Meu pai se tornou um provedor de família muito cedo.
Logo que meu avô faleceu meu pai teve que ocupar o lugar de pai de minhas tias, ocupando um lugar que não era seu.
Muitas vezes minha avó exigia dele atitudes de pai delas, o que com certeza gerou muitas mágoas e ressentimentos.
Hoje eu vejo minha vozinha que você só fez o que achava que era certo naquele momento em que se viu viúva, jovem e mãe de quatro filhos vivos para sustentar.
Você teve que exigir dele tal atitude.
Eu sinto muito pelo medo que passou de não dar conta de cuidar de seus filhos.
Mas também vejo que meu pai não queria ocupar esse lugar, ele era apenas um garoto que teve que assumir as funções de homem para prover o sustento e a educação das irmãs.
Vejo nele uma pessoa cheia de vida e esperança que desde a infância e teve que trabalhar para ajudar em casa.
Sua criança interior cresceu muito cedo e quero resgatá-la agora dizendo que ela pode ser feliz agora, ela pode brincar com suas irmãs agora.
Pois tudo já passou e a prosperidade chegou em abundância em nossa família.
Meu pai sempre conta com sentimento de orgulho e nostalgia que quando cursava uma das séries iniciais teve que parar de estudar para tocar uma empreita (era assim que os antigos falavam na roça sobre um serviço contratado) que seu pai tinha pegado mas por ficar doente não podia continuar.
Meu pai assumiu o trabalho e seu professor mandava toda semana as atividades da escola para que ele fizesse e assim não perdesse o ano letivo como era de costume.
A família mudava muito e ele não conseguia finalizar o ano escolar.
Gratidão professor Paulo Sato por ter acreditado na capacidade de meu pai e ter lhe ajudado a não parar seus estudos, ainda que foram poucos.
Ele sempre diz que o trabalho lhe impediu de estudar mais e por isso é analfabeto por ter estudado apenas até a 4ª série do ensino fundamental.
Com todo esse sacrifício e pouco comprometimento de meus avós paternos em relação aos estudos devido as condições da época, eu sempre digo a todas as pessoas que meu pai apesar de se considerar analfabeto, é o analfabeto mais alfabetizado que eu conheço, pois ele sempre foi confiante em si próprio e determinado.
Fez uma deliciosa limonada com os limões que a vida lhe deu.
Lutou com garra para que todos os seus filhos estudassem e fizessem um curso superior.
Meu pai é meu herói, ainda que tenha seus defeitos e tenha cometido erros.
Mas hoje eu vejo que a vida não foi boazinha com meus avós e nem com nossos ancestrais.
Mas eu reconheço todo o esforço que tiveram para educar seus filhos e dar dignidade a todos em meio a um mundo onde eram privados de conhecimento. Quanta ignorância vista como normal foi permeando até pouco tempo.
Cito um exemplo dessa ignorância quando minha avó contava que meu avô chegou a duvidar da paternidade do meu pai por ter casado com minha avó ainda menina e ter demorado muitos anos para ter filhos.
Eu sinto muito meu avô Afonso, por você não ter sido amado como gostaria. Também sinto muito por não ter conhecido você e nem ter usufruído de seu colinho de avô.
Me perdoe pelas dores que carregou e alimentou por tantos anos.
Eu te amo por ter dado a vida a meu pai que amo tanto e a minhas tias que são as melhores que eu poderia ter.
Sou grata por tê-los tornado grandes seres humanos.
Meu pai, um homem honesto, íntegro e trabalhador que sempre faz de tudo pela sua família.
Minhas tias, grandes mulheres que sempre foram determinadas e nunca esmoreceram diante das dificuldades.
Minha avó Maria Rosa que já pude conviver enormemente, eu sinto muito por ter tomado as atitudes que tomou e ter gerado muitas vezes a revolta entre seus filhos.
Eu entendo que estava tentando mantê-los vivos e alimentados.
Me perdoe pelas vezes que a julguei sem me colocar no seu lugar.
Eu te amo por ter sido a melhor avó para seus netos.
Nessa época a vida já era mais doce e leve.
Você já podia relaxar e só agradar mais.
Eu sou grata por tudo que me ensinou e nos proporcionou.
Gratidão por ter morrido bem velhinha e ter nos proporcionado por muito tempo o prazer de sua companhia.
Gratidão a essa linda família que vocês meus avós paternos criaram.
Saibam que tenho o maior orgulho e respeito por vocês e os vejo seguindo seus caminhos e deixando os caminhos dos seus que ainda estão nessa experiência humana livre para serem percorridos com alegria, felicidade e prosperidade.
Minha mãe se olhar apenas pelo aparente, teve uma infância mais tranquila que a do meu pai.
Não trabalhou na roça, estudou mais, porém suas dores estão além do aparente como diz a mestra Olinda Guedes.
Um dos seus sonhos era ter feito uma faculdade de desenho, ela fala disso com muita frustração.
Se reporta muito a essa memória como eu queria ter feito isso, como eu queria ter feito aquilo.
Eu vejo muitas mágoas em sua relação com seus pais, principalmente com seu pai. Ela conta que acordava cedo pra fazer o almoço que minha avó levaria para a roça juntamente com minha tia que não gostava de estudar, então ia pra roça, e ela ficava em casa cuidando de tudo e estudando.
Sinto que ela fala com dó da mãe dela ir trabalhar no pesado e seu pai não.
Conta que ele só gostava de andar de terno e gravata e tinha preguiça de trabalhar. Se refere a ele como um sonhador sem atitudes.
Minha mãe perdoe seu pai, ele queria o melhor para sua família mas não tinha base para isso.
Como dar aquilo que não tem?
Sei que trás memórias de rejeição em relação a meu avô.
Pontua que ele chamava minha tia, sua irmã, de minha branca, se referindo a ela como preta.
Hoje eu sinto sua dor e sinto muito.
Sua referência sempre foi sua mãe e sua avó.
Ela era forte, heroína, provedora do lar.
Enquanto seu pai buscava uma vida de ilusão, de sonhos.
Minha avó também sentia essa dor.
Aliás, essa dor era dela e minha mãe pegou para si e não enxergou o seu pai, pois sua mãe não abriu esse caminho, ela não a levou até seu pai.
Seus irmãos que partiram, todos ainda crianças, também marcam sua vida com sofrimento.
Sei que não se conforma com essas partidas precoces.
Então, é hora de deixá-los seguir os seus caminhos, com a sensação de que cumpriram sua missão enquanto estiveram aqui.
Não foi culpa sua, você era criança como eles, não se culpe por ter ficado e eles não. Olho pra eles com gratidão e respeito, reconhecendo a importância e o lugar que tiveram em nosso sistema.
Quanto a sua irmã, aquela que gostaria que tivesse sido sua grande amiga, também guarda lembranças difíceis.
Situações de competição frequentemente existiram entre elas, mais momentos de distanciamento do que de proximidade.
Após o falecimento de minha avó, essa situação se agravou quando em um determinado dia minha tia ligou para minha mãe dizendo que estava mandando uma procuração para ela assinar abrindo mão do pouco que minha avó tinha deixado, alguns mil reais.
Minha tia afirmou categoricamente:
- Afinal, a mãe nunca morou com você, então é justo que você abra mão da sua parte.
A mãe queria assim, disse ela.
Minha mãe ficou sem ação e ficava mal toda vez que minha tia ligava cobrando o documento, até que ela assinou.
Não queria que minha mãe sofresse por essa fala da minha tia, pois foi ela quem pronunciou e não minha avó.
Ela sugeriu que minha avó queria dessa forma e sei se isso abalou minha mãe. Ficaram muitos anos sem se falar desde então.
Recentemente elas voltaram a se comunicar, mas está tudo muito fora de lugar. Agora eu vejo, que todas essas dores adoeceram minha mãe e fizeram-na se entristecer com a vida.
Não vejo mais nela o mesmo ânimo de antes.
Quero dizer a seus pais, meus avós maternos que deixem ela viver melhor, curtir a velhice com saúde e se sentindo amada.
Meu avô Antônio, eu sinto muito se os seus sonhos não se realizaram e você partiu sem realizar aquilo que tanto queria.
Me perdoe por não considerá-lo por muitas vezes, pois eu nunca fui apresentada de verdade a você.
Eu te amo por ter dado a vida a minha mãe e sou grata por ser sua neta.
Adoro ser alta, herdei de você gratidão.
Agora te vejo atrás de minha mãe, segurando-a e amparando-a.
Nunca é tarde para se colocar em seu devido lugar.
Minha avó Maria dos Santos, que eu tenho uma conexão grande e que adorava ouvir seus causos, eu sinto muito por você ter ocupado o lugar de homem da casa, eu sei que isso te endureceu.
Me perdoe por não ter convivido mais com você.
Eu te amo por ter sido forte e sou grata por cuidar de mim nos primeiros dias de vida.
Até hoje sinto sua presença me avisando que algo está por vir.
Amou como foi amada e não lhe julgo por isso.
Meus avós maternos, sigam na paz que vocês merecem.
Deixem a minha mãe a paz que ela merece e ocupem seus devidos lugares, fortalecendo-a e amando-a.
E no meio do caminho tinha uma professora que deixou um noivado de dois anos com um homem da cidade para em seis meses se casar com um peão de fazenda.
Tiveram três filhos, sendo eu a filha primogênita.
Com o passar do tempo minha mãe deixou de trabalhar e se dedicou apenas a cuidar dos filhos.
Meu pai decidiu que lugar de mulher era em casa. Eu disse que ele também já errou?
Os filhos cresceram e ela foi sentindo um vazio, como se sua missão tivesse sido cumprida após os filhos terem crescido.
Enquanto ainda tinha filho em casa, ela era ágil, dinâmica e ativa.
Quando o último filho saiu de casa, teve síndrome do pânico, problemas na coluna e nas articulações.
Sente muitas dores nos braços, trata de diabetes, enfim, é bem dependente do meu pai, quer ser dependente.
Por muitas vezes eu não enxergava que ela estava com sintomas de sofrimento e até a julgava por isso, não tendo paciência para alguns comentários e atitudes dela.
Me tornei uma pessoa ativa e cheia de sonhos e não aceitava que minha mãe não fosse assim.
Hoje, após os estudos sobre constelações sistêmicas, eu a vejo melhor.
Parei de julgar e estou procurando demonstrar mais amor por ela.
Vejo que sua vida foi marcada por muitas dores e perdas.
Eu tive o amor dos melhores pais do mundo.
Apesar de tantos sofrimentos, conseguiram plantar o amor em seu lar, nos fazendo ter uma infância feliz, uma juventude de esperanças no futuro, uma vida de adulto permeada de realizações.
Plantaram em nós a determinação de nunca desistirmos daquilo que desejamos alcançar, seguindo sempre pelo caminho da retidão e da ética.
Uma imagem que sempre cito é quando eu adolescente já me via próspera, independente e bem-sucedida.
Gratidão por ter o privilégio de estar nessa experiência humana e pela oportunidade de cada dia me tornar uma melhor versão de mim.