Espirais de Conflito
Escuta Sistêmica
Por: Mercia Sousa
__O grande problema é minha mãe!
Sim…
__ Ela nunca me amou, somos em três filhos, meu irmão mais velho sempre foi o filho dourado, o predileto, ela nunca ligou para mim e meu irmão. Eu tive até que tomar o lugar da minha mãe e cuidar do meu irmão caçula, mas quando meu irmão mais velho foi para o exterior, ela transferiu a predileção para meu irmão caçula e eu sempre fui a feia, a descabelada, eu era magra, mas desenvolvi obesidade, você sabe que isso tem a ver com a mãe, fiz cirurgia bariátrica mas não paro de comer.
Me conte mais.
__ Minha avó morreu logo após ter filho, em decorrência de trombose, deixou oito filhos vivos e muitos abortos, minha tia foi doada e ficou muito revoltada, uma tia veio morar conosco, ela tinha sete anos, e quando eu nasci minha mãe já cuidava de minha tia e meu irmão. Meu pai teve amante, meus outros tios não se deram com a madrasta, uma tia teve problemas mentais e morou em casa também. Um dia estando apenas com a moça que a olhava, essa tia deixou uma cigana entrar em casa dizendo que havia um rapaz que a amava, pediu ouro, joias, e ela entregou. A cigana colocou em um saquinho e na hora de devolver, trocou por um saquinho cheio de parafusos. Essa minha tia morreu assassinada, estrangulada com uma meia e só descobriram depois de três dias, não houve velório, só um caixão fechado que foi enterrado, outro tio suicidou-se. A minha tia está sofrendo com meus primos, coitada ela não merece o que fazem com ela.
Mas e a sua mãe?
__ Minha mãe sempre preferiu meus irmãos, eu tive filho na mesma época que meu irmão caçula, e ela foi ajudar minha cunhada que tem mãe, e não veio me ajudar. Até comida na boca do meu irmão ela dá. Ela provocou um rompimento entre meu irmão e eu, e hoje vieram ela e meu pai aqui e me chamaram para ir na casa do meu irmão, então eu despejei em cima dela que há 17 anos atrás ela não cuidou de mim, reclamei mesmo.
Você gosta de sofrer?
__ Nossa! É muito emaranhamento, o que você falou agora chocou, será que eu gosto de sofrer?
Todos nós em nossos sistemas, temos alguns emaranhamentos para que possamos crescer e evoluir, tudo vai depender da forma como lidamos com as dificuldades que surgem.
Uma grande parte das pessoas traz problemas com a mãe, porque não conseguem entender que pai e mãe são veículos para nos trazerem ao mundo, e tudo o que podemos tomar deles é a vida, e que a partir de nosso nascimento precisamos, sim, de cuidadores, que não necessariamente serão os pais.
Contudo, devemos lembrar que nossos pais ou cuidadores muito nos influenciaram na vida, principalmente por nossa idealização de pais amorosos e perfeitos. Quando percebemos que eles não correspondem às nossas expectativas, nos decepcionamos, nos afastamos. E se crescermos e evoluirmos, entenderemos que essa visão de pais perfeitos fica no mundo infantil, porém podemos permanecer na infância, e todo movimento feito por eles nos faz sofrer e permanecemos como crianças mimadas e birrentas.
No caso da escuta, percebo uma filha que ainda espera afeto, carinho, aceitação e aprovação da mãe, e enquanto essa mãe não for liberada pela filha com amor e gratidão, sendo aceita como uma pessoa comum, que apenas trilha o seu caminho, esta filha não estará bem-posicionada na vida, pois de acordo com os escritos de Hellinger a forma como tratamos a nossa mãe é a forma como tratamos a vida.
Se exigimos de nossa mãe, a vida também exigirá de nós e ficará muito difícil construir o sucesso.
Quando a pessoa gosta de sofrer, mesmo quando se estabelece a possibilidade de um tratado de paz, ela ataca mesmo que seja com episódios antigos, trazendo à memória coisas que em nada colaboram para sua cura, mas com certeza vão abalar e ferir o outro, numa dinâmica de se eu estou sofrendo porque você me negou carinho e atenção, você também vai sofrer para saber como eu me sinto, e desta forma postergando o movimento de cura, criando infindáveis espirais de conflito.
A escuta mostra que a cliente não consegue enxergar as dores da mãe, ela sabe de todos os fatos, todas as mortes, todos os emaranhamentos, consegue enxergar a dor da tia, mas não da mãe. O que torna a tia merecedora de compaixão e a mãe de julgamento?
Será que ao deixar de julgar a mãe, romperia um vínculo que, mesmo doentio, a mantém presa ao sofrimento, a mantém presa a uma história infantil de sofrimento repetitivo?
Há também, na escuta, uma rivalidade entre os irmãos que muito provavelmente tem a ver com pertencimento e exclusão. O irmão mais velho respeitando-se os princípios das leis do amor, sempre terá precedência sobre o mais novo, e a cliente não entende, exclui e volta-se para o caçula, quando o irmão mais velho se ausenta.
A mãe, inconscientemente, percebe que a filha tomou o seu lugar em relação ao filho mais novo e toma sua posição de volta, gerando um sentimento de exclusão como filha e de rompimento com relação ao irmão que cuida como se fosse a mãe.
Uma tia trapaceada por cigana nos remete à memória de orfandade; a obesidade traz a dinâmica, se não dou lugar a mãe no coração, dou no corpo, tento corrigir com bariátrica, mas não paro de comer, crio uma compulsão para se grudar a minha mãe.
Uma avó que morre de trombose, doença criada pela pessoa que não se sente boa o suficiente. Assim, a cliente segue com esse movimento simbiótico como a avó, se achando a pior pessoa, a feia, etc.
A cliente tem um corpo de dor muito grande, com muitos temas a serem constelados, mas é necessário que viva a constelação, que veja beleza nas cores e flores, na simplicidade que é o amor. Precisa transbordar, agradecer e, antes de tudo, perdoar e se auto perdoar para que esteja livre.