Queridos antepassados,
São tantas coisas a dizer! Dentro de mim têm um misto de angústia, ansiedade e até temor, porque voltar dói.
E agora, aqui com o papel e caneta em mãos, me sinto frágil, pequena. Mas quer saber? Não vou mais prorrogar, então aqui tiro minha armadura dos dias reais e as vezes um tanto incertos, bipolares e emaranhados.
Oh, meus queridos antepassados!
Eu peço perdão, perdão por todas as vezes que, cega, não enxerguei o quanto houve de sofrimento, abandono, desestruturação familiar, fome.
Meu Deus, sempre achei que a dor era toda minha!
Hoje eu sei, hoje eu sei um tanto mais e isto me fez ver vocês.
Ver um pouco das suas histórias e mais uma vez tive o privilégio que muitos filhos por meio adotivo não tem: o de conviver com vocês, ao menos uma parte, mesmo sem saber.
Não, eu não fui abandonada, não fui doada como um sapato.
Ah, é muito bom reescrever esta fase com um NÃO bem grande e marcado!
É, mas aqui estou e um tanto mais leve, para e por vocês, para lhes dizer que:
- Vó, hoje eu entendo, eu te vejo, vozinha, e mesmo quando eu não sabia eu já sentia seu carinho, seu amor. Mesmo tendo tão pouco, me lembro da bolsinha vermelha que a senhora mandou pela Cida. Ah vó! Desde pequenina é minha cor favorita sabia? Eu brinquei tanto com aquela bolsinha e contava a todos que ganhara da avó da Cida.
Como a vida é doida vó.
Lembro quando a senhora partiu e eu fiquei triste, mesmo sem saber nosso verdadeiro vínculo, meu coração já te reconhecia e hoje sei um pouco mais da sua história.
Ah vó, eu sei que doeu ser deixada na ferroviária grávida e sozinha.
Vó, eu sinto, sinto muito, muito mesmo, por tantas coisas que aconteceram antes e depois com seus filhos e netos, eu reconheço vozinha todo seu sacrifício.
Reconheço também os bisos, trisos e tantos mais que vieram antes de nós, tantas histórias pela metade, crianças sem pais, mulheres abandonadas a própria sorte, seu filhos, a dependência do álcool e das drogas.
E mais que os reconhecer, os incluo, assim como incluo, avó amada, a família do meu genitor. Hoje eu posso dizer que eu o vejo e que sou grata pela vida que me foi entregue; reconheço e vejo também a sua tia que quis ficar comigo, que trago em meu coração com gratidão e a deixo seguir leve e sem mágoas ou saudosismos.
Minha genitora (mãe), tantas vezes já nos falamos e realmente ficou um buraco entre nós, mas não existem culpados.
Eu me preocupo contigo.
Desde que o Dede nasceu eu percebi que você não teve muita estrutura psicológica para cuidar dele. Me lembro como se fosse hoje, você disse para minha mamis que quase o jogara do carro. Meu Deus Mãe!
E foi esta a primeira vez que te chamei de mãe, não esqueço. Naquele momento, toda raiva que um dia senti ficou para trás e eu pedi:
- Mãe, não machuque o meu irmãozinho, cuide dele. Eu estou bem. Você não foi culpada. Esta tudo bem agora.
E você o criou.
Ele está um homem. As vezes sinto que tem mais um entre nós, mas você negou, e eu te entendo, assim como entendo que você não queira falar do meu genitor. Eu sei mãe, sei que dói. Para mim você não precisa esconder, sinto a sua dor em mim.
Mas, sabe mãe, é preciso seguir.
Por isso, minhas preces são sempre para Deus acalmar teu coração e aclarar a tua mente.
Sabe vozinha, acho que a vida realmente começa aos quarenta, no meu caso uma vida sem excluir ninguém, porque hoje eu sei: EU QUIS NASCER e que bela oportunidade é ser parte, pertencer.