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DESCOBRINDO CRIANÇAS

DESCOBRINDO CRIANÇAS
Paula Azevedo
abr. 27 - 12 min de leitura
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A leitura de Descobrindo Crianças me atravessou de várias maneiras.

 Sou mãe de uma criança de sete anos, uma educadora que reconhece o quanto os sentimentos de um jovem estudante são importantes em seu processo de aprendizagem. Além disso, Violet endereça o livro para adultos que possam querer entrar em contato com suas próprias infâncias no sentido de uma melhor compreensão de si próprios.

 Foi impossível ler o livro e não fazer conexão com minha própria infância, com aquela criança que mora em mim, uma criança que outrora não foi vista, considerada, muito menos compreendida.

Fiz uma conexão também com  a infância dos meus pais e dos meus avós, uma infância usurpada, silenciada pela necessidade de sobrevivência. Meu filho faz parte da segunda geração de crianças dentro da minha família que não precisa se preocupar com o que vai comer, que pode viver sua infância brincando e construindo conhecimentos na escola.

É claro que ainda há muito para se completar. Uma vez que a sobrevivência está assegurada, podemos olhar para outras questões, como por exemplo, as emoções.

Em minha relação com meus pais, nunca houve lugar para a expressão dos sentimentos, sejam eles de carinho, amor, bem-querer, apreço, muito menos para a dor, a raiva e o medo.

E como todos os pais dão aquilo que recebem, posso imaginar que, em suas relações com seus pais (meus avós), também não havia este espaço necessário para tais expressões.

Em um primeiro momento, apesar de entender a proposta da autora, isto é, proporcionar às crianças experiências sensoriais que as tragam de volta para si mesmas, que as reconectem a sua essência perdida em algum ponto do caminho, tive dificuldades em apreender a leitura do livro, pois, ao entrar no território sagrado da infância, fui tomada por sentimentos paradoxais.

Quero me aproximar, pois é um mundo que me encanta, me fascina, mas, ao mesmo tempo, não consigo lidar com as fortes emoções que esta aproximação me desperta.

Na verdade, percebi que essas emoções são as dores experimentadas pelas crianças do meu sistema.

Hoje compreendo que a sensação de ser invisível, o sentimento de ser negligenciada e incompreendida não era só meu. Esses sentimentos apontavam também para meus pais, avós e bisavós.  

Experienciar Descobrindo Crianças se tornou uma ação: eu vejo vocês, vejo todos vocês.

Tudo em vocês faz parte. 

E digo a vocês: Eu sinto muito.

No meu sistema, os filhos servem aos pais.

As crianças não podem ser crianças porque estão trabalhando para eles. No entanto, sabemos que os adultos deveriam servir as crianças, pois servi-las é servir a vida.

Servir neste contexto não é ser permissivo, mas atender às necessidades da criança.

Esta é uma clara inversão da ordem.

Os pais dão e os filhos recebem, o que não acontece apenas no meu sistema, mas em toda sociedade que gira em torno das carências, desejos e vaidades dos adultos.

Estes mesmos adultos, frutos desta sociedade que não dá voz, vez, nem um lugar à criança, não amadurecem, porque seguem um padrão transgeracional que implica numa briga sem a chance de reconciliação com suas infâncias.

Ter me entregado à leitura deste livro, me tornou apta a quebrar este ciclo de exclusão sistemática das minhas características infantis, aspectos que precisam ser reconhecidos e integrados, a fim de que eu possa dar meu próximo passo em direção à plenitude, à felicidade.

Fui professora de educação infantil por 10 anos, antes de fazer parte da equipe de gestão escolar como coordenadora pedagógica. Sempre me considerei uma professora sensível, mas, durante a leitura, percebi que poderia ter me aberto mais às minhas crianças.

Minha passagem pela educação Infantil poderia ter sido mais enriquecedora para mim e para elas.

Hoje, na coordenação pedagógica, tenho pensado em implementar, junto às professoras, algumas atividades que possam desenvolver as competências sócio- emocionais.

Tenho pensado nisso e meu desafio é convencer às professoras da urgência e da importância de tratarmos deste conteúdo em sala de aula.

Como em nossa fase de escolarização se privilegiava o raciocínio, a memorização, o mental em detrimento do emocional, muitas de nós não conseguiram ainda mudar de paradigma.

O interessante é que a Violet acena para algumas habilidades extremamente necessárias para  pessoas que trabalham com crianças.

Penso que alguém que trabalhe com crianças precisa saber algo sobre o funcionamento dos sistemas familiares, e ter consciência das influências ambientais que agem sobre a criança. Lar, escola, outras instituições com as quais a criança possa estar envolvida. Penso que se deve estar familiarizado com as expectativas culturais depositadas na criança.

Deve-se acreditar firmemente que cada criança é uma pessoa única e digna, com todos os direitos humanos.

Deve-se estar à vontade com o uso de boas técnicas básicas de aconselhamento, tais como a escuta reflexiva, bem como técnicas de comunicação e resolução de problemas.

Creio ser essencial estar aberto e honesto com a criança.

"E é preciso ter senso de humor, para permitir a manifestação da criança brincalhona e expressiva que existe em todos nós" (página78).

Eu percebo que muitas informações que temos acerca das crianças na escola não são usadas a favor, a serviço da criança, mas contra ela, contra a sua família, por meio de julgamentos que fazemos a respeito do sistema dela.

É importante destacar que muitos profissionais da educação, apesar de serem adultos, carregam dentro de si uma criança muito ferida, muito machucada, e é esta criança que vai ditar as regras no trabalho deste profissional.

Descobrindo crianças foi publicado em inglês no ano de 1978. Eu trabalhei com a edição publicada em 1980 pela editora Summus, isto é, é um livro escrito na segunda metade da década de 1970.

Na leitura, a autora já apontava para a necessidade de superação de um paradigma mecanicista, para a inclusão de uma perspectiva mais holística e sistêmica no serviço às crianças. Chamou-me a atenção o fato de, passados mais de 40 anos, integrar o trabalho com as emoções à proposta curricular ainda ser um desafio a se superar na educação brasileira.

 

As experiências

Pouco proveito teria a leitura do livro, se não me entregasse aos exercícios propostos pela autora. No primeiro capítulo, Violet nos mostra como usar a fantasia como técnica terapêutica. Seu objetivo é perceber qual é o processo de vida da criança e torná-la consciente de sua postura na vida. Ela nos conduz a uma viagem imaginária: fiquei confortável, fechei os olhos, adentrei meu espaço, respirei, caminhei pela floresta e a observei, subi a montanha, virei um pássaro, atravessei a rocha, entrei na caverna. Diante de muitas portas, escolhi uma e abri. Ela deu para um quarto vazio com uma janela grande, de onde saltaram três árvores:

Eu sou a árvore do meio. Tive a sensação de estar espremida, sufocada. A frase que me veio foi: "aqui não é um bom lugar para estar". 

Esta é a minha dinâmica da minha criança com meus pais... Não é uma postura adequada, mas “As crianças fazem o que podem para ir em frente, para sobreviver. A investida das crianças é em direção ao crescimento. Em face da ausência ou interrupção no funcionamento natural, elas adotam algum comportamento que parece servir para fazê-las avançar”. (página 74).

Eu me protegi, me calei, e arroguei esta posição de estar no mesmo nível dos meus pais, no meio deles. Entendo que meu lugar de força é um pouco mais abaixo, assumindo o meu lugar de filha:

Agora sim, me sinto livre e desembaraçada, tenho até frutos! Eu agora me coloco em meu lugar! É um lugar de menos importância, mas sinto mais força. Preciso me fixar nesta imagem.

Pude experimentar que a emoção acompanha a pintura. Descobri que, desenhando e pintando, posso acessar a minha criança, posso deixá-la falar e permitir que ela aponte o caminho para as soluções.

Propus uma outra atividade ao meu filho de 07 anos: O RABISCO

Permiti que usasse quantas cores desejasse e que pintasse com as duas mãos, ele ficou bem feliz e satisfeito em rabiscar o papel. Depois de rabiscar, perguntei-lhe o que via nos rabiscos. Ele disse que a parte laranja com vermelho era raiva, os traços azuis eram medo. Então lhe perguntei se não havia algo bom (olha eu julgando e classificando as emoções entre boas em más). Ele me disse que os traços verdes eram a alegria, e o amarelo era pena. Então, o indaguei sobre o que seria pena. Segundo me explicou, é algo que ele experimenta quando observa as pessoas que não tem o que comer, ou animais (principalmente gatos) que não recebem cuidados.

Propus a ele que rabiscasse mais uma vez, com uma cor somente:

Depois de rabiscar perguntei a ele se enxergava algo nos rabiscos. Ele disse que via três rostos. Pedi que os destacasse com giz preto. Disse que o primeiro da esquerda para a direita era o meu rosto, o segundo era o dele e o terceiro era o do pai. Perguntei a ele o que os rostos falavam: Ele disse que o primeiro, da esquerda para a direita dizia: “Não tenha medo do seu medo”. O segundo dizia: “Não tenha medo da escola”. E o terceiro dizia: “Não tenha medo”.  

Notei que assim como a minha árvore estava no meio dos pais, ele também está no meio dos pais dele. E que talvez isso aponte para um padrão relacional.

Como o medo estava muito presente, pedi para que desenhasse o medo:

Cabeça grande, olhos, não havia boca, nem nariz. Ele afirmou que era um medo grande, mas disse que ele não ocupava todo o espaço da folha, sinalizando que era um medo considerável, mas que ele podia administrar. Disse a ele que seu medo faz parte, e que ele é seu amigo.

Esta experiência com meu filho aponta para muitos lugares para onde preciso olhar: possíveis lealdades, habilidades que preciso desenvolver, como aceitar seus sentimentos e seus medos... “As crianças têm necessidade de falar sobre esses temores. Alguns deles são resultado de ideias falsas; outros baseiam-se em situações reais. Muitos são resultados do lugar desigual que a criança ocupa em nossa sociedade. Todos os medos da criança precisam ser reconhecidos, aceitos, respeitados. Só quando eles puderem ser encarados abertamente é que a criança poderá ganhar a força para lidar com um mundo que às vezes lhes é ameaçador”. (página 265)

Reconhecer e aceitar os medos do meu filho passa por reconhecer, acolher e aceitar os meus medos. Muitas vezes são medos infantis, que me acompanham a muito tempo e que não foram atualizados.

Quando eu era criança, morria de medo que a minha mãe morresse. Eu tinha a sensação de que um dia ela não voltaria do trabalho para casa porque havia morrido acidentada, ou por qualquer outro motivo. Veio a lembrança de uma situação ocorrida quando eu tinha 07 anos, a mesma idade que meu filho tem hoje. Quando minha mãe estava grávida da minha segunda irmã, foi buscar a primeira irmã na escola. Na minha cabeça, minha mãe demorava e eu a imaginava atropelada, esfaqueada... Só fiquei aliviada quando minha mãe e minha irmã chegaram em casa. Era mais fácil para mim como criança expressar medo de que ela morresse do que o desejo de que ela morresse por causa da raiva subjacente que eu sentia dela por me sentir rejeitada e negligenciada.

Ocorreu-me também que, ao me apresentar medo dele, meu filho pode querer perceber se sou confiável para que ele expresse outras emoções, considerando que a raiva em algumas situações se encontra subjacente ao medo. De acordo com seu desenho, esta é uma emoção que está muito presente em seu mundo.

Recomendo o leitura aos meus companheiros Educadores e a todos os que querem se reconciliar com sua infância e, consequentemente, com sua criança interior.

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