Quando se tem o privilégio de estar vivo e com muita saúde à beira dos 60 anos, é praticamente impossível não ter passado pelas Noites Escuras da Alma. As minhas noites escuras começaram muito bem cedo, ainda criança, por ter vivenciado duas guerras civis, mas acredito que a capacidade de sonhar amenizou bastante esses traumas.
Entretanto, já adulta, passei por alguns processos que me fizeram voltar a essa frequência das noites escuras.
As mais dolorosas foram as mortes dos meus filhos Bárbara, Joshua e Bruno.
Dentre essas noites, a que mais se arrastou foi a morte do meu filho Bruno, porque, no espaço de seis meses, eu vivi a perda dele por erro médico e, na sequência, fiquei viúva. Ninguém espera nove meses para sair da maternidade com um caixão no colo.
Algum tempo depois, percebi que o pior dessas noites escuras estava por vir: foi quando entrei na justiça para caçar o C.R.M. dos responsáveis. Lembro bem quando alguém na porta do fórum me disse “DEUS SABE O QUE FAZ”.
Deus sabe sim, mas o ser humano muitas vezes não, e acha que pode ser Deus.
Essa jornada foi longa, recebi inúmeras propostas financeiras para arquivar o caso, mas levei adiante. Foram anos que se intercalavam entre a DOR e a PAZ.
Eu não podia me dar ao luxo de desistir da vida e apenas sofrer. Havia um grande motivo de apenas 9 anos, meu filho Valter Nery, que dependia de mim.
Levei a vida adiante, porque o que sempre me alimentou foi a minha esperança de fazer justiça.
Ao final de 5 anos, a decisão foi favorável a minha causa. Fim dessa jornada, enfim a justiça havia chegado... ou talvez não. Havia em mim uma tristeza profunda, um imenso vazio e, foi naquele momento que olhei para dentro de mim e percebi: não foi apenas a justiça que me moveu, a vingança estava de mãos dadas naquele processo.
E dentre todos os vazios que as noites escuras me causaram, esse sentimento com certeza foi o mais doído.
Hoje posso assegurar que as noites escuras da alma trazem sim o poder de transmutação para todos aqueles que preferem fazer dessa PONTE a passagem para a evolução espiritual, ao invés de recriar ali uma residência de mágoas com gosto de sal e limão.
Foi nessa luta, entre o quase desafeto e a procura do amor para determinados vazios, que esse abismo da solidão me puxou até para que eu fosse na contramão. Por vezes senti a obrigação de ser feliz. E foi assim que percebi que é possível percorrer a tristeza e a solidão, é assim que crescemos. Tudo que sentimos se faz necessário. Só assim descobri quem de fato sou.
Felicidade, Tristeza, Solidão, e tantas outras são apenas estados da alma e não identidades.
Esse é um pequeno relato do que eu, Raquel, entendo pelas NOITES ESCURAS DA ALMA.
Shalom Adonai.