Meu pai era militar e de acordo com a profissão dele, tinha que ir para onde era designado. Quando ele foi mandado desempenhar um trabalho na cidade de Jaguari, ali pelos anos de 1950 e poucos, conheceu minha mãe e se apaixonou. Não sossegou enquanto não casou com ela; inclusive alterou a sua idade para maior, para poder se casar. Todavia, minha mãe teve um grande susto no dia de seu casamento descobrindo que meu pai era viúvo. Mas não era só isso, descobriram também, que a sua esposa havia se matado (tomou veneno). Dentre 11 irmãos, era um dos mais velhos, foi o único que saiu para trabalhar em outra profissão e os demais ficaram trabalhando nas terras junto com meus avós. Eles não eram pessoas bem abonadas, mas tiravam seu sustento da pequena propriedade que tinham.
Meu avô Manoel era muito manso de espírito e gostava da espiritualidade e a minha avó Demasia era a mais difícil – lembro-me nitidamente dela. Pelo que uma tia conta, ela não gostava de minha mãe e fazia questão de perguntar ao meu pai (justamente quando minha mãe estava por perto) se ele não iria varar o rio Giruazinho para ver a fulana - uma moça que recebia homens em sua casa e, tinha um filho -; e que supostamente esse filho fosse de meu pai. Isso era constrangedor para minha mãe.
Sempre que ele podia ia visitar seus pais. E naquele ano era véspera de Natal e estavam reunidos em festa, quando ele recebeu a notícia de que minha avó materna tinha falecido e; simplesmente, não falou nada para a minha mãe.
De certa forma ele errou muito; muitas vezes parecia perturbado e até atormentado. Era muito abusivo com minha mãe e na maioria das vezes era muito violento e muito ciumento. Era muito severo com os filhos, principalmente com os mais velhos. Éramos cinco, pequenos, mas algumas vezes travessos também.
Da sua infância nada sabemos. Não tenho nenhuma lembrança dele contando alguma história. O sargento - às vezes eu chamava assim - veio a falecer em 1999 de AVC, junto aos irmãos que ele de tempos em tempos ia visitá-los; e me falou que talvez fosse à última viagem que fizesse sozinho. Meu irmão mais novo se ofereceu para levar ele aonde ele quisesse, mas saiu às escondidas.
Já a minha mãe tem uma única irmã; de um relacionamento anterior, de minha avó Conceição e eles igualmente tiravam seu sustento da terra.
Meu avô Miguel faleceu quando minha mãe era bem pequena e nem ela se lembra dele. Minha mãe era muito querida e bem tratada por todos os seus primos e tios e era carinhosamente chamada de Mariazinha. Entretanto, quando se casou com meu pai sua vida mudou radicalmente em todos os sentidos. Passou enfrentar dificuldades nunca imaginadas e, a vida com ele não era nada fácil. Morou em lugares isolados e passou muitas dificuldades, mas nos falava que sempre aparecia uma alma santa para ajudar.
Creio que ela não nutria mais um sentimento de amor pelo meu pai, porém por amor aos filhos nunca desistiu e, em nenhum momento negligenciou o compromisso que assumiu perante Deus e com a família. Até hoje ela não se permite entregar a preguiça, a doença e ao desânimo - mulheres que foram forjadas a ferro e fogo. Ela anda de mãos dadas com a espiritualidade que, em seus momentos mais difíceis, proporcionaram a ela a melhor solução.
Minha mãe fala que ela foi uma criança muito feliz em sua infância.
Hoje eu me dou conta que a vida deles não foi nada fácil, que passaram por muitas das provações, totalmente, sozinhos e sem terem onde buscarem forças a não ser dentro deles; porque naquela época não havia tanta comodidade como há hoje em dia nem o conforto que desfrutamos no agora. Que mesmo dentro da carapaça que eles vestiam nós estávamos lá protegidos. Tinham uma maneira doída de expressar o amor, mas eles nos amavam. Que deram o melhor do melhor que podiam. Que cultivavam sonhos com relação ao nosso futuro. Que a vida nos ensina muitas coisas e o tempo é um sábio conselheiro.
E, novamente, me dou conta que as almas de meus pais eram totalmente desconhecidas para mim; que a vida deles era cheia de tabus, mistérios, segredos, reservas e muros impenetráveis.
E que eu apesar de nossas diferentes vivências; estou dando o meu melhor também.
Estou procurando aprender coisas que me farão um ser humano melhor do que o de ontem e o de hoje para poder entender com gratidão e com amor os que vieram antes de mim porque eu sou pequenina e eles são gigantes.