Querida mãezinha,
Hoje lhe escrevo essa carta. É quase dia de finados e me veio a lembrança desta data de quando eu era criança e ia no cemitério com a senhora e depois que visitávamos o túmulo do vô e acendíamos velas na cruz grande, andávamos pelo cemitério, participávamos da missa e na saída a senhora me dava uma maçã do amor. Lembro que só comia neste dia. Para mim era um dia feliz, pois via muita gente conhecida no cemitério.
Depois que me tornei adulta esse dia não tem mais graça e a maçã do amor também não. Eu a encontro com muita facilidade e não só no dia de finados.
Este ano de 2021 faz 20 anos que a senhora fez a passagem. Depois de tanto sofrer nesta vida, encontrou uma forma de sair do sofrimento. A senhora tinha 52 anos na época e hoje teria 73.
Nossa! Quanta coisa teria sido diferente se a senhora ainda estivesse aqui! O pai casou de novo. A esposa dele é uma boa pessoa, mas muito chata e sistemática. Às vezes penso que ele está pagando alguma coisa aqui na terra (se é que isso existe). Talvez tudo o que a senhora sofreu com as chatices dele quandoestava bêbado.
Eu e os meus irmãos sentimos muito a falta da senhora. Acho que o pai também.
Hoje a senhora seria bisavó de uma menina linda. Teria muito orgulho dela assim como tinha da sua netinha que hoje é uma mulher e herdou seus talentos para os doces. Está seguindo esta profissão, assim como a senhora.
Mãe, comecei a estudar sobre parapsicologia, constelações e terapias energéticas. Acho que a senhora não iria aprovar. Acharia que era coisa do “coisa ruim”, do inimigo, como costumava dizer. Ia tentar me tirar disso dizendo que era pecado. No entanto, por causa destes estudos, estou escrevendo esta carta.
Mãe, peço a sua benção para minha vida profissional e financeira. Lembro que a senhora não era bem sucedida nesta área. Trabalhava muito, mesmo doente e ganhava pouco. A maior parte das vezes a senhora estava doente.
A senhora dizia que sentia uma ruindade na cabeça e as vezes não tinha força para nada. Ficava deitada com olhos fechados. Às vezes eu queria conversar com a senhora e a senhora dizia "só quero ficar um pouco aqui quietinha". Acho que era depressão assim como é comum na sua família as pessoas serem assim.
Lembro que não gostava de sair e que vivia na igreja. Lembro da sua tristeza por conta da obesidade.
Mãe, quero te falar hoje que eu sinto muito por tudo o que viveu na sua vida desde a sua vida intrauterina pelas inseguranças e medos vividos. Por a senhora ter sido a primeira filha e ter que mesmo ainda criança cuidar dos seus irmãos, lavar roupas no rio, ir para a roça, limpar a casa, fazer comida e ainda, quando chorava ou não sabia fazer as coisas por ser uma criança, era chamada de “burra velha”.
A senhora só queria brincar, mas a sua mãe não entendia isso. Talvez porque a infância dela também não tinha sido fácil. A senhora só pôde ir para escola quando já era grande, mas fazia conta de cabeça como ninguém. A senhora era muito inteligente.
Sinto muito, mãe, pela sua infância sofrida. Sinto muito por trabalhar tanto e ganhar pouco. Sinto muito por não poder namorar e casar com o homem que era apaixonada por ele ser negro. Sinto muito por ter se casado com um alcoolista e ter poucos momentos felizes e mais momentos tristes. Sinto muito por a senhora não ter aproveitado por muito tempo a sua casa nova. Sinto muito por tanto sofrimento.
Eu vejo você mãe;
Eu vejo suas dores;
Eu vejo sua tristeza;
Eu honro você mãe.
Peço que me abençõe para que eu possa fazer diferente, ser feliz, ter segurança e ser bem sucedida na vida profissional e financeira.
Bença, mãe.
Sua filha Jucinéia.