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CIGANOS OLHARES E PERSPECTIVAS

CIGANOS OLHARES E PERSPECTIVAS
Eliane Jaqueline Doncato
mar. 15 - 30 min de leitura
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Resumo do livro de: Maria Patrícia Lopes Goldfarb, Marcos Toyansk, Luciana de Oliveira Chianca(Organizadores)

 

O universo cigano abrange cerca de 14 milhões de pessoas distribuídas pelo mundo com grande presença nos continentes europeu e americano.

A história e cultura cigana estão marcadas, talvez como nenhuma outra, pela experiência do desterro, do estranhamento e da imigração.

Ao lado da fascinante história coletiva de mais de mil anos no Ocidente, caracterizada pela importante contribuição cultural, a trajetória dos ciganos traz também a indelével marca da perseguição pelas sociedades mais amplas: escravidão, deportações, esterilizações, culminando no genocídio perpetrado pela Alemanha e países colaboracionistas que eliminou mais de meio milhão de vidas ciganas, deixou muitos desamparados e redistribuiu os indivíduos pelo mundo.

Identidades ciganas: origens, grupos e contextos

Muitos buscam encontrar definições para diferenciar os ciganos dos não-ciganos, ou o que consideram o “verdadeiro cigano” de suas “degenerações”.

A palavra “cigano” evoca nas mentes dos não-ciganos uma série de representações. Os ciganos têm sido retratados como estrangeiros, nômades, criminosos, grupo racial e grupo étnico. Ainda há considerável confusão e desacordo sobre a identidade precisa do grupo. “No imaginário gadjo, isto é, não-cigano, os ciganos são representados de diversas maneiras através de imagens paradoxais. A imagem do cigano pode representar liberdade, alegria e tradição, ou, por outro lado, indolência, marginalidade e parasitismo” (REZENDE, 2000, p. 7).

Provenientes de duas abordagens distintas, uma que enfatiza a origem e outra que prefere as determinações socioculturais, o rótulo “cigano” com frequência é usado tanto como um termo genérico para designar os nômades e viajantes, aparecendo muitas vezes como um bando de párias rejeitados pela sociedade, pessoas vivendo na criminalidade e na base da hierarquia social, como para se referir a um distinto e separado grupo étnico de ancestralidade asiática (da Índia) (MAYALL, 2004, p. 10).

Portanto, dois critérios principais para definir os ‘ciganos’ têm sido a origem indiana e o estilo de vida nômade. Se considerarmos o estilo de vida, o termo alcançaria nômades do mundo inteiro. Aqui, consideramos ciganos como uma comunidade étnica bem definida de origem indiana.

Portanto, o critério que define os ciganos é a origem étnica, independente do status social ou características culturais dos indivíduos que a compõe.

Convém ressaltar que diferentemente do conceito de ‘raça’, a etnicidade não é uma categoria biológica, mas um conceito multidimensional que inclui aspectos culturais e sociais de maneira dinâmica.

A questão terminológica é crucial para compreender o problema da definição e diferenciação dos ciganos.

Acrescenta Zoltan Barany (2002:9) “um dos mais comuns equívocos em relação aos ciganos é que eles são um povo intrinsecamente nômade”. Além de não serem todos nômades, estaria presente em alguns grupos uma forte identidade territorial, como afirma consoante Olivera: “Os ciganos são às vezes (geralmente?) mais ancorados em um território e sua história que os povos ao seu redor” (2012, p. 20).

O núcleo da visão de mundo cigano consiste num modelo dicotômico: ciganos e gadjés. Neste modelo binário, “os ciganos veem o mundo gadjé não apenas como separado, mas como inferior e contaminante. O único contato amplo com não-ciganos ocorre na esfera econômica” (SILVERMAN, 1988).

Carol Silverman, Os ciganos são comumente considerados uma diáspora histórica (diáspora; o sociólogo Robin Cohen delineou as características de uma diáspora, manutenção, restauração, segurança e prosperidade, até a sua criação; e o desenvolvimento de um movimento de retorno;).

Alguns pesquisadores entendem os ciganos como um grupo outrora único e homogêneo, com raízes históricas e padrões de migração comuns, que se fragmentou.

De acordo com esses pesquisadores, os ciganos seriam  descendentes de grupos que saíram do noroeste da Índia e chegaram à Europa no fim do século 13.

Essas ideias são baseadas nas semelhanças encontradas por linguistas entre os idiomas romani e sânscrito e, posteriormente, em outros paralelos entre as culturas romani e rajput (HANCOCK, 2002, p.13).  Como afirma Zoltan Barany: “a língua romani é o único “livro” que os ciganos carregavam nas suas viagens; ela representa a memória coletiva e fornece importantes indícios aos linguistas e historiadores sobre as suas origens e suas longas jornadas para a Europa” (2002, p. 8)

Os  ciganos  existem  em  pelo  menos  duas  dimensões:  como  parte  das respectivas sociedades em que vivem e como um grupo étnico distinto e geograficamente disperso. A busca por elementos comuns a todos ciganos tem resultado em distintas categorizações que enfatizam aspectos culturais, socioeconômicos, biológicos, entre outros.

Ser cigano: contatos interculturais e reelaboração identitária                           (Marivânia Conceição Araújo, Igor Shimura)

 Ao tratarmos da identidade cigana faz-se necessária uma breve análise do etnônimo cigano, seu histórico, significados e implicações.

O termo foi criado na Europa no século XV para identificar um grupo de desconhecidos, cujos homens eram “de má aparência, negros, queimados pelo sol, de roupas sujas” e que provocavam a curiosidade da população em geral, especialmente porque chegaram autoproclamando-se “reis” e “duques” (MARTINEZ, 1989, p. 12).

Com o passar dos anos e com um convívio marcado por atritos das mais diversas naturezas o termo incorporou uma conotação racial – a “raça cigana”, que  recebeu os mais diversos significados (especialmente negativos) que constituíram parte dos estigmas atribuídos aos ciganos em diversos lugares ao redor do mundo, ontem e hoje.

É importante notar que os próprios “ciganos” usavam diferentes autodenominações, cada qual identificando seu próprio grupo étnico: calon, rom e sinti.

O termo cigano, carregado de significações geradas pelas conflituosas relações entre “os ciganos” e não ciganos teve um papel fundamental na construção identitária do povo nos períodos pós-chegada à Europa, bem como na formação dos mecanismos de relações interétnicas nas mais distintas nações ao longo da história.

Nossa reflexão tem início com construção conceitual a partir da literatura, em que ideias são difundidas em larga escala, formando opiniões e promovendo representações, vejamos como o termo cigano foi se definindo como estereótipo ante o etnocentrismo europeu.

A origem herética e selvagem desses peregrinos se difundiram pelos quatro cantos da Europa, fundamentando os primeiros estereótipos sobre os ciganos (FAZITO, 2006, pp. 698-9). Dessa forma, a repulsa por ciganos na Europa ocidental se tornou um fato e gerou uma onda de perseguições. Dentre tantos fatores que contribuíram para essa “negativação” de sua imagem, estava o perpétuo nomadismo e a cor da pele.

Heinrich Grellmann (1753-1804) foi um dos principais responsáveis pela popularização dos estigmas ciganos no passado. Em 1783 ele escreveu Die Zigeuner (Os Ciganos), trabalho no qual “estabeleceu os padrões para os subsequentes pesquisadores ao longo de muitos anos” e “ampliou e difundiu vários temas sensacionalistas como a irrestrita depravação das mulheres ciganas e as acusações de canibalismo” (FRASER, 1995, p. 195).

Os ciganos foram descritos como quem possui “uma pele escura, baixa estatura, crianças nuas, moradia em tendas, preferência por roupas encarnadas, uma língua secreta, danças sensuais, endogamias; indivíduos sujos e horrorosos, medrosos e covardes, ladrões, mentirosos, sem noção do pecado” (Cf. FAZITO, 2006, p. 707)

Trata-se de um povo que, estabelecidos os estereótipos sofreram todo tipo de barbárie, sendo vistos como uma “raça degenerada”. Foram escravizados na Moldávia e Transilvânia, forçados ao trabalho pesado, negociados como mercadoria entre senhores feudais e extirpados de toda forma de propriedade (FRASER, 1995, p. 223), dentre outras formas de perseguição e maus tratos (inclusive assassinados).

Alguns historiadores romenos entendiam que os ciganos eram “naturalmente depravados” e que escravizá-los “era considerada uma melhoria do seu estado anterior (sobre o qual até hoje nada se pode estabelecer com firmeza), porque pelo menos dessa forma eram integrados de maneira útil à sociedade” (FONSECA, 1996, p. 200).

Mesmo sob perseguição, ameaças e enfrentamentos, o fator identitário cigano se estabiliza em sua reelaboração constante e, por que não dizer, permanente. Com uma habilidade surpreendentemente adquirida nos processos históricos marcados por rígidas perseguições, os grupos ciganos mantiveram relações simbióticas, negociando símbolos ligados aos estereótipos que lhes foram imputados, adaptando-se e articulando elementos externos para se manterem vivos e fiéis à sua própria perspectiva de ciganidade.  

O “líder cigano” – como assim se apresentam –corresponde então aquele que incentiva os membros de seu grupo com suas identidades particulares para a performance e, consequentemente, para a ação coletiva, além disso, “é aquele que vai se constituir a partir da sua capacidade de mediar às relações com as agências e que são percebidas enquanto possuidoras de um poder que deve ser trazido e instalado no interior da comunidade” (BATISTA,2005:32).

Agindo “através de redes de solidariedade que têm como mola propulsora a origem (sangue) e as tradições cultivadas e rememoradas, ancoradas na memória coletiva” (SECUNDINO & BURITY, 2010:27) Portanto, estamos reconhecendo a “dimensão política como elemento primordial de fortalecimento étnico” (OLIVEIR A, 2013:45)

  Ciganos: olhares e perspectivas

Compreendo que, para os ciganos, há uma ideia distinta de território, que não necessariamente liga-se ao espaço meramente físico limitado pelo espaço de moradia.

Nas conversas e observações das idas e vindas dos ciganos em Mamanguape, conclui, o território para os ciganos representa um espaço delimitado pelas redes de parentescos, de amizades, solidariedades e trocas variadas, portanto seria um território expandido, que pode ter seus limites modificados há todo tempo, podendo sempre haver um novo limite territorial, este Território Expandido, seria uma espécie de território simbólico dimensionado pelas relações de cada grupo cigano específico. (MONTEIRO, 2015, p. 74).

Muito embora essas informações possam se derivar/fantasiar pela transmissão oral, a sua essência pode ser considerada como uma forma de expressar os seus sentimentos, sua fé em relação aquilo que acreditam, ao que aconteceu.

No lastro dessas informações, as de cunho religioso nos levam a relatar a percepção dos ciganos idosos sobre o convívio com a Sagrada Família. Para muitos ciganos, seus antepassados conviveram com Jesus, Maria e José durante suas peregrinações pelo mundo. Alguns relatam a rotina do menino Jesus entre as crianças ciganas e suas travessuras. Quando alguns meninos tentavam copiar essas travessuras, logo se acidentavam e os pais reclamavam com Maria.

Esta dizia que nada aconteceu enquanto passava a mão sobre a enfermidade e logo tudo estava sanado, já não haviam as feridas ou cicatrizes, estavam curados. Outros relatam que Maria era uma excelente padeira e que as ciganas lhes davam seu trigo para fazer pães e que, com as sobras, Maria fazia alguns pães para sua família. Relatam também que as ciganas ficavam abismadas porque com tão pouco ela conseguia fazer a mesma quantidade de pães para ela, ou então, era muito comum os de Maria serem sempre mais vistosos e saborosos.

Maria também teria amamentado as crianças ciganas e por isso são abençoadas. Um dos relatos mais costumeiros ao se ouvir esses contos, no entanto, é o de que quando os ciganos foram questionados por Maria e Jesus se não gostariam de ter consigo sua salvação, eles disseram que não, pois por ser um povo errante temiam que pudessem perdê-la. Era melhor ela ficar guardada nas mãos de Deus, pois assim, eles sabiam que estava segura e eles protegidos.

 Essa crença os leva a pensar que por isso, mesmo estando em dificuldades extremas, há sempre uma saída, uma salvação para todas as situações.

E isso nos faz acreditar que os ciganos tiveram forte influência no seu estilo de vida utilizando como referência essas passagens de contos orais, acreditando sempre que Deus proverá que o amanhã a Deus pertence e que por isso é necessário viver o dia de hoje sem muito que se preocupar com o de amanhã, pois sempre possuirão sua confiança que Deus os protege de todo o mal, afinal, sua Salvação estará sempre guardada com Ele.

Para SHIMUR A (2014), nesses mitos, Nossa Senhora tem uma estreita relação com os ciganos. Ela é cuidadora, provedora e salvadora e que, por força do seu destino sócio histórico, Nossa Senhora seria o equivalente brasileiro a deusa Kali do hinduísmo ou Santa Sara Kali, venerada no sul da França e que também é tida como protetora.

Para alguns ciganos Rom, Santa Sara é nossa padroeira mundial, mas como os ciganos adotaram a religião do país em que vivem, a padroeira dos ciganos do Brasil seria Nossa Senhora Aparecida. As crianças ciganas desde cedo recebem os ensinamentos religiosos alicerçados nos princípios de um Deus que é o Criador de todas as coisas, protetor, e que é capaz de perdoar e punir.

Tidos como místicos e mágicos, os ciganos já foram muito perseguidos por esta fama entre os séculos XVI e XVIII quando foi instituído pela Igreja Católica o Tribunal do Santo Ofício ou a Inquisição,  que atuou atendendo a numerosos interesses. Neste período, muitas mulheres ciganas sofreram punições por praticarem a quiromancia (leitura de mão) entre outros rituais, e muitas foram queimadas vivas nas fogueiras da inquisição por serem consideradas bruxas.

Mas isso mudou, em tom de conclusão, e para não pôr em dúvida a importância que os ciganos possuem para a Igreja católica e vice-versa, é de fundamental importância traçar a história da figura sacra de Santa Sara que foi uma cristã serva do Senhor Jesus Cristo, considerada como a padroeira dos ciganos.

Apesar de sua história estar envolvida em lendas, ela pode e deve ser vista como modelo de fé e devoção. Podemos e devemos invocar sua intercessão, apesar de não ser uma Santa oficialmente canonizada pela Igreja Católica, seu culto sempre foi permitido. Entendemos que ela deve ser vista como um meio encontrado por Deus para fazer o Evangelho de Cristo chegar até o povo cigano, um povo que sempre sofreu preconceitos, mas que conforme as diversas lendas, acolheu Santa Sara e foi por ela acolhido. 

Talvez seja por isso que recebem tantas graças de sua valiosa intercessão. Sobre a figura de Santa Sara Kali existem diversas versões sobre sua vida, dentre as mais famosas está a hipótese de que ela era serva de uma das três mulheres de nome Maria que estavam presentes durante a crucificação de Jesus.

Outra dessas lendas consiste de que Sara era a serva e parteira de Maria, mãe de Jesus, e que por esta tê-lo ajudado trazendo-o ao mundo, Jesus teria uma grande estima por ela.

Em todos os contos que permeiam a figura de Sara, ela sempre era a serva de alguma personalidade das narrativas bíblicas, além de ser contemporânea de Jesus Cristo.

Nesse sentido, em algumas dessas histórias ela também pode ser entendida como uma serva de Maria Madalena ou José de Arimatéia, além de tantos outros.

Todavia, a lenda mais utilizada para representar a figura sacra em torno de Santa Sara seja a de que ela fora predestinada para ser uma pessoa iluminada em vida pelo próprio Senhor Jesus antes de morrer. Segundo essa lenda, havia o ferreiro e cigano Jacó, convocado pelos romanos para confeccionar os pregos que seriam utilizados na crucificação de Cristo, já que os outros ferreiros se recusaram.

Tendo sua família ameaçada, viu-se obrigado a realizar o pedido dos soldados romanos. Conta a lenda que o cigano Jacó, chorando muito pediu perdão a Jesus, e disse ao Mestre: - Meu Povo não vê maculas em ti. Jesus com toda a sua misericórdia lhe responde: - Confie naquela que sairá das águas, esta ajudará muito o seu Povo. Jacó então contou aos outros ciganos sobre as palavras de Jesus, e estes em suas andanças foram passando a mensagem adiante.

Após algum tempo, segundo a tradição oral cigana, José de Arimatéia é acusado de se tornar um cristão e ter ajudado a roubar o corpo do Mestre, tendo em vista que foi no túmulo da sua família onde colocou o corpo de Cristo. Por ser rico e ter contribuído com a sua influência e favores aos romanos.

José de Arimatéia não foi condenado à crucificação, mas foi punido com a expulsão, e esta se deu da seguinte forma: José de Arimatéia, seu escravo Trofino, as Marias e Sara, todos foram colocados em uma barca sem remos e sem alimentos, para sofrerem e morrerem em alto mar.

Ainda na tradição oral, consta que durante esse período em que estiveram em alto mar, era grande o sofrimento que todos passaram, sem nenhuma provisão. Todos entraram em desespero, mas Sara foi a única que manteve a sua fé intacta em meio a todo este tormento, então, ajoelhou-se na barca e começou a pedir ao mestre Jesus que se fosse do merecimento de todos que a barca aportasse em segurança.

Em troca dessa graça, Sara prometeu ser escrava de Jesus, e levar a palavra do mestre aonde ela não tenha sido ouvida, além de usar um lenço na cabeça para o resto da sua vida, em reverencia e agradecimento pela concessão alcançada.

Milagrosamente a barca aportou em segurança no porto de Petit Roné, no sul da França, hoje conhecido como Saint Marie de La Mer (Santas Marias do Mar), onde todos foram acolhidos e recebidos pelos pescadores que viram esta barca aportar, com exceção de Sara, que pela cor de sua pele, foi deixada na praia.

Contudo ela não ficou só por muito tempo, haviam ciganos acampados próximo ao ocorrido e viram todo o desfecho do episódio. Sabidos da mensagem vinda de Nazaré e que passara pela Pérsia, de que Jesus anunciou a Jacó sobre a figura da misteriosa mulher saída do mar, eles a acolheram e perceberam que aquela era a jovem de pele escura que a história fazia referência.

Estes ciganos rapidamente acolheram Sara e ela passou a com eles conviver, e deste então, ela se incumbe da missão prometida a Deus de evangelizar a palavra sobre o mestre Jesus e suas pregações. Sara passou estes ensinamentos com tanto amor, que até hoje para os povos ciganos, Jesus é o maior dos ciganos.

 A presença dos ciganos nas artes e literatura foram  importantes para manutenção de um imaginário – em alguns momentos positivo, outros negativo “no imaginário popular brasileiro. 

Os ciganos retratados por Debret (MELLO, 2009, p.251) foram também destaque em obras de Machado de Assis, Guimarães Rosa e Cecília Meireles que destacaram características “Olhos dissimulados”, “Romanceiro” e “Boêmio” como destaque do povo cigano.

Mas destaco outra característica para essa análise “A cartomante” que permeou os contos e literatura brasileira, assim com o imaginário de nosso povo.

Assim como uma das práticas passadas de geração em geração na cultura cigana a quiromancia é sem duvida um dos ofícios da cultura ciganos mais questionados e perseguidos pelas autoridades ao longo da História (PEREIRA, 2009, p.149, BARROS, 2010,) e seria o elemento de ligação entre a dita “tradição cigana”e “religião cigana” a figura da cartomante é símbolo eficaz (LÉVI-STRAUSS, 2003, p.194) e figura lendária fundante dessa “magia cigana” e “ identidade cigana” construído no imaginário popular brasileiro.

A prática de quiromancia - leitura de mão - que durante anos foi associada a “ feitiçaria” ou “charlatanismo” e perseguida no Brasil pela “Igreja Católica” e  “Estado Novo” (MIRANDA, 2010, p.127) foi o símbolo comum encontrado entre a identidade “cultura cigana” e “espírito cigano” (PEREIRA, 2009, p. 94-95), causando as primeiras associações entre as duas identidades, principalmente depois da década de 70 quando no Brasil grande grupos de famílias ciganas se tornaram sedentárias e muitas mulheres ciganas liam mãos em praças públicas e em salas de quiromancia.

E as primeiras quiromantes não-ciganas (médiuns) que já estavam começando a desenvolver essa prática (PEREIRA, 2009, p. 96).

A história das perseguições que vitimaram os ciganos é parte constitutiva do mundo cigano na medida em que é a partir da relação com o mundo gaje que se define o mundo cigano.

Mas para compreender esse mundo cigano e produzir sobre ele um conhecimento positivo, será preciso por em suspenso essa posição de “vítima” e atentar também para a sua agência. Se os ciganos não tiverem a nossos olhos um lugar outro que aquele de vítimas, estaremos negando-lhes o que o antropólogo Roy Wagner chama de “criatividade”, algo próprio do ser humano, que produz esse certo “estar no mundo” que podemos chamar de “cultura”.

No contexto europeu, assim como os judeus, os ciganos foram perseguidos pelos nazistas, sendo exterminados durante a Segunda Guerra Mundial.

Apesar de toda a reação gerada pós-guerra, quando se tornou patente os crimes de guerra perpetrados contra o povo judeu, a mesma percepção não se estendeu aos ciganos, sendo possível destacar que a situação dos mesmos manteve-se muito próxima da negação ou mesmo da perseguição, tanto com relação aos países europeus que permaneceram sob a égide do capitalismo, como também nos países comunistas, quando os ciganos foram alvo de duras políticas de assimilação, como esterilizações e proibição de suas atividades culturais (Fonseca, 1996).

As tentativas de descaracterização cultural e contenção da população foram fortemente aplicadas contra os ciganos.

Como indica Sorj (2003, p.22), estes deslocamentos “estão permeados por desigualdades profundas de riqueza, distribuição do conhecimento e do poder, assim como conflitos ideológicos, sociais e de gênero”.

Ciganos e o poder público: exercício de pesquisa a partir de situações envolvendo deslocamentos

No Brasil, no início do processo de colonização em torno das décadas de 1560 e 1570, os primeiros ciganos degredados de Portugal aqui chegaram. Em diversos documentos coloniais encontramos o registro de ciganos acusados e condenados e cuja pena era o envio para as Colônias Portuguesas. Um dos motivos para tais ações seria o fato de Portugal não conseguir êxito de integrá-los à sociedade portuguesa, além da preocupação expansionista em povoar os territórios de além-mar.

Segundo Gaspar (2009) Portugal então passou a deportar diversos indivíduos e suas famílias inicialmente para suas colônias na África e posteriormente para o Brasil. Assim iniciou-se o processo de incorporação dos ciganos por aqui.

Ao mesmo tempo indica um padrão que não se restringiu às terras conquistadas na expansão europeia, pois é possível identificar uma tensão entre povos considerados autóctones e àqueles classificados como estrangeiros ou desviantes e sobre os quais vai recair as maiores ações de controle e contenção.

Mais recentemente a crise econômica e o avanço do discurso de extrema-direita têm reforçado a não aceitação de ciganos no continente europeu.

A elaboração de ações e políticas públicas dirigidas aos ciganos nos últimos anos tem trazido mudanças na forma pela qual o Estado-Nação tem atendido esses segmentos étnicos.

Os ciganos acabam por desafiar novas discussões político-identitárias, pois, considerando que se inseriram na luta por direitos muito recentemente e que cada grupo se insere em momentos muito distintos. É preciso entender os diferentes discursos e demandas de cada grupo. Precisam ainda desenvolver estratégias de organização, ação e capacitação de representações para dialogar com o governo, pois ainda são poucas as comunidades ciganas que têm uma atuação mais incisiva diante desse debate de reconhecimento social e identitário.

As políticas de reconhecimento de direitos específicos para os povos tradicionais no Brasil vinculam as identidades destas populações a modalidades de direitos (territoriais ou não), constituídos em momentos históricos determinados, cada segmento étnico – indígena, negro, cigano, etc. Configurando-se em uma extraordinária diversidade fundiária” (LITTLE, 2002).

Essa situação apresenta um desafio tanto para a aplicação da legislação como para as categorias antropológicas que subsidiaram a elaboração dessa legislação que implicaria na forma pela qual produzem a própria alteridade e que como será ordenada.

Anticiganismo: o tamanho do preconceito no Brasil

Márcia Yáskara Guelpa

Poderíamos começar esse texto dizendo que, para aqueles que não acreditam, há no Brasil, sim, um vírus do preconceito extremamente devastador quando trata-se do Povo Cigano.

Visitando acampamentos ciganos das mais diversas regiões brasileiras, podemos constatar que o anticiganismo é uma constante. Temos a impressão de que os sentimentos que abarcam a maioria dos brasileiros não ciganos são os mesmos.

Mostram-se admiradores da cultura cigana, mas na hora em que devem demonstrar seu lado amoroso, deixam escapar uns requebros descompassados por um povo que está no Brasil desde 1574 a lutar por sua merecida inclusão social.

Aliás, o termo cigano, como bem diz Rodrigo Corrêa Teixeira em seu livro História dos Ciganos no Brasil, (2008) tem uma conotação carregada de inquietudes semânticas, ideológicas, antropológicas etc.

Talvez esse seja um dos principais motivos da existência do vírus anticigano.

No sertão da Paraíba, cidade de Sousa, concentram-se cerca de 850 ciganos do grupo kalon. Trata-se da cidade que abriga o maior número de ciganos kalon brasileiros e onde o anticiganismo, ainda que de forma disfarçada, se faz presente de uma maneira ultrajante.

Não é segredo que a documentação sobre ciganos é rara e dispersa.  Nos últimos anos temos observado, no Brasil, casos paradigmáticos das mais variadas formas de intolerância em relação à cultura cigana, desde um terrível incêndio em um acampamento cigano por uma multidão enfurecida, até prisões de pessoas de etnia cigana, apontadas como raptoras de crianças e infanticidas para supostas práticas de magia negra.

Aliás, neste caso último, a cigana e seu filho ficaram presos por alguns anos, mesmo sendo inocentes, o que foi provado posteriormente.

E o que dizer, então, de uma cena horrível em que uma criança foi arrancada dos braços da mãe cigana acusada de pedir dinheiro na rua e de usar a criança para sensibilizar as pessoas?

Ainda estão a caminhar uma longa e acidentada estrada. Por mais que despertem certo fascínio entre os não ciganos, a sua existência é sempre acompanhada de adjetivos que os desqualificam de maneira cruel. 

Os estereótipos incidem sobre o povo cigano na forma mais perversa quando a pauta é o ser humano considerado sujo, trapaceiro e ladrão. Contudo devemos enfatizar que o anticiganismo, palavra que ainda não consta em dicionários brasileiros, além de ser muito antiga, tem tentáculos devastadores que avançam de maneira implacável em todos os países onde quer que o povo cigano resolva morar.

Na Moldávia e na Valáquia (atual Romênia), foram escravizados durante trezentos anos. Na Albânia e na Grécia pagavam impostos mais altos. Na Alemanha crianças ciganas  eram tiradas dos pais com a desculpa de que “iriam estudar”. Na Polônia, Dinamarca e Áustria puniam com severidade quem os acolhesse. Nos países baixos inúmeros ciganos foram condenados à forca e seus filhos obrigados a assistir à execução dos pais para que assim aprendessem a “lição de moral”.

Ainda hoje na Romênia comunidades inteiras são rejeitadas e enviadas para áreas isoladas cercadas por paredes, sem água e eletricidade. Na Eslováquia as mulheres ciganas são esterilizadas. Na Bulgária, são confinados em guetos urbanos. Na República Checa, são alvo de um número crescente de manifestações neonazistas.

Na Croácia, atiram coquetéis molotov contra os ciganos. Na Hungria,  são perseguidos e agredidos por milícias paramilitares e, portanto, tem que buscar abrigo no exterior. Na Bósnia e Herzegovina, sofrem discriminação diariamente como na Itália, Moldávia ou na Sérvia. Na França, são estigmatizados, expulsos e forçados a voltar para o Kosovo como consequência das expulsões em curso da Alemanha, da Dinamarca ou da Suécia.

Aliás, a Suécia recentemente admitiu que durante 100 anos marginalizou, esterilizou e os tratou como incapazes sociais. Assim sendo, apesar dos pesares, só nos resta dizer que o Brasil é um paraíso para as pessoas de etnia cigana.

O antropólogo Frans Moonen (2011), em seu livro Anticiganismo e Ciganos no Brasil, conta-nos que em uma passeata em Amsterdan, nos anos 90, um menino cigano carregava um cartaz com as palavras:

Ignorância gera medo, que gera preconceito.

Com certeza podemos complementar que o preconceito gera discriminação e que, por sua vez, gera exclusão. Em suma, a ignorância é a causa de tudo. As pessoas que excluem o Povo Cigano o fazem, com certeza, por ignorância. Portanto o caminho para sanar tão grave problema é gerar conhecimento a respeito da história e cultura ciganas.

"Imagine um mundo em que as pessoas não tenham endereço fixo,  documentos,  conta  em  banco,  carteira  de  trabalho  assinada e nem história. E que a vida dessas pessoas passe despercebida, como se não existisse. Que a única certeza é que nunca faltarão preconceito e ignorância, medo e fascínio, injustiças e alegrias ao longo de sua interminável jornada.

Bem vindo ao mundo cigano” ( MARSIGLIA, 2008)".

 

 

 

 

 

 

 

 

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