Antes da felicidade, os pais. No meu caso, os avós e bisavós.
O meu pai tinha tudo para dar errado. Um começo traumático, uma infância repleta de acidentes e tragédias. Uma mãe que morreu de um câncer na cabeça quando ele tinha três anos, deixando o marido com três crianças pequenas, que, desesperado, começa a beber e entrega os dois mais novos para adoção, ficando com o meu pai de 3 anos, e bebendo até que, oito anos mais tarde, é assassinado pelo colega de bebedeira e morre sentado na cozinha da casa.
Aos 11 anos meu pai é adotado pela família da minha mãe, que o recebe como filho e ele aproveita a oportunidade e literalmente vira a página. Deixa para trás os anos de sofrimento e apaga de sua mente a história daqueles seus11 anos.
Estuda, conquista uma bolsa de estudos e vai estudar na Alemanha, levando na mala o brilho dos olhos de minha mãe, para a qual ele volta quatro anos depois e se casam. E logo chego eu nessa história.
Eles nunca brigaram, nem discutiram, nem falaram uma única palavra grosseira um para o outro.
Então, a primeira filha chega, linda, inteligente, mas extremamente irriquieta, instigadora, questionadora, incomodada, insatisfeita. E assim segui até meus 40 anos, fazendo apenas o que eu queria, tomando muitas decisões erradas, e muitas vezes desnecessárias. E me sentindo um peixe fora d'água, no lugar errado, me sentindo uma estranha entre eles, excluída.
Um dia meus pais viajaram para a Alemanha e eu simplesmente enlouqueci. Como podem ir para lá sem nem sequer saber a história de seus antepassados? (meu pai afirmava não saber a história dele).
Eu comecei a pesquisar e meus antepassados literalmente acordaram e me mostravam, dia após dia, em meus pensamentos e emoções, como desvendar tudo sobre eles. Quem eram, onde estavam enterrados, suas histórias retratadas em dezenas de documentos que eu ia descobrindo pouco a pouco. Quanto mais eu descobria, mais em casa eu me sentia.
Quando meus pais voltaram de viagem eu já tinha descoberto praticamente toda a história escondia. Os assassinatos, a fuga da pátria mãe, os amores abandonados, os abortos, os alcoólicos, as mulheres desleais, os loucos, os carrascos, as perdidas, as humilhadas.
Então, aos meus 45 anos meus pais nasceram para mim e eu nasci verdadeiramente como filha para eles. Minha vida se curou, meus relacionamentos se curaram, minha relação com minhas filhas se curou, meu relacionamento com os demais familiares se curou.
Eu tinha uma família perfeitamente funcional. Pais excelentes em um ambiente tranquilo. Mas, o passado gritava por pertencimento, e fui eu que o aceitou e o trouxe de volta para ser incluído.
Depois de tudo ter se revelado tão nu e cru para mim, eu presenteei meus pais com a dupla cidadania alemã reconhecida pelo governo alemão. São todos alemães novamente, e agora, logo que passe a pandemia, iremos todos para a pátria mãe, visitar nosso local de origem e levar suas almas de volta pra casa.
Em paz. Todos.