nos devidos lugares, parecem que não são de verdade, que ali ninguém habita, tipo aquelas de anúncio de vendas de imóveis: “venham visitar unidade decorada”, verdadeiros protótipos de lar com ausência de vida.
Quartos da bagunça resultam do cotidiano corrido, da vida vivida, da dor sentida, de experiências acumuladas, guardam nossas fragilidades dos julgamentos alheios fazendo-nos parecer impecáveis. Têm sua importância... até “salvaram” muitas pessoas no início da pandemia, funcionando como terapia ocupacional e mantendo a saúde mental em dia.
Decerto que durante o isolamento social fomos meio que forçadas a arrumar nossos quartos da bagunça, começamos pelas roupas, calçados, livros, maquiagens, bijouxs, utensílios de cozinha, etc. Reutilizamos algumas peças, outras jogamos fora e ao finalizarmos a organização externa, nos deparamos com a sensação de incômodo decorrente da bagunça interna.
Sabe aquela mágoa que não te cabe mais? Mas você deixa ali, como lembrança de algum momento da sua vida que já passou, isso mesmo, P.A.S.S.O.U., em letras garrafais que insistimos em não notar o tempo verbal no pretérito e teimamos em mantê-la no presente. Nos deixando consumir por diálogos mentais infinitas vezes reprisados, num movimento vai-e-volta, similar ao jogo de ping-pong, “eu devia ter dito”; “eu não devia ter dito”, “eu podia ter feito melhor”, “eu poderia ter pensado melhor”, e por aí seguimos nos maltratando mais e mais, enchendo de culpa nosso ser, ampliando a desordem íntima como verdadeiras acumuladoras de tralhas emocionais mal resolvidas.
É inegável que a bagunça faz parte da casa, da vida, da nossa humanidade, isso mostra que não somos robôs, máquinas feitas de metal azeitadas a óleo. Somos de carne e osso, perecíveis, por isso precisamos nos cuidar, arrumar periodicamente a bagunça feita por nossa eterna criança interior.
E assim, quando na lida diária precisarmos de alegria, compaixão, amor, fé, paz, possamos achá-las facilmente, sabendo onde cada um desses e outros sentimentos positivos se encontram, sem precisarmos ficar nervosas e estressadas, ao ponto de desistirmos deles e/ou de nós.