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SEMENTE DO AMANHÃ

SEMENTE DO AMANHÃ
Adriana Bridi
nov. 24 - 7 min de leitura
010

- Vó, conta de novo aquela história de quando a pessoa comeu o morcego e o mundo inteiro ficou doente?

- Ah querida, sempre essa história né?

Já faz tanto tempo... Sua mãe ainda nem era nascida. E você sabe que não foi exatamente isso que aconteceu. Em novembro de 2019, de um dia para o outro o seu tio Chico ficou doente. Ele estava com 4 aninhos e não tinha nenhum problema de saúde, mas apareceram umas manchinhas roxas no corpo e eu, como médica que era, mas principalmente por já ter ouvido histórias parecidas, desconfiei que algo não estava normal.

- Na manhã do dia 14 de novembro tudo estava bem até fazermos o primeiro exame de sangue da vida dele. Na época era preciso furar o braço pra coletar sangue direto da veia. Coitadinho... Foi picado tantas vezes... Enfim, naquela noite ele foi internado e a nossa jornada começou.

- Mais ou menos nessa mesma época a China começava a observar um número grande de casos de uma pneumonia grave causada por um vírus desconhecido que se espalhava de forma rápida e que não tinha tratamento...

- Oi gente! “Bênça vó”!

- Chega mais, primo! A vó tá contando a história da peste.

- Ah, da leucemia?

- Não é leucemia! É pandemia!

- Ué, não é leucemia que o papai teve quando criança?

- Pois é meus queridos, foi isso mesmo, leucemia e pandemia, tudo junto.

- Conta aquela parte, vó, que vocês ficaram anos sem sair de casa.

- É, foi mais ou menos assim... Como esse vírus era desconhecido, os cientistas, os governantes, a população, todo mundo estava perdido. Não sabiam o que fazer, quais medidas tomar.

- Mas vó, como é que a doença foi pro mundo inteiro?

- Ah, as pessoas viajavam de avião, frequentavam lugares com muita aglomeração, aeroporto, shopping, supermercado, escolas. Assim o vírus viajou da Ásia para o mundo, até que chegou aqui no Brasil. Eu lembro bem quando foi, em março de 2020.

- A gente estava internado com o seu tio pra fazer quimioterapia. A gente ficava vários dias no hospital. E daí imaginem o pânico, a gente no hospital e aparece esse bichinho que ninguém sabia como controlar. As orientações dos especialistas eram muito confusas porque não havia acordo sobre o que era importante a ser feito, mas todos eram enfáticos em dizer que era importante não ter contato próximo entre as pessoas. As pessoas deveriam se isolar.

- E as máscaras, vó?

- As máscaras foram polêmicas. Ninguém se decidia se era importante ou não. As pessoas correram para os mercados e farmácias, desesperados, comprando todo o estoque de máscara, álcool... foi uma loucura porque começou a faltar material para o pessoal dos hospitais. Também acabou o papel higiênico dos mercados... totalmente insano.

- Hahahaha, eu adoro essa parte do papel higiênico. O que tinha a ver, vó?

- Pois é, meus amores, realmente não tinha nada a ver. E o pior de tudo, as mesmas pessoas que compraram todas as mascaras que a indústria era capaz de produzir, pouco tempo depois estavam nas ruas sem elas, ou com elas no queixo, na orelha, com o nariz pra fora...

- Eu tenho certeza, nesses meus tantos anos vividos, que Deus mandou essa peste para testar a solidariedade e o amor ao próximo porque era uma questão de amar ao próximo como a si mesmo.

- A máscara muito pouco protegia você, ela protegia as outras pessoas com quem você entrava em contato. Você, talvez pela primeira vez naquela geração, era responsável pela saúde do outro, da comunidade toda. Era preciso ficar em casa, isolado para proteger as pessoas mais vulneráveis.

- A história poderia ser diferente se naquela época as pessoas tivessem a consciência de que somos um grande NÓS e não existe o salve-se a si mesmo. A gente ficou em casa, algumas pessoas por mais tempo, outras menos.

O tio de vocês, João, foi apelidado pela gente como rei da quarentena. Ele ficou quase um ano inteirinho sem colocar o nariz para fora do apartamento. Alguns não tinham opção, por exemplo, os profissionais que faziam atendimento de saúde. Naquele tempo era tudo presencial. Foi depois da pandemia que a virtualização ampliou.

- Acho muito louco, vó, essa parte que vocês saiam para ir ao mercado. Haha, imagina, um mercado, um monte de caixa, produto, tudo empilhado e as pessoas escolhendo.

-Ah, e não era só isso. A gente saia pra ir ao mercado, farmácia e para o tratamento do seu pai. Quando a gente chegava em casa, um cômodo era reservado para tirarmos a roupa usada na rua, tudo era higienizado... E daí a gente ficava dia e noite, noite e dia em casa, dias e dias a fio. Esperando uma solução. Não tinha escola, não tinha trabalho, não tinha esporte. Era uma espera, uma contagem regressiva no escuro.

- E a vacina?

- A gente ficou esperando a vacina, mas como eu já falei, vocês acham que Deus iria mandar a solução dentro de um frasquinho feito em laboratório? Ela ajudou, controlou um pouco aquela loucura inicial, mas o vírus continua aí até hoje. Como vocês sabem, essa foi a primeira de tantas outras doenças graves que a minha geração viu acometer o mundo.

- A gente acabou se acostumando com esse novo mundo. As pessoas chamavam de “o novo normal”. Uma besteira sem tamanho. Normal é abraçar, beijar, sentarmos todos a mesa para almoçar. Ainda bem, meus amores, que hoje vocês tem consciência de coletividade, de respeito pela vida, pela natureza.

- As gerações anteriores a de vocês quase destruiu o planeta com hábitos de consumo totalmente desproporcionais. A gente agrediu demais esse planeta. O desequilíbrio era nossa culpa. Graças a Deus, meus amores, graças a Deus que vocês estão conseguindo reverter nossos erros. Nos filhos nós somos melhores.

- Olá pessoal!

- Mamãe chegou! Trouxe o bolo?

- Oba! Vó, sabe que dia é hoje?

- Claro que sei. Um dia que eu esperei muito. Lá em 2020 eu sonhei com esse dia. Seis de dezembro de 2065. Uma honra, um presente comemorar 80 anos junto de todos vocês.

- Vovó parece tão lúcida, né? Me preocupa quando ela tem esses lapsos contando essas histórias tão esquisitas. Acho que os anos fizeram ela confundir o que de fato aconteceu e o que ela imaginou. Mas mesmo sendo fantasiosa eu amo as histórias dela. Da próxima vez vou pedir para ela contar aquela que tinha que colocar combustível fóssil no carro.

- Hahahaha, essa é ótima! Ou aquela que o papai dizia “não tem água de coco”. Vamos lá, tá todo mundo esperando pra cantar os parabéns...


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