Chapeuzinho vermelho sempre foi um conto infantil que me atraia muito.
Ainda hoje, recordo da história com muitos detalhes.
Claro que eu sempre gostei de muitas histórias, mas quando questionei a minha mãe sobre qual conto era o meu preferido, ela sem dúvidas, respondeu:
-Chapeuzinho vermelho.
No meu sistema familiar, a ausência da figura paterna é notória.
Minha mãe não teve um pai presente, meu pai, da mesma forma, também não.
Eu, por infelicidade ou destino, fui órfã de pai por muitos anos.
A profissão do meu pai sempre exigiu muito dele.
É caminhoneiro e apaixonado pela estrada.
Então, pouco ficava em casa e quando ficava, na maioria das vezes estava alcoolizado.
Foi mamãe quem sempre cuidou de mim.
Desde pequena era ela quem era responsável por mim.
Até mesmo para buscar o boletim na escola quando o papai é que precisava ir (no dia dos pais).
Mamãe sempre carregou muito, praticamente me cuidou e educou sozinha.
Então não foi novidade para mim descobrir que este conto refere-se a ausência do masculino.
Entretanto, não tenho conhecimento de que no meu sistema familiar houve algum episódio de abuso sexual entre familiares, embora a minha impressão seja outra.
Quando eu tinha sete anos de idade eu conheci um senhor na minha cidade.
Esse senhor sentava-se na frente do cartório, todos os dias.
Ao passar pelo local, ele me chamava e conversava comigo, comprava doces e picolés.
Um certo dia, esse senhor me levou até os fundos de uma farmácia.
Lá, num galpão velho, ele tirou a sua roupa e tirou a minha e, então, começou a se esfregar em mim.
Não sei como eu consegui fugir.
Naquela noite eu contei para minha mãe o ocorrido que, desesperada, no outro dia, encontrou o senhor e gritou muito com ele.
Eu lembro vagamente da situação.
Sei que esse senhor sumiu e nunca mais retornou.
Hoje em dia, no meu trabalho, lido diariamente com processos sobre estupro, especialmente de vulnerável.
A cada processo eu me recordo da cena e sinto empatia pelas vítimas.
Não é fácil contar, até porque, na maioria das vezes os estupradores são inocentados por falta de prova.
Depois do curso de constelações sistêmicas eu entendi que vítima e abusador são apenas polaridades distintas de um acontecimento.
Aquele que é o agressor hoje, foi a vítima de ontem.
Por isso, tem sido mais leve, de certa forma, lidar com esses casos.