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RELAÇÕES CONJUGAIS E DE PAIS E FILHOS

RELAÇÕES CONJUGAIS E DE PAIS E FILHOS
Elisangela Borsoi Pereira
mai. 15 - 17 min de leitura
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Sabe o que é mais estranho? Meus pais são divorciados desde 2014 e até hoje parece que a qualquer momento ainda vou ouvir alguma agressão proferida por um deles nos usando como intermediários ou como alvo mesmo.

Do meu pai isso já é praticamente inexistente, mas a minha mãe faz questão de manter “o Pereira”, as vezes, ao falar do meu pai. É sempre uma pancada que recebo.

Ela possuía uma devoção e lealdade minha e de minhas duas irmãs até poucos anos. Hoje vejo cada uma como um lança mísseis contra o meu pai. Afinal, a minha mãe era a “vítima” dele. Mas crescemos e como bem diz o mestre Hellinger, os filhos se aliam secretamente ao cônjuge em desvantagem.

Mas percebo que nisso tudo houve uma proibição de amar nosso pai. Eu tive um longo namoros secreto com o pai do meu filho, minha irmã mais nova está com cistos no útero, sobrepeso e não a vejo superando efetivamente sua depressão, apesar de ter entendia sua leucemia e sobrevivido.

E minha irmã mais nova que eu, me contou recentemente que tem uma doença autoimune no fígado, além de um hipotireoidismo que surgiu na gestação.

E por falar em gestação, minha irmã mais nova disse que não quer ter filhos porque sabe bem o que sofreu em casa, disse ela.

Quanta coisa deve ter nisso tudo e é claro que não brotou tudo do dia para a noite dentro do relacionamento dos meus pais.

Bom, como eu me sentia convivendo com a tal alienação parental? Realmente como um lança mísseis, mas que mais estava a ponto de implodir do que de atirar. Mas infelizmente atirávamos muito. Acho que isso começou mesmo na nossa pré-adolescência. Realmente, a gente fica aqui dentro tentando encontrar o que presta na gente, já que nem uma metade nem a outra servem.

“O teu pai isso, a tua mãe aquilo...”

- Não casem! Nunca casem porque homem só serve para incomodar!

E de repente nenhuma das três queria casar e minha mãe se deu conta de que os netos também não viriam. Foi quando cheguei a casa dela num certo dia e vi um Santo Antônio de ponta cabeça numa gruta que eu havia construído a pedido dela. Que imagem de desespero.

Antes ela tivesse atuado na causa e não nos sintomas.

O que tirei da consciência em conhecer a alienação parental? O quanto as pessoas estão dispostas a usar qualquer arma quando têm dificuldade de encarar e aceitar a si próprios quando se reconhecem refletidos no outro. O quão grande pode ser a violência de quem a gente espera proteção. Mas é claro que não são os adultos que reagem com agressão.

Entendo isso.

Claro que, infelizmente, já dei meus gritos com meu filho enquanto não percebi o tanto de insegurança e choro que eu tinha aqui na minha criança. Meu último xixi na cama foi aos nove anos e isso porque minha Nona me fez entrar debaixo da cama e comer uma crista de galo assada, na presença da minha irmã e de mais três primos. Sei que ela estava realmente tentando resolver, mas foi mesmo um trauma abafando outro.

Que mico, mas desse até posso rir hoje.

Hoje falo com meu filho a respeito do que já aconteceu buscando reparos e principalmente continuar me curando e não ferindo.

Mas o principal de tudo é saber que um filho é realmente a “arma” mais poderosa que alguém pode usar para acertar a própria cabeça quando mira tentando ferir seu parceiro.

Eu e o pai do meu filho não vivemos juntos e por mais que eu não goste nada do fato de ele praticar abandono afetivo, eu consigo ama-lo sempre mais cada vez que vejo seus traços no meu filhote lindo. Lindo em tudo!

Sei que esse amor e respeito à posição de “pai” que ele detém por direito mantém o meu filho muito mais saudável. Semana passada ele me perguntou, todo empolgado, “como foi que vocês se conheceram, mamãe?” Claro que eu respondi com a felicidade e amor que eu tinha quando tudo realmente aconteceu.

Dava para ver nos olhos do meu filho toda a validação que conhecer aquela história proporcionou a ele, uma criança de 4,5 anos. “Sim, meus pais realmente se quiseram”.

Sei que meus pais foram felizes pois lembro de vê-los felizes, mas aquela imagem de ninho, de entrega e comprometimento entre um casal eu não tenho. Lembro de vê-los se beijando e até de quando tomavam banho juntos quando ele voltava de viagem enquanto morava fora para fazer faculdade. Foi entre meus 8 e 12 anos. Isso realmente me deixava feliz, era seguro.

Mas houveram muitas dificuldades em sua vida conjugal.

Perderam o primogênito aos sete meses de gestação, 6 anos depois estavam com a caçula em tratamento por leucemia, numa época que quase todos os diagnosticados morriam. E sempre houveram dívidas a serem pagas; meu pai sempre “tinha” que pedir transferência para longe da gente ou para estudar ou para ganhar mais.

Quando cresci me peguei repetindo esta dinâmica dele, mas meu questionamento era quase consciente...

“O que meu pai procurava que era mais importante do que estar com sua família?”

Consegui responder logo depois de completar 41 anos. Era um movimento de alma muito forte de busca e quando encontrei eu literalmente devolvi este fardo a ele. Posso eleger isso como uma das maiores conquistas da minha vida.

- Realmente, querido papai, você é grande e eu sou pequena. Todo esse peso não é meu. Eu o honro. Devolvo-o para você e vou te contar um segredo... pode entrega-lo para o Vovô porque ele também não me parece ser teu.

E vejam quanta "sorte"! Uma dor insuportável que eu tinha no meu ombro direito praticamente desapareceu de um dia para o outro. Inacreditável mesmo. De um dia para o outro.

E como são as coisas... isso aconteceu em plena pandemia e eu nem pude abraçar o meu pai naquele momento que ele saiu da minha casa levando com ele o imenso fardo que eu o ajudava carregar. E como eu o admiro ainda mais por saber também sobre o peso que ele carrega.

E de repente, aquela raiva que eu sentia e me fazia parecer um trator, e que eu vi muitas vezes nos olhos do meu pai, já não estava mais comigo. No começo fiquei desconfiada, mas ela realmente se foi e a minha vida melhorou ainda mais.

Nossa relação melhorou absurdamente. Dei um imenso passo em minha própria direção. Consegui fortalecer o meu feminino e hoje posso dizer que me sinto uma mulher. Agora sim, eu sou uma mulher! Agora eu tenho uma mulher para entregar. Eu consigo ser uma mãe bem melhor.

Depois que meus pais se separaram as histórias apareceram. Aff, como tem coisa que filho não precisa saber. Não precisa mesmo! Até já esqueci de várias que me disseram e não quero saber de mais nenhuma.

Mas sei que meu pai sempre foi ambicioso e muitas vezes quis dar passos maiores que suas pernas. Tem uma arrogância e um preconceito que me faziam ficar parada olhando para ele e tentando entender porque justo o meu pai falava aquelas coisas. Fazia piadinhas sobre pretos. Realmente eu ficava muito confusa. “Será que ele não consegue se ver no próprio espelho?” - pensei certa vez. É realmente muita memória de exclusão, exclusão por causa da cor. Da cor? Ainda não cabe na minha cabeça.

Bom, já é bom demais tê-lo tomado como um bom exemplo a não ser seguido em diversas coisas e a ser seguido em tantas muitas outras mais. Vejo muito dele em mim, e realmente me fazem única. De fato, pais sempre são bons exemplos!

Que faço eu agora? Literalmente olho para minha mãe. Antes de alcançar o meu pai eu sequer conseguia chegar muito perto dela, agora já estou parada bem a sua frente e olhando-a nos olhos. E o que vejo é a pessoa super bem sucedida que é um exemplo para muitas outras pessoas, inclusive para mim. A vejo agora como uma pessoa aparentemente super forte me olhando meio perdida, como se tivesse sido pega.

O que sinto é como se eu estivesse falando para ela:

- Olhe para mim, mãe. Olhe para mim e veja que é possível você ser ainda muito mais do tanto que você já é. Não precisa só sacrificar-se, carregar fardos pesados, ser sempre tão forte. É possível para você também ser uma mulher. Confiar em um homem, desejar e viver um amor de casal.

- Não, mãe, não é coisa de vagabunda tentar novamente e novamente se for necessário.

- Isso é viver, é permitir-se. É sentir a intensidade da vida, é sim ter um espelho para olhar, mas saber que não precisa ficar assustada com o que vê. É apenas você refletida.

- Olhe e agradece com o que é bom e, quem sabe, mude no que você achar que não te faz feliz, afinal, o poder para isso está bem aí, escondidinho na sua mão.

- Não, realmente não é tão fácil como fazer polenta ou cuidar de um irmão com câncer até enterra-lo e depois cuidar de uma irmã com câncer que também está prestes a partir.

- É mais difícil sim, porque é ter que olhar e viver a própria vida.

E que coisa interessante... Há anos me dei conta de que a minha mão nunca tem um espelho que a mostre por inteiro. Na casa dela tem dois minúsculos nos banheiros e um que mal mostra o meio do corpo. Aqueles de roupeiro capelinha que corta a cabeça e as pernas. É realmente difícil de nos encararmos as vezes.

Sei do tamanho do machismo que existe em meu sistema. Eu sabia que ele existia, mas pude experienciar e até constelá-lo. Ele realmente é muito, mas muito maior do que eu pensava e crescer mulher dentro disso é realmente como sofrer uma castração em muitos sentidos. Infelizmente é também aprender a “castrar”, a expressar o amor de forma não funcional.

Vejo esta dor em todas as minhas tias também. A dificuldade de confiar e de “submeter-se” ao masculino porque realmente o masculino não aprendeu que sua parte é servir ao feminino, e que relações funcionais operam com troca e felicidade mútua.

Certa vez, na adolescência, quando minha mãe queria que eu namorasse certa pessoa que a estava a assediando para que o ajudasse a me convencer, ouvi da minha mãe que “a gente tem que gostar de quem gosta da gente”.

Na ocasião me pareceu bem sensato, afinal, que bom poder gostar de quem gosta da gente. Mas hoje essa frase me parece um “com fome a gente tem que comer o que está à mesa, e ainda dar graças a Deus”. Claro que é bênção ter comida, mas neste contexto me parece submeter-se a uma boa dose de miséria.

Que desordem a morte em decorrência do parto, da mãe da Nona e seus dois bebês, devem ter causado em nossa família. Querida biza e querido bizo, como deve ter sido difícil para ambos.

Bem, eu entendo bem a minha mãe. Uma das histórias que me contou sobre ela foi a de que uma vez fora mordida por um cachorro e, para a Nona não ficar brava e bater nela, ficou bem quietinha. Disse que aquilo inflamou absurdo. Imaginem!

E eu cresci ouvindo... “Se cair vai apanhar”.

Quando meu filho nasceu e começou a correr estes riscos, o que eu li ao lembrar destas histórias foi um grande “não posso contar com a minha mãe se eu me machucar e ainda corro o risco de ela gostar menos de mim se eu der trabalho”.

Lembro-me de viver pilando cerca no sítio quando estava morando na Nona. Pelo menos três vezes pulei em prego enferrujado e o que ela fazia?

Cortava uma cebola e cuidava para que tudo fosse puxado para fora do buraco. Eu sempre tinha um trapinho enrolado em dedos dos pés ou das mãos. E como eu sentia uma felicidade em ter aqueles trapinhos. Sentia o amor!

Como não adoecer se isso for o necessário para ter atenção? Se isso for o necessário para receber o que se percebe como uma expressão do amor?

Lembro-me de algumas vezes que eu tive bronquite - quando estávamos morando na Nona enquanto minha mãe estava em Curitiba ou mesmo nas longas férias no sítio -, a minha mãe aparecia de repente. Eu ficava doente ao perceber que viria ou ela vinha porque eu havia adoecido?

O que faço com meu filho hoje? Explico que vai cair e vai doer e as vezes fico brava mesmo porque passa do limite da segurança, mas quando cai ele corre pra mim porque sabe que eu vou ajuda-lo a se recuperar e deixa-lo bem novamente. Que existe sim um lugar bem seguro no mundo. Bem seguro!

Quanta criança virando pais nesse mundo.

Entendo tudo o que já consegui ver até hoje, mas tem coisa em que eu ainda sinto dor.

Meu pai é super reservado, não fala praticamente nada sobre ele a não ser sobre o trabalho, mas ele permite que nos aproximemos a seu modo. Mas a minha mãe realmente não quer entrar em contato com essa imensa dor do amor nem pelo abraço. É sempre um abraço tenso e rígido.

Ainda ouço ela falando para as minhas irmãs que me vê só porque tem saudades do meu filho. Mas eu nem ligo né!? É apenas a minha mãe me dizendo que não me quer, justo a mim, o seu bebê arco íris, que lhe fui tão leal.

Ops, que dor é essa que apareceu aqui no meu peito? E esse nó aqui na garganta que nem posso chorar, para não assustar o meu filho. Que será isso?

Eu ligo sim e muito!

Acho que somos mesmo um perfeito espelho porque já vi e tratei muitas das dores que ela tem mais não quer, sequer, olhar. Imagina se vai querer entrar em contato com esta dor do amor. Eu mesma sei que ainda fujo de encara-la. Acho que também estou aqui olhando, bem mais de perto e sabendo para onde olhar, mas ainda olhando. Vez por outra dando um passinho a mais para a frente, esticando um dedinho, dando uma cutucadinha...

E o que eu ainda faço, mesmo que raramente, com isso que ouço dela? Ainda arrumo jeito de a agredir. A sensação que tenho é de tentar fazer com que ela saia dessa posição de vítima e venha para a vida. Aí lembro que vítimas só precisam de aliados, e perpetradores, claro.

Em uma viagem de retorno, que meu pai fez para onde trabalhava, logo depois que eu nasci, minha mãe disse que olhou para mim e disse: Agora somos só nós duas.

-Não, mãe, não somos só nós duas.

Na vida é sim cada um por si. O que podemos é amar e contar com o amor de quem nos ama também, se acreditarmos realmente nele.

Mas contar com o amor e não com a vida e nem tampouco entregarmos nossa vida a outra pessoa. Isso é uma relação parasitária, que parece ser de benevolência, mas é apenas de fuga e refúgio na inocência. É sermos um fardo que alguém precisa carregar ou ao qual sente-se atado enquanto afunda sem chance para respirar.

Bom, sei que o movimento que ainda me falta é deixar que a minha mãe fique com o seu próprio destino e eu de tomar a minha vida para mim.

- Afinal, querida mamãe, só você pode se salvar e eu a mim!

- Querida mamãe, eu ainda preciso que você seja feliz para que eu também tenha permissão. Ainda!

Mas sei que nisso tudo tem muito, mas muito amor além do aparente. Logo escreverei o capítulo do que houve e há de amor aparente. Que também é muito, muito mesmo.

 

#Conclusão #mod03

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