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Se minhas ancestrais pudessem falar

Se minhas ancestrais pudessem falar
Lilian Cláudia Guimarães Rosa
nov. 5 - 3 min de leitura
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Carta para os ancestrais

Nem me lembro mais como a história começou. Sei que estávamos lá, na África abençoada e de lá fomos trazidas pra cá. Foi assim que ficamos escravas.

Saímos da mãe, como rainhas, princesas, mulheres comuns e aqui chegamos  escravas. Escravas vendidas, vilipendiadas. Éramos muitas vezes usadas, abusadas, estupradas e mortas. Mas que diferença fazia, éramos apenas escravas, se o preto nem tinha alma? Quem diria as mulheres.

Eles nos usavam, para saciar os mais estranhos desejos. Usavam os nossos corpos e depois nem se importavam com o que nos acontecesse. Nossos filhos ou eram mortos ou vendidos ainda pequenos para outras paragens e nunca mais os veríamos de novo. O leite jorrava de nossas mamas cheias, muitas vezes íamos matar a fome dos pequenos brancos que choravam de fome.

Éramos moeda de troca, depois de velhas, largadas na senzala para morrer a mingua.

E o tempo foi passando, entre idas e vindas continuamos mulheres. Habitamos vários corpos, falamos varias línguas, mas nada mudava, continuamos sendo maltratadas.

Como compreender essa necessidade de outros irmãos tratarem as mulheres dessa forma? Nunca fomos respeitadas, nunca tivemos nossos direitos respeitados. Mulheres negras, indígenas, árabes ou simplesmente mulheres.

Fomos muitas vezes abandonadas por aqueles que deveriam cuidar, trocadas por peças mais valiosas, para logo em seguida sermos abandonadas novamente.

A nossa alma sangra de saudades.

A alma sangra pela liberdade, pelo respeito, pelo amor.

Buscamos o amor, o respeito...

Olha minha querida, esse tempo hoje vai longe, vejo você aí buscando as mesmas coisas que nós queríamos, então minha filha me responda, o que mudou??? 

A África está aqui dentro dos nossos corações, vejo a mesma dor latejando em seu coração. Quem me dera eu conseguisse pegar essa dor e desfazê-la no mar, entregando a nossa Mãe Iemanja, pra que ela levasse para o fundo do mar.

Para Yansã, para que ela levasse nos seus ventos para bem longe e que as flechas de Oxossi te mostrassem o caminho para que você aprendesse a não mais chorar. Pediria a Xangô que fizesse a justiça para aquelas que necessitam. 

Como eu trouxe e guardei no meu coração as memórias das forças da natureza, que aprendi com meus ancestrais, dos sagrados Orixás, eu sabia que um dia eles despertariam no seu. Chorei de felicidade ao vê-la se curvar e saudar o seu templo interior, e ainda ter tido tempo de mudar a si mesma, de acima de tudo aprender a respeitar o Criador e as criaturas.

Gostaria que um dia você pudesse ir aos nossos berços. Ir à África, conhecer o Saara com suas areias mágicas. Ir ao velho continente com sua historia cheia de beleza. Quem sabe filha onde nos encontraremos. 

Hoje trago uma certeza filha, neta bisneta, minha querida menina eu já te encontrei, ou melhor nós já nos reencontramos, quando você resolveu assumir suas raízes... quando você resolveu honrar todos aqueles que vieram antes de você.

Saiba que estaremos sempre juntas, todas nós, é no seu coração que estaremos juntas... aqueles de ontem, você hoje e as que vierem amanhã.

 


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