Amados antepassados,
Quantas saudades sinto de vocês. Meu coração ansiava em poder um dia falar-lhes e poder expressar minha profunda gratidão por tudo que viveram para que eu pudesse existir.
Gratidão!
Sei muito pouco das histórias de vocês, mas tenho um grande desejo de resgatá-las e contribuir para que todos se sintam incluídos e amados. Meu coração vibra toda vez que consigo me imaginar pisando o chão da África, tenho um sonho a ser realizado pisar no nosso solo sagrado, pois sei quanto sangue, quantas lágrimas e quantas vidas foram sacrificadas, torturadas e exploradas.
Quero honrar a fidelidade de cada um as nossas raízes.
Sou encantada pela imensidão e beleza do mar, mas carrego algum trauma de água que me impede de nadar. Sei que vocês sobreviveram a tantas barbáries e humilhação sendo forçados a deixarem nossa terra-mãe.
Gratidão, eu sei o quanto foram corajosos, fortes e resilientes suportando a fome, as doenças, as ausências e tendo que esconder o choro e a dor.
Honro cada mulher do meu sistema que vieram antes de mim, eu sinto que muitas de vocês não puderam escolher seu projeto de vida, foram violentadas, abusadas, estupradas, escravizadas, sei também que o medo era seu companheiro mais próximo, que o sentido da vida vocês encontravam em seus filhos.
Eu também sei que muitas de vocês foram profundamente amadas e puderam amar.
Gratidão! Eu sinto esse amor pulsar dentro de mim. Nada foi em vão.
Honro cada homem do meu sistema, eu posso ver os seus sofrimentos, eu sei que ao serem escravizados, foi reforçado em vocês paradigmas de serem homens insensíveis e o fato de colocar o trabalho braçal em primeiro lugar. O sentimento de inferioridade, de baixa autoestima, de violência esteve presente em nossas histórias.
Mas agora eu vejo vocês, eu os honro, eu os amo.
Aos meus antepassados indígenas,
Eu admiro os ensinamentos transmitidos de geração a geração, a paz que sinto no contato com a natureza, o apreciar as coisas simples do cotidiano e o olhar profundo e o respeito pela criação eu recebi de vocês, muito obrigada.
Honro todos vocês!
Eu sei que ser expulso da própria terra e ser obrigados a deixar seus rituais, crenças e terras foi profundamente doloroso.
Hoje posso compreender que minha escolha em me de dedicar inteiramente por muitos anos de minha vida a ser uma religiosa consagrada tem raízes em vocês.
Eu tinha tanta certeza de que esse era para sempre meu projeto de vida, me dediquei de corpo e alma, porém, fiquei muito doente e somente quando voltei para a casa dos meus pais pude restabelecer minha saúde, rever minhas escolhas,
A decisão de deixar tal instituição foi algo tão doloroso e ao mesmo tempo libertador.
Eu entendo vocês, pois compreendi que precisava honrá-los dedicando minha vida aos meus irmãos necessitados, porém, eu preciso viver meus projetos e seguir meu destino. Percebo que esse recomeço em minha vida perpassa pela cura do nosso sistema, pela minha cura e tenho certeza de que conseguirei.
Demorei quase 7 meses para terminar essa carta para vocês, eu chorava muito e aos poucos fui me reequilibrando, juntamente com meu recomeço depois de deixar a vida religiosa consagrada, o que faz só um ano.
Agora eu consigo compreender tantas coisas e apesar de ainda ter que vencer a dificuldade que encontro de consegui um emprego e ter minha estabilidade financeira, eu estou tranquila e feliz de ter cruzado o meu caminho com as constelações sistêmicas e com minha mestra Olinda Guedes.
Sinto que o tempo de deserto, de isolamento e de ficar escondida acabou e quero trilhar esse caminho pelo conhecimento, pela arte, pela poesia, na verdade, no amor e na fé que sempre me acompanhou.
Abraço cada um de vocês com minhas orações e elevo minha gratidão pela existência de todos.
Eu os amo, os honro.
Como é grande a minha alegria de saber que somos muitos!
Vocês moram para sempre em meu coração.
De sua descendente sempre muito grata pelo amor de todos vocês!