Lembro-me como se fosse ontem, eu, criança, indo alugar um filme com minha mãe. Para as gerações atuais explico: na minha infância usávamos fitas em vídeo cassete para assistir um filme em casa e alugavam-se as fitas referentes ao filme que queria ver em uma vídeo locadora.
Era um evento escolher um filme e ter aquela fita por um fim de semana inteiro. No auge da minha bobice, escolhi com insistência uma comédia idiota, e minha mãe alugou também para mim a história de Sissi a imperatriz (eram três fitas toda a história).
Não me lembro em que momento do meu fim de semana que sendo uma adoradora de filmes resolvi colocar o filme que minha mãe escolheu para mim. Sim, eu tenho uma alma teimosa de ser livre e desde pequena tentava combater escolhas para mim que não eram feitas por mim.
Sissi é uma história real de uma mulher de alma livre que se tornou imperatriz da Áustria e Hungria com dores e amores. Uma vida a ser estudada com diversas lições humanas. Porém, o filme que vi (ou talvez seja o que observei), mostrava apenas coisas bonitas e românticas (uma ilusão) de uma mulher extraordinária.
Uma mulher encantadora e dona de si com uma família pouco ideal para a realeza. Aos 16 anos, ao passar um fim de semana no castelo do primo, é escolhida como futura esposa pelo imperador que se encanta por sua beleza, alegria e espontaneidade, tornando-se imperatriz da Áustria e Hungria.
Na trilogia o primeiro filme mostrava sua vida de solteira até conhecer o príncipe e se casarem POR AMOR! O segundo filme se passava na sua vida casada como imperatriz. Uma vida perfeita. Ela era amada pelo marido, exercia e gostava de suas funções, era justa, adorada e fazia coisas boas para todos.
Ela era linda e carismática, encantava a todos por onde passava. Seu carisma era maior que a força das armas. No terceiro mostra seu final de vida, doente, isolada para morrer em uma ilha. Eu verdadeiramente deletei da minha cabeça detalhes desse terceiro filme.
Aquela história romantizada e ideal onde até os problemas pareciam bons, colou na minha alma. Passei o fim de semana inteiro assistindo obsessivamente o segundo filme. Vi toda a trilogia e me apeguei aos melhores momentos ao ápice da imperatriz.
Nasci em um sistema familiar em que a porta de entrada para a vida adulta da mulher é o homem que ela casa. Tanto do lado da minha mãe, como do meu pai, sistemas machistas em que os homens têm valor somente por ser homens independente das virtudes e mulheres são auxiliares mesmo que tenham extraordinárias virtudes.
Eu era uma criança livre, carismática, brincava como queria, mal sabia que essa força era necessária para transformar memórias de dor do meu sistema. E percebo com os olhos de hoje que a fixação pela história romantizada de Sissi, a imperatriz, era minha alma me dizendo o que vinha pela frente.
Aquele filme assistido com tanta inocência na minha infância trazido pela minha mãe, no qual minha alma colou, me mostrava as fidelidades que existiam no meu sistema familiar. Uma vida supostamente perfeita, em berço de ouro, validada por um homem perfeito.
Lembrar disso ao realizar esse exercício curou algo em mim.
Me fez perceber que eu não era estranha por ser diferente quando criança e, sim, que essa “estranheza” nada mais era que:
Virtudes necessárias para transmutar as memórias de dor dos meus antepassados, desemaranhar essas energias, fazer o que aqueles que vieram antes não tornaram possível.
Muitas fichas foram caindo...