No último encontro da Professora Olinda Guedes conosco, seus alunos, que se deu em 01 de maio, Dia do Trabalho, ou dia do trabalhador, fomos levados a meditar em nossas profissões.
Cheguei à Educação muito novinha, tinha 13 anos quando comecei a cursar o Magistério, 16 anos quando concluí.
Magistério nunca foi fim, e sim o meio. Eu sonhava com algo maior, dava o nome de Medicina, mas no meio do caminho me apaixonei por Psicologia, porém nunca cursei.
Foi ainda no normal que conheci a teoria psicanalítica, Id, Ego, Superego. Eu tinha finalmente me encontrado.
Eu sou filha e neta de pessoas que trabalhavam em ofícios muito simples, minha mãe ainda trabalha como empregada doméstica, minha avó sua mãe era copeira, meu avô seu pai, quando eu era criança, era alguém que guardava a propriedade de outros (sem ter a sua própria).
Meu pai é funcionário público (trabalhou em duas esferas: municipal e estadual), sua mãe, minha avó, era lavadeira, e meu avô também não tinha uma profissão definida, foi operário, porteiro, fez bicos.
Dos meus bisavós, sei muito pouco. Da minha bisavó paterna, sei que era rezadeira, mas não cobrava pelos serviços, os que voltavam satisfeitos lhe ofereciam agrados.
Minhas ancestrais estiveram muito envolvidas com o ambiente doméstico, com o qual não me identifico.
O magistério em minha família surgiu com duas das minhas tias, irmãs do meu pai. Ambas também são funcionárias públicas.
Venho de uma família que há muito pouco tempo pode pensar em fazer escolhas profissionais.
Como uma das primeiras, eu também não pude fazer muitas escolhas, assim eu acreditava, mas ao me formar professora, estava trazendo a Educação escolarizada, institucionalizada que faltou a muitos em meu sistema.
A Igreja Batista, figura central da minha vida durante minha formação, representou sempre uma mãe para mim; por meio dela, em 1998, ingressei em minha primeira graduação: Educação Religiosa.
Esta formação tinha uma perspectiva profissional, mas muito limitada ao ambiente eclesiástico, então, a fim de ampliar meu campo de ação, em 2005 ingressei no curso de Pedagogia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Olhando para meus pais, tios e primos, as linhagens materna e paterna, constato que fui a primeira a cursar uma graduação em minha família.
Fui a primeira a cruzar esta fronteira. Do mesmo modo quando me tornei Mestre em Educação, pela mesma Universidade, também fui a primeira a conquistar este título e ocupar o espaço acadêmico.
Até vir para São Paulo, eu dava aulas para a Educação Infantil no município de Mesquita.
No ano de 2017, perdi o medo e fui constelada pela primeira vez. A facilitadora que me atendeu disse que via uma consteladora em mim.
A Psicologia era para mim uma paixão que eu não pude viver, da qual eu tive que me despedir, talvez eu estivesse revivendo um desencontro amoroso de algum antepassado.
Houve uma vez que uma amiga me disse que a Psicologia não era minha paixão, se tivesse sido, eu faria de tudo, para tornar esta profissão real em minha vida.
Eu fiquei muito chateada com ela, na verdade, eu morri de raiva.
Ela não sabia, mas, nas situações em que eu poderia hipoteticamente ter escolhido a Psicologia, a vida me levou para outros lugares e me apresentou outros caminhos, e a Educação era tudo o que tinha, era o ofício que estava ao meu alcance.
Minha bisavó Adelina era rezadeira, uma tradutora da linguagem espiritual; minha avó Margarida, sua filha também trazia consigo esta herança dos seus antepassados, e desde pequena eu soube que também trazia.
Conversar com sonhos, perceber imagens, vozes, a possibilidade de um mergulho na intuição, é algo que trago delas.
Minha mãe gosta de aconselhar e orientar pessoas, é intuitiva; daria uma excelente terapeuta, uma psicóloga.
Trago delas este arquétipo da mãe que cuida, que acaricia, que orienta, que media, que luta, que defende, que ajuda, a curandeira, a curadora.
Hoje sou Pedagoga Sistêmica, mas fiquei feliz quando a Olinda afirmou que todo terapeuta ensina.
Rompi a crença que eu tinha de que só poderia ser terapeuta se estudasse Psicologia.
Eu posso ser terapeuta, como diz a irmã Neiva, sou aprendiz de terapeuta, eu sou várias em uma só, e à medida que o tempo passa, a terapeuta que existe em mim, vai se mostrando a cada dia, vai se colocando disponível ao serviço daqueles que tanto necessitam.
Dos homens do meu sistema, trago as questões básicas de sobrevivência.
E me tornei funcionária pública como o meu pai.
Ter uma profissão nunca foi uma escolha para meus antepassados, antes, eles trabalharam como uma imposição da própria sobrevivência.
De início senti um peso, pois não houve a tão falada realização profissional em meu sistema, mas depois senti um alívio quando a Olinda disse que o trabalho serve a vida e à profissão, foi por meio dos ofícios dos meus antepassados que a vida foi mantida e chegou até a mim, neste sentido, nenhum trabalho é melhor que outro, pois todos servem a vida.
É por meio do trabalho que a vida se mantém, o trabalho tem prioridade, depois a profissão.
É por isso que hoje, posso pensar numa relação diferente com meu trabalho e com minha profissão.
Vejo que a Educação é como uma grande mãe, que acolhe muitos filhos.
Muitos destes filhos são ingratos, tomam, tomam e não reconhecem o muito que recebem.
Tomam muito e devolvem pouco.
Não querem servir a vida, querem guardar o conhecimento apenas para si.
Eu fui uma dessas filhas ingratas, a Educação me deu muito, me dá muito e eu não reconhecia, tampouco agradecia, só reclamava, exigia dela cada vez mais. Até que eu entendi que eu tinha o suficiente, eu tinha muito mais do que meus antepassados já tiveram.
Por outro lado, os profissionais da Educação são muito exigidos, desvalorizados.
Por meio da Filosofia Sistêmica, pude observar que as relações são espelhos, muitas vezes as famílias dos alunos, os colegas de trabalho mostram aspectos que precisamos ajustar em nossa postura diante da vida.
Profissão é mãe. Trabalho é pai.
Não há como ser bem sucedido e próspero na carreira sem tomar pai e mãe, sem tomar a força dos que vieram antes.