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CARTA AOS ANTEPASSADOS

CARTA AOS ANTEPASSADOS
Silvia Prado
set. 12 - 6 min de leitura
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Queridos antepassados,

Confesso que foi um desafio escrever para vocês. O que eu diria? Por onde começar? Enfim, aqui estou.

Sei mais da família da minha mãe e pouco da família do meu pai, vez que tivemos pouco contato, depois que os meus pais se separaram, quando eu era pequena.

Sobre o meu lado materno, família europeia, simples, que passou pelas guerras, por muita escassez. Minha avó contava que, apesar da simplicidade, adorava ler e leu quase todos os livros da biblioteca da sua pequena cidade na então Tchecoslováquia.

Não sei o quanto ela estudou, mas era muito inteligente, forte e sábia. Começou a trabalhar muito cedo, numa fábrica. Conviveu pouco com a sua mãe, minha bisa.

Seu pai, morreu na primeira guerra. Saiu para lutar e nunca mais voltou. A bisa ficou sozinha, com os filhos pequenos. Acabou se casando novamente, com um homem muito ruim, que depois de 10 anos de uma vida conjugal péssima, ficou bastante doente, mas não morreu. Se recuperou e nos próximos 10 anos que viveu, se redimiu de tudo de ruim que havia feito.

No meio da segunda guerra, junto com o marido e duas filhas bem pequenas, meus avós foram fugindo, de país em país, até chegarem ao Brasil. Meu avô não queria vir e culpava a minha avó por cada coisa ruim que aconteceu aqui.

Durante a viagem de navio, ela descobriu que estava grávida. Não tinha como ter a criança, no meio daquela situação, em que mal se tinha o que comer. Fez um aborto e prometeu que, quando estivesse estabelecida no Brasil, teria outro filho para compensar essa perda. E esse filho foi a minha mãe.

Chegaram no Brasil, com cinco dólares no bolso, duas filhas, sem conhecer a língua e nada do Brasil. Foram se estabelecendo, se tornaram comerciantes e viveram a vida toda do comércio. Tiveram tempos bons e tempos ruins. Minha avó escreveu para o jornal, deu aulas de culinária, ajudou muitas pessoas.

Meu avô era um homem bom, calmo, tranquilo amoroso. Minha avó era um general, uma potência em pessoa. Ele sempre ficou à sombra dela. Ela que mandava na família, nele e em todo mundo. A vida dura que teve a fez assim. Foi ser aquela avó carinhosa só no final da vida. Mas a admiro profundamente pela sua trajetória impressionante de vida.

Minha mãe se casou com meu pai e também teve duas filhas. Minha mãe era muito mais passiva que a minha avó e viveu com ela até o seu último dia, com quase 94 anos.

Meu pai era um homem estranho, não se encaixava na família; também sempre esteve à sombra. Minha mãe, embora não tivesse a força da minha avó, sempre esteve à frente, trabalhando, resolvendo, cuidando de tudo. Até que cansou e resolveu se separar. Ela foi professora a vida toda, da rede pública e quando se aposentou, bem cedo, nunca mais quis dar aulas.

E eu me casei e tive também duas filhas. Meu marido tem o mesmo perfil do meu avô. E eu, de certa maneira, da minha avó. E a história vai se repetindo.

Sobre minha família paterna, descobri que minha avó casou muito cedo, com 16 anos e meu avô era 12 anos mais velho que ela. Tinham um parentesco distante.

Meu avô teve uma situação financeira muito boa. Também foi comerciante. Mas, por algum motivo que não descobri, perdeu tudo. Não ficou na pobreza extrema, mas perderam muito. Acho que por causa da guerra, que afetou todo mundo. Ele acabou indo trabalhar na Prefeitura Municipal, depois que desistiu de vez do comércio.

Minha avó era dona de casa. Teve 12 filhos, um atrás do outro. Perdeu vários e foi ficando cada vez mais triste com essas perdas. Fumava e dizia que isso ajudava a passar o tempo. Imagino a sua dor, o seu vazio. Dizem que era uma mulher doce, carinhosa muito boa, que ajudava muitas pessoas.

Meu pai foi funcionário público também, escrivão de polícia. Um de seus irmãos foi delegado. Eu sou advogada.

Quando olho para toda essa história e para minha, vejo tantas coisas em comum.

Esse vínculo com o Direito.

Também tive um aborto espontâneo, como as perdas das minhas duas avós.

As mulheres que sempre predominaram sobre os homens, no meu lado materno.

O fato de tantos funcionários públicos. Meu avô, meu pai, minha mãe, eu, meu marido também. Entendo que tem relação com a necessidade de segurança, de ter algo garantido, por causa de tantas memórias de escassez, dos dois lados da família.

Quantas vezes tive vontade de largar tudo, mas penso: vou arriscar? E se não der certo? Com duas crianças para sustentar, o que eu faço? É como se algo me puxasse para trás e me fizesse não sair do lugar. Essa é hoje uma questão importante para mim. Se vou conseguir, ainda não sei, mas me mantenho firme no propósito de fazer algo mais, de ajudar as pessoas e por isso estou aqui, nessa trilha de aprendizagem que começa e nunca termina. De alguma forma, a semente da mudança está começando a germinar.

Então, agora, queridos antepassados, eu olho para vocês e digo que lhes vejo e sinto por tudo de difícil que passaram. Por todas as inseguranças, incertezas, perdas, escassez. E lhes digo que, apesar de tudo isso, sobrevivemos e eu continuo a vida de vocês em mim e nas minhas crianças.

Digo que nada do que passaram foi em vão. E que o amor e a força de vocês continua em nós. Acolho e abraço todas as crianças que foram perdidas e compenso essas faltas dando todo meu amor para minhas meninas, para que elas também passem adiante.

#cartaaosantepassados

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