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UMA CONSTELAÇÃO DE NATAL

UMA CONSTELAÇÃO DE NATAL
Kelly von Knoblauch
jan. 13 - 13 min de leitura
020

                               Foi preciso voltar ao Passado para que pudéssemos viver o Presente...

Esta é uma história sobre Festas de Fim de Ano. Mas não é um Conto de Natal. Não é um daqueles contos natalinos que são anunciados pelos canais de TV em forma de filme para motivar ou inspirar os telespectadores com o objetivo de reacender o Espírito Natalino. Nada disso! Mesmo iniciando-se sempre em dezembro e culminando com o Natal e as festas de Ano Novo, esta minha história nunca terminava em final feliz...

Todo fim de ano era sempre a mesma história que se repetia e terminava desastrosamente em choro e tristeza. Mesmo com a presença garantida do Papai Noel na noite do dia 24 e de uma farta Ceia de Réveillon no dia 31.

E o problema era sempre comigo, a bomba sempre estourava na minha mão!

Não me lembro de ter tido problemas com o Natal quando era criança. A família se reunia na casa da minha avó materna, a oma, que garantia o pinheirinho natural, cortado na manhã do dia 24, enfeitado com bolinhas de vidro coloridas e pequenos candelabros prensados aos galhos, onde se encaixavam as velinhas coloridas, que durante a chegada do Papai Noel eram acessas, e brilhavam como estrelas na sala escura da casa colonial. Era uma noite repleta de muitas expectativas, onde ganhávamos os presentes tão aguardados durante o ano, os chocolates e também os biscoitos decorados carinhosamente pela nossa oma.

Eu gostava do Natal. Era feliz. Foi assim por bastante tempo.

Tornei-me adolescente e então descobri que o Papai Noel era a cada ano um parente diferente vestido com as roupas do Bom Velhinho. Minha oma se foi, e logo depois meu Opa. Então me casei, me acolheram em uma nova família e ainda assim eu continuava gostando do Natal. Então chegaram as minhas filhas e eu me tornei adulta de verdade. Agora eu não era mais a filha da Dona Gertrudes. Agora eu era a mãe da Francisca e da Karina. E a minha mãe agora era a oma!

Seguindo o fluxo continuo da vida e das tradições, a festa de Natal agora acontecia na casa da minha mãe, que para minhas filhas e meus sobrinhos era a casa da oma. Continuamos com o pinheirinho natural mas os pequenos castiçais foram substituídos pelos pisca-piscas elétricos. O Papai Noel era agora a cada novo ano um de nós, e minha mãe, agora no papel de oma, passou a confeccionar as bolachinhas pintadas de Natal para presentear aos netos.

Tudo aconteceu assim até o dia em que passei a ver o que não queria ter visto, ouvir o que não gostaria de ter ouvido e a sentir o que não gostaria de ter sentido... Depois de muito refletir, consegui chegar ao último Natal feliz do qual consegui me lembrar.

Foi em 2001!

Eu tinha 26 anos, mas ainda era inocente. No Natal de 2002 comecei a reparar em como as pessoas da minha família se comportavam e como os mais velhos se esforçavam para participar daquelas festas com um mínimo de alegria ou satisfação.

Passei a reparar, ano após ano, o comportamento de cada um deles e o quanto o Natal não era um evento feliz para eles. Por mais que eu me esforçasse para deixar a festa impecável, as comidas incríveis, a decoração perfeita, o Papai Noel sensacional, tudo na mais absoluta beleza e qualidade, as festas de Natal e Ano Novo terminavam sempre em frustrações, desentendimentos e tristeza...

O papel que embrulhava o presente era sempre outro, mas o presente continuava sendo sempre o mesmo! Eram as cunhadas e cunhados implicando entre si, as crianças disputando quem ganharia o melhor presente, eu tentando agradar todos, minha mãe cercando meu pai o tempo todo para que nada ou ninguém o contrariasse, e meu pai sempre fechando a noite com chave de ouro, ora emburrado e carrancudo no meio da festa, ora saindo antes do jantar e abandonando minha mãe, ora discutindo com um dos netos, ou batendo porta, ou esmurrando a mesa...

E todos ficavam falando dele, e de seu mau comportamento social, o que me chateava profundamente e me envergonhava também. Ele claramente odiava o Natal! E o Ano Novo! E todas as demais festas do ano inteiro. Eu via isso, e não gostava.

Então passei a não gostar mais dele...

 E depois passei a não gostar mais do Natal! Nem do Ano Novo! Nem de festas! As comemorações passaram a me afetar de uma forma tão intensa e profunda que eu rezava para não precisar passar por nenhuma delas.

Posso aqui até jurar que me esforçava profundamente, dedicando meu melhor nas organizações que cabiam a mim, mas ao final, lá estava eu, literalmente agachada num cantinho da casa chorando de tristeza e frustração por causa disso, daquilo ou daquele outro. Mesmo assim, a reunião familiar era uma obrigatoriedade e ninguém ousava contestar, ou não comparecer.

Até que em 2018, meus pais resolveram participar de uma demorada excursão pela Europa nos meses de março e abril, o que nos pegou de surpresa: “- Como assim, vocês dois não vão estar aqui para passar a Páscoa conosco?” E simplesmente responderam: “-Não!” Então naquele ano não comemoramos a Páscoa em família. Foi um dia comum, para meu alívio.

Enquanto estava viajando, minha mãe enviava pelo celular, diariamente, fotos dos lugares por onde estavam passando, e em uma das fotos que me enviou, escreveu a seguinte legenda: “- Meersburg, de onde teus antepassados paternos vieram.” Meus antepassados paternos? Quais antepassados? Eu conhecia o opa e a oma, que eram meu avós maternos e sobre a família de meu pai não se falava nada, pois todos haviam falecido há muito tempo, quando meu pai ainda era criança. Para nós eles simplesmente não existiam.

Quem eram eles?

Sou historiadora e encontrar as pistas deles não foi nada difícil para mim. E então eles acordaram e perdi de vez a minha paz! Descobri um por um, e vivi em meu coração a história e as dores de cada um deles.

Primeiro descobri minha avó Tereza e como ela faleceu aos 20 anos de um tumor cerebral, e meu avô Günther, que entregou os filhos para a adoção e se entregou ao álcool, sendo assassinado anos depois. Descobri os pais da Tereza, meu bisavô August, e como ele fugiu da Alemanha com sua esposa, e ela ao chegar aqui resolveu dar meia voltar e voltar para a Europa. Então ele se envolveu com a Victória e registrou os filhos como ilegítimos, já que não poderiam se casar.

Entre eles, minha avó Tereza, e como ele rejeitou a filha mais nova por não se considerar mais apto a gerar filhos quando ela nasceu.

Descobri os pais de meu avô Günther. Franz, marceneiro náutico vindo da Alemanha com a família, e quando chegaram aqui a esposa faleceu. Então, mandou buscar a namorada de juventude na Europa, com a qual se casou e teve mais três filhos, entre eles meu avô Günther. A segunda esposa, Andréa, não gostou do interior do Brasil, e foi embora para São Paulo levando a filha mais nova, abandonando o marido com os dois filhos homens.

Assim prossegui pesquisando certidões de nascimento, casamento, batismo, óbito, inventário, relatórios de hospitais e da polícia, registros de imigrantes, registros de hospedarias, listas de navios, entradas de imigrantes, relatos de parentes mais idosos, antigos conhecidos da família, cartas guardadas nas caixas da antiga casa da minha oma, até encontrar cada um deles.

Aquele ano de 2018 foi revelador!

Encontramos todos os documentos que necessitávamos e demos entrada no pedido de aquisição da Dupla Cidadania Alemã.

Este momento representou para mim o auge da minha busca genealógica e de inclusão de nossos antepassados no sistema familiar. E o Natal daquele ano? Pela primeira vez na nossa história, antes do jantar realizamos uma oração, e oramos pelos nossos antepassados. Mas nada mudou.

Continuei pesquisando e refletindo sobre a vida e a história de cada um de meus antepassados, e consegui chegar tão longe quanto pude sonhar na nossa genealogia, localizando em registros antigos a maioria de meus antepassados desde o século XV! São mais de 10 gerações com nomes e sobrenomes. Uma verdadeira viagem no tempo!  O Natal de 2019? O mesmo do mesmo... Ninguém rezou.

Ainda assim, respirei fundo e no Ano Novo de 2019 para 2020 fui declarando a cada parente que chegava na festa: “- Antes do jantar vai ter uma oração! Ninguém janta sem rezar!”

E naquela prece relembramos a chegada dos avós de meu pai, que partiram da Alemanha em dezembro de 1919 e chegaram ao Brasil em fevereiro de 1920, ou seja, exatamente 100 anos antes, e comemoramos em oração o Centenário da vinda deles ao Brasil. Os demais convidados ficaram encantados, mas tive a impressão que meus familiares nem ouviram nada, e foi tudo igual... como sempre.

Então 2020 chegou com a pandemia e tivemos que olhar ainda mais para dentro de nós mesmos. O isolamento, a tristeza, a solidão, a incerteza e tantos outros medos se apresentaram ainda mais fortes, e precisei de terapia semanal.

Eu já fazia terapia mensal há vários anos, mas em 2020 minha tristeza tomou proporções tão grandes que minha terapeuta achou necessário realizarmos sessões semanais. Mas eu não queria falar de mim, eu queria falar de minha árvore genealógica!

Eu só queria contar o que tinha acontecido com a Tereza, o Günther, o Franz, a Emma, a Andréa, o Edward, a Anna, o August, a Victória, a Margareth, o Christian, a Lili, a Martha, o Andréas, a Ida, o Rudolf, o Ferdinand, a Eva e a minha mãe e o meu pai. Então acabei assentando cada um em seu devido lugar, encaixando cada pecinha do quebra cabeças da minha arvore genealógica, enquanto minha terapeuta apenas observava como eu “tomava” cada um de meus antepassados, um a um, em meu coração.

Na manhã do dia 24 de dezembro de 2020, dia da festa de Natal da minha família, agradeci profundamente a cada um de meus antepassados por tudo que eles viveram por mim, pela força que me ensinaram a ter, pela vida deles que também corre em minhas veias, e com a qual me presenteiam todos os dias.

Olhei calmamente para a história de cada um deles e falei com carinho que honro e vejo com amor todos os sofrimentos que eles passaram, mas que agora eles podem viver através de mim toda a alegria e felicidade que sempre desejaram, porque aqui comigo, mais que apenas em minha memória e história, a vida deles vive também em mim.

Agradeci pelo meu pai, e aceitei-o exatamente como é. O pai perfeito para mim. Exatamente do jeito que é.

O Natal e o Ano Novo de 2020? Ainda estou me recuperando da emoção. Depois de tantos anos de solidão e tristezas, nem no meu sonho mais perfeito teria sido tão incrível como foi. Foi pleno e harmonioso. Nós nos divertimos, eu e meu pai.

Conversamos e rimos juntos.

Ele fez gracinhas e brincadeiras e eu o abracei após a oração que antecedeu a Ceia e ofereci-lhe meu coração cheio de amor e gratidão. Foi o melhor Natal da minha vida e deve ter sido o primeiro verdadeiro Natal de meu pai, porque, se coube a eu revelar todas estas pessoas excluídas, foi meu pai quem as carregou até que pudéssemos tomá-los em nossos corações.

E agora, ambos, sentimos leveza e seguimos em paz.

“Uma pessoa está em paz, quando todas as pessoas que pertencem a sua família tem um lugar em seu coração.”

Bert Hellinger

“Quando uma mulher decide curar-se, ela se transforma em uma obra de amor e compaixão, já que não se torna saudável somente a si mesma, mas também a toda a sua linhagem.”

Bert Hellinger

*Alguns nomes foram modificados por questões de segurança e privacidade.

 


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