Estou tendo contato com as aulas sobre Constelações Épicas. Eu já era aluna da Olinda quando estas aulas foram ofertadas, mas eu estava desatenta demais para receber estes ensinamentos.
No ano passado, fui constelada e a facilitadora me disse que eu era desatenta, que deixava oportunidades preciosas passarem. Eu fiquei muito, muito brava! Logo eu desatenta?! Logo eu que prestava toda a atenção nas aulas e tirava notas boas, aquela que sabia onde estava localizado cada versículo da Bíblia, que sabia usar sua boa memória!
É claro que esta Consteladora não estava falando das minhas habilidades mentais, ela estava me informando sobre o movimento de lealdade que eu tinha ao meu sistema. Por estar desatenta, eu não podia ver, saber, nem desvendar os segredos da minha família. Por estar desatenta, eu não saberia fazer uma leitura correta do campo. Por estar desatenta, em vez de soluções para a minha vida, minha postura era semelhante à de um cachorro que corre atrás do rabo e só se cansa.
Custou até eu entender isso, mas agora eu sei, e consegui entender este ensinamento, não pela via do Ego, mas por um outro lugar, pela via da Consciência.
Por estar desatenta, não tomava os recursos que eu já possuía, isto é, eu já tinha acesso a muitas informações, mas não me deixava transformar por elas.
Mas, Salomão disse que: “Tudo neste mundo tem o seu tempo...” E o tempo da minha transformação chegou!
Fiquei profundamente tocada quando Olinda tratou dos abortos espontâneos, eu mesma sofri dois. Na verdade, eles aconteceram de modo espontâneo, mas foram abortos retidos. No aborto retido, o desenvolvimento fetal cessa, mas em vez de expulsar os bebês, o corpo os segura dentro de si. Descobri que meus filhos morreram por meio dos ultrassons de rotina, porque eu não tinha sangramento algum.
Na verdade, na primeira perda, meu corpo já havia dado sinais de que algo não estava bem, tive uma diarreia, não conseguia segurar nada, até perdi peso. Na segunda vez, foi mais sutil, dois dias antes do ultrassom, percebi bem de leve minha barriga um pouco mais flácida.
A perda destas gestações foi muito dolorosa para mim, para meu marido e para meu filho que esperava tanto um irmãozinho ou irmãzinha. Eu demorei abrir meu coração para a maternidade, mas quando abri, queria ter muitos filhos, sentia que eu não deveria ser mãe de um filho só. Na verdade, eu não sou mãe de um só, sou mãe de 06 filhos, 01 ficou comigo e os outros 5 ficaram por pouco tempo e partiram, mas todos fazem parte e tem um lugar em meu coração.
Eu tenho uma tatuagem representando minhas gestações, mas foi por meio de uma constelação que soube que eles eram gemelares. Foi difícil digerir esta informação, acredito que seja por causa da dor, ter uma perda gestacional já é difícil, imagine sentir que em vez de nascer dois ou três nasceu apenas um filho por vez?
Senti que devo fazer mais uma tatuagem, um ramalhete com 06 flores, para simbolizar meus frutos, filhos que ofereci ao mundo.
Numa perspectiva sistêmica, abortos espontâneos podem ser uma tentativa do sistema de prantear aqueles que partiram sem pranto, sem lamento, sem saudades... Podem ainda estar relacionados a suicídios que não foram vistos, cuidados, integrados.
Suicídios são tabus, muitas vezes trata-se de segredos dentro de uma família, dentro de um sistema, mas a memória deste trauma continua lá, até que algum descendente acessa essa memória, e se coloca sem que sua mente perceba a serviço deste sistema.
“Na Consciência coletiva ou arcaica estão todas as memórias do sistema, tudo o que está em aberto, tudo o que não foi reconciliado, ordenado ou reparado. Todos os seres estão a serviço da vida. Tudo e todos. Todos os filhos estão a serviço dos pais, esta é uma das ordens do amor. Todos os filhos, independente da idade, estão trabalhando para os pais, para os antepassados”. (Guedes, Olinda. Além do Aparente, p.193)
Os menores, os que chegam depois estão sempre a serviço, por meio deste conteúdo, consegui perceber como eu estava a serviço do sistema ao passar pelos abortos.
Nunca soube de ninguém em minha família que tivesse cometido suicídio, mas nas histórias do meu povo, do povo africano, que foi sequestrado e trazido a esta terra, há vários registros de suicídios provocados por banzo.
Segundo Haag,[1] BANZO é uma palavra ligada ao quimbundo mbanza, aldeia, e assim significaria “saudade da aldeia”, saudade do lar, saudade de casa. A violência do exílio forçado, a desumanização provocada pelo estado de escravidão e tudo o mais que ser escravo implicava, isto é, perder a liberdade e sofrer maus tratos, e sobretudo a saudade de casa, levou a muitos de meus ancestrais a cometerem suicídio. Uns de modo passivo recusavam alimentos, se deixavam morrer de inanição e tristeza, outros, enforcavam-se, afogavam-se, esfaqueavam-se, envenenavam-se.
Sinto que esta memória está relacionada ao sistema da minha mãe, seu pai, meu avô, nasceu em 1903. Pensando assim, a partir do meu sistema, eu faço parte da quarta geração de afro-brasileiros libertos, estes fatos, estas histórias ainda estão pulsando dentro do sistema, ansiando para serem vistas, curadas, ressignificadas:
Queridos antepassados, eu vejo vocês...
Eu vejo todos vocês,
Os vejo quando olho para as estrelas,
Quando sinto o perfume das rosas,
Quando deixo meu corpo se levar pelo ritmo da música,
Quando permito que cada palavra engasgada saia de meu corpo e ganhe o mundo,
Provocando e frutificando corações férteis.
Sim, meus queridos, vocês fazem parte e eu vejo todos vocês e dou-lhes um bom lugar em meu coração.
Paula Azevedo
[1] https://revistapesquisa.fapesp.br/a-saudade-que-mata/